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O presidente da República fez mais de 500 quilómetros para assinalar os quase 50 anos de democracia, em Portugal. Recorreu à sua vocação de professor e aos seus dotes de comunicador, para dar uma espécie de aula sobre democracia, num auditório repleto de jovens. O presidente foi recebido com grande entusiasmo. Os jovens bateram palmas e assobiaram, com a excitação reservada às celebridades. Depois, o presidente começou a falar e a juventude esmoreceu. Quando começou a distinguir a monarquia e a república, a Rita resolveu mergulhar no "Instagram". Quando abordou a guerra colonial, o João decidiu fazer uma guerra "online" com o colega do lado. A reflexão sobre a natureza dos partidos políticos foi ofuscada pelas imagens dos guerreiros de "wrestling" do telemóvel do Hugo. E a emergência do populismo não resistiu ao livro do Harry Potter (na realidade, o Harry Potter também não resistiu ao "TikTok" - pois não, Mafalda?"). Bem sei que estava na fila de trás (local onde se costumam sentar os jornalistas e os maus alunos). Bem sei que, nas filas da frente, havia alunos interessados e participativos. Mas, foi uma espécie de constatação "in loco" de algumas das assimetrias sublinhadas pelo presidente: na política ou na educação "há muito bom e há muito mau". O presidente exortou os jovens: "participem", "envolvam-se", "manifestem-se". Uma parte significativa não respondeu, porque estava demasiado ocupada, a bocejar, no ciberespaço. A dada altura, o presidente contou uma história para ilustrar a importância das pessoas se manterem independentes dos cargos políticos: "Eu tinha colegas meus, jovens, que tinham acabado de sair da faculdade e foram convidados para secretários de Estado. Quando saíram do governo não sabiam o que fazer. Achavam que, depois de terem sido secretários de Estado, só podiam ser ministros ou presidentes de um banco". "O que é que achas que eu devo fazer?", perguntavam-lhe. "Eh, pá! E se fosses trabalhar?", respondia-lhes. A resposta (como é evidente) não é válida, apenas, para ex-secretários de Estado. No final - de novo - as palmas e os assobios, reservados às celebridades. E uma selfie (claro!), para partilhar no ciberespaço.
José Duarte tem uma janela linda, de Siza Vieira, virada para a Ria. Hoje, fui revê-la e conversar com a professora Susana Sardo sobre o espólio que José Duarte doou à Universidade de Aveiro, há cerca 20 anos. Por essa altura, conversei com ele. Comecei por citar as suas palavras: "Jazzé, quem é? Jazzé é de como Jozé vivia o jazz." Pedi-lhe para assistir a uma das suas aulas. "É para viver o jazz?", perguntei. "Talvez sim". E falámos de jazz e de outras músicas e de rádio e de livros. "Ouve muito jazz?", perguntou-me. "Não", respondi, "mas tento muito". "Não desista." José Duarte morreu, aos 84 anos, depois de seis décadas ao serviço do jazz. A conversa, com Susana Sardo, está aqui.
https://www.rtp.pt/play/p1467/e682144/entrevista-tarde-antena-1
https://www.rtp.pt/noticias/cultura/uma-casa-para-eugenio_a1461353
Chamava-se "Lar do pescador", mas para nós era a "D. Alice". Ficava junto à antiga lota, inaugurada pelo Almirante Américo Thomaz, nos anos 50, e abandonada na euforia do Portugal na CEE, em favor de um local mais perto do mar. Mas, apesar da lota ter partido aos poucos (e já a cair aos poucos) o "Lar do pescador" foi ficando e resistindo. Muitos pescadores, de partida ou a chegar, continuavam a passar na D. Alice: para uma sopa, para um copo de vinho, para uma sandes, para um café. Para dois dedos de conversa, anedotas e disparates. Para abraços e rodadas. Para forrar o estômago e afastar o sono. A D. Alice e os pescadores viram a fauna a crescer e a diversificar-se: homens da construção, operários, guardas noturnos, prostitutas, notívagos, estudantes universitários. Já não sei quando fechou. Mas, antes de fechar, o "Lar do pescador" foi uma casa aberta.