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"Guerra" é a Palavra do Ano, de 2022. Numa altura de abundância de palavras (ditas, escritas, gritadas, escarrapachadas), em que se usa e abusa das palavras, escolher uma palavra - uma só - por ano, soa a tarefa hercúlea. Quando a iniciativa da Porto Editora começou, perguntei-me se fazia sentido elaborar um "top" de palavras, submetê-las a votação e eleger uma só palavra. Porque a escolha pode refletir, apenas, a espuma dos dias. Mas, também é verdade que pode servir de barómetro, que ajuda a perceber os assuntos que mais preocupam os portugueses. No ano de 2022, marcado pela invasão da Ucrânia pela Rússia, a palavra escolhida foi "guerra". As palavras relacionadas com a Covid-19, que tinham dominado os dois últimos anos (no ano passado foi "vacina"), desapareceram. Se passarmos por 2017, ano dos grandes incêndios, a palavra do ano foi, precisamente, "incêndios". Em 2011, o ano da chegada da troika, a palavra escolhida foi "austeridade". Uma palavra - uma só - pode dizer muitas coisas. Pode dizer muito.
O homem não tinha tempo a perder. Notava-se. Falava sobre prazos, contratos, projetos e pagamentos, ao telemóvel, segurando o aparelho entre o ombro levantado e a cabeça inclinada. Simultaneamente, usava as mãos livres para manusear, com rapidez, outro telemóvel. Dava respostas breves às pessoas que o encaminhavam, sem desligar o telemóvel, sem desviar os olhos do ecrã. Perco-o de vista, quando entro para o gabinete de vacinação. Saio do gabinete e vou para o local indicado para aguardar os 30 minutos aconselhados, para detetar possíveis reações alérgicas. Ao sentar-me, reparo que o homem dos telemóveis já está a abandonar o pavilhão. O homem não tinha (mesmo) tempo a perder. Ou, se calhar, tinha. Vejo-o regressar ao pavilhão. Vem com ar debilitado e é, imediatamente, acompanhado pelos profissionais de saúde, que têm sempre tempo. Até, para quem não tem tempo para si próprio.
Estragaram-me a fotografia. De chinelos, de calções, de manga cava? Hoje em dia, é tudo à vontade. Antigamente, quando íamos tomar a vacina, vestíamo-nos como devia ser. Queria colocar aqui uma foto dos meus companheiros vacinados, mas não consigo. Enfim, divergência estéticas. E, agora, com a Vossa licença, vou trabalhar. Preciso, apenas, de tirar os "collants". É que, realmente, não se aguenta este calor.
O governo português fez voz grossa e os espanhóis fizeram marcha-atrás: já não vão exigir um teste negativo ou um comprovativo de vacinação, a quem cruzar a fronteira terrestre. A tremer, estão já os ingleses, com o Britgreen - processo que obriga a recolocar Portugal na lista verde. "In between", ainda revemos o tratado de Methuen.
A Dinamarca prepara-se para oferecer as vacinas da AstraZeneca aos países pobres. Querem fazer um dois em um: evitar tromboses e mostrar que têm bom coração. Lembrei-me duma canção de José Barata-Moura tão atual, que lembra a solidariedade mais antiga do mundo: a caridadezinha.
- Temos de almoçar depressa.
- Porquê?
- Porque o mano tem de ir tomar uma vacina.
- O quê, já?!
- Como assim?
- Pensei que o mano fosse dos últimos!
- É uma vacina que estava em atraso. Espera lá, não é a vacina que está a pensar!
- Ai, não?!
- Não. Sabes, há mais doenças e há mais vacinas. Não é só a da Covid.
- A sério? Não sabia.
Caso já nos tenhamos esquecido, há, por aí, um bicho que mata. E há, também, uma coisa que evita que o faça: chama-se vacina. O processo de investigação e criação da vacina foi de uma rapidez nunca vista. Mas, o processo de vacinação tem sido atribulado: o fabrico e a distribuição têm sofrido vários atrasos e surgiram dúvidas em relação aos efeitos secundários de uma das marcas existentes. As dúvidas são legítimas e têm sido analisadas. Continua, no entanto, a haver uma certeza: o bicho mata.
Ontem, na RTP, o epidemiologista Henrique Barros punha as coisas da seguinte forma: se toda a população portuguesa fosse vacinada com a vacina da AstraZeneca haveria o risco de morrerem 10 a 12 pessoas, em Portugal. Uma desgraça, certamente. Mas, o que dizer das quase 17 mil mortes que já tivemos, desde o início da pandemia? Poderemos, sempre, argumentar que no início não tínhamos vacina. Mas, agora, temos. E, enquanto recusamos uma vacina e interrompemos, repetidamente, o processo de vacinação, o bicho vai matando. Só ontem, morreram 9 pessoas em Portugal: da doença, não da vacina, entenda-se. E, se pensarmos bem, é um alívio - tendo em conta que já tivemos mais de 300 mortes por dia.
Esta não é, portanto, uma discussão entre o copo meio cheio ou meio vazio. É mais entre o copo meio cheio e a rede nacional de abastecimento de água.
Taça de plástico. Serve para levar a merenda para o trabalho. Antes, achava-a muito jeitosa. Mas, agora, gosto menos. Faz-me lembrar o bicho manhoso. Passou do mata-bicho ao bicho que mata.
O governo alemão suspendeu a vacina da AstraZeneca, a menores de 60 anos. Já o tinha feito, a maiores de 65 anos. A próxima decisão poderá permitir a vacina, aos protestantes do norte; ao mesmo tempo que irá desaconselhar a vacina, aos católicos do sul. Ou, então, chega-se à conclusão de que não existem contraindicações - exceto quando administrada às quartas-feiras, da parte da tarde; e aos sábados, da parte da manhã. Lembram-se do rigor alemão? Parece que foi, novamente, abalado. Talvez seja outro efeito secundário da vacina.