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Doutores e engenheiros

por Miguel Bastos, em 23.06.23

bata.jpeg 

- Sabes, os meus alunos...
- Sim...
- ... como é que eu hei de dizer? Não é que não sejam inteligentes..
- Mas, são maus alunos?
- Não, mas são desinteressados.
- Não estudam?
- Estudam e acabam por tirar boas notas. Mas são...
- Mas são...?
- Não há aqui médicos, pois não?
- Não.
- São médicos. É o melhor que eu posso dizer.
- Então, mas os médicos não são muito inteligentes? São bons alunos, as médias são altíssimas...
- Pois, (lá está) e eles estudam, marram aquilo tudo... mas falta-lhes tanta coisa.
- Por exemplo...
- Falta-lhes ciência: física, química, biologia...
- Ah...
- E falta-lhes mundo, pensamento abstrato, falta-lhes filosofia...
- A sério?
- E, a mim, falta-me paciência. E saúde, que não vou para nova. E tenho muitos amigos médicos. Por isso, convém que não me exceda nas considerações.
 
Riu-se, a minha amiga, com o seu riso desconcertante. Rimo-nos todos. Penso nesta conversa, de cada vez que ouço discursos arrogantes, de quem acha que sabe tudo. De médicos, sim, mas de outras profissões que beneficiam de um estatuto social, que outras não têm. E porque há sempre alguém que sabe mais do que nós e que sabe mais do que aqueles que acham que sabem muito. Porque, no fundo, ninguém sabe muito de tudo. Quando muito, uns sabem muito de umas coisas e outros sabem muito de outras coisas. Se percebêssemos isso, talvez passássemos, todos, a saber mais, sobre várias coisas.

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Aula sobre democracia

por Miguel Bastos, em 24.04.23

cravos.jpg 

O presidente da República fez mais de 500 quilómetros para assinalar os quase 50 anos de democracia, em Portugal. Recorreu à sua vocação de professor e aos seus dotes de comunicador, para dar uma espécie de aula sobre democracia, num auditório repleto de jovens. O presidente foi recebido com grande entusiasmo. Os jovens bateram palmas e assobiaram, com a excitação reservada às celebridades. Depois, o presidente começou a falar e a juventude esmoreceu. Quando começou a distinguir a monarquia e a república, a Rita resolveu mergulhar no "Instagram". Quando abordou a guerra colonial, o João decidiu fazer uma guerra "online" com o colega do lado. A reflexão sobre a natureza dos partidos políticos foi ofuscada pelas imagens dos guerreiros de "wrestling" do telemóvel do Hugo. E a emergência do populismo não resistiu ao livro do Harry Potter (na realidade, o Harry Potter também não resistiu ao "TikTok" - pois não, Mafalda?"). Bem sei que estava na fila de trás (local onde se costumam sentar os jornalistas e os maus alunos). Bem sei que, nas filas da frente, havia alunos interessados e participativos. Mas, foi uma espécie de constatação "in loco" de algumas das assimetrias sublinhadas pelo presidente: na política ou na educação "há muito bom e há muito mau". O presidente exortou os jovens: "participem", "envolvam-se", "manifestem-se". Uma parte significativa não respondeu, porque estava demasiado ocupada, a bocejar, no ciberespaço. A dada altura, o presidente contou uma história para ilustrar a importância das pessoas se manterem independentes dos cargos políticos: "Eu tinha colegas meus, jovens, que tinham acabado de sair da faculdade e foram convidados para secretários de Estado. Quando saíram do governo não sabiam o que fazer. Achavam que, depois de terem sido secretários de Estado, só podiam ser ministros ou presidentes de um banco". "O que é que achas que eu devo fazer?", perguntavam-lhe. "Eh, pá! E se fosses trabalhar?", respondia-lhes. A resposta (como é evidente) não é válida, apenas, para ex-secretários de Estado. No final - de novo - as palmas e os assobios, reservados às celebridades. E uma selfie (claro!), para partilhar no ciberespaço.

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Ouve muito jazz?

por Miguel Bastos, em 31.03.23

José Duarte tem uma janela linda, de Siza Vieira, virada para a Ria. Hoje, fui revê-la e conversar com a professora Susana Sardo sobre o espólio que José Duarte doou à Universidade de Aveiro, há cerca 20 anos. Por essa altura, conversei com ele. Comecei por citar as suas palavras: "Jazzé, quem é? Jazzé é de como Jozé vivia o jazz." Pedi-lhe para assistir a uma das suas aulas. "É para viver o jazz?", perguntei. "Talvez sim". E falámos de jazz e de outras músicas e de rádio e de livros. "Ouve muito jazz?", perguntou-me. "Não", respondi, "mas tento muito". "Não desista." José Duarte morreu, aos 84 anos, depois de seis décadas ao serviço do jazz. A conversa, com Susana Sardo, está aqui.

https://www.rtp.pt/play/p1467/e682144/entrevista-tarde-antena-1

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Uma casa para Eugénio 2

por Miguel Bastos, em 22.01.23

 arnaldo saraiva.jpg

Durante vários anos, os amigos procuraram uma casa para o poeta, no Porto. E encontraram uma casa, na Foz, que foi, também, a sede da Fundação.
 
A morte do poeta, há quase 20 anos, fez extinguir a Fundação e o espólio de Eugénio de Andrade deixou de ter casa.
 
"Uma casa para Eugénio" é uma reportagem do jornalista Miguel Bastos, com sonoplastia de Rui Fonseca.
 
Para ouvir: clique na imagem ou no link.

https://www.rtp.pt/noticias/cultura/uma-casa-para-eugenio_a1461353

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Comó Cavaco Silva

por Miguel Bastos, em 29.11.22

barroso soares cavaco.jpg 

A avó não parecia muito convencida.
- Então, mas ela não tinha acabado o curso?
- Já. Mas, agora, vai receber o diploma de doutoramento.
- Mas, ela não era doutora?
- Era. Quer dizer, mais ou menos. Era licenciada.
- Não percebo.
A avó não estava, mesmo, convencida.
- Quando as pessoas tiram o curso, são chamadas de doutora.
- Mas tinha acabado, ou não?
- Acabou. Mas, depois, tirou o mestrado e, de seguida, o doutoramento.
- Não percebo nada.
- Por exemplo, está a ver o Mário Soares?
- O que é que ele tem?
- Tem um curso, uma licenciatura. É, por isso, que dizemos "o doutor Mário Soares".
- Exato.
- Já o Cavaco Silva...
- Ele não fez o curso?
- Fez, mas fez mais do que isso. Depois de fazer o curso - como o Mário Soares - , foi estudar uns anos para o estrangeiro e tirou o doutoramento.
- Hum...
- Por isso, é que lhe chamam "Professor Cavaco Silva" ou, então, "Professor Doutor Cavaco Silva".
- Ahhh...
- Porque é doutor - como o outro - mas está um patamar acima. Para além de doutor, é professor.
Desta vez, a avó pareceu mais convencida. Uns dias depois, ouvi a conversa.
- Então a sua neta, está boa?
- Está. Sabe, ela agora é doutora...
- Sim, senhora. Parabéns!
- Mas não é "comó" Mário Soares, não.
- Ai, não?!
A avó, de peito inchado e dedo em riste.
- Não, ela, agora, é doutora "comó" Cavaco Silva!

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Lar, doce lar

por Miguel Bastos, em 08.10.20

lar.jpg

Chamava-se "Lar do pescador", mas para nós era a "D. Alice". Ficava junto à antiga lota, inaugurada pelo Almirante Américo Thomaz, nos anos 50, e abandonada na euforia do Portugal na CEE, em favor de um local mais perto do mar. Mas, apesar da lota ter partido aos poucos (e já a cair aos poucos) o "Lar do pescador" foi ficando e resistindo. Muitos pescadores, de partida ou a chegar, continuavam a passar na D. Alice: para uma sopa, para um copo de vinho, para uma sandes, para um café. Para dois dedos de conversa, anedotas e disparates. Para abraços e rodadas. Para forrar o estômago e afastar o sono. A D. Alice e os pescadores viram a fauna a crescer e a diversificar-se: homens da construção, operários, guardas noturnos, prostitutas, notívagos, estudantes universitários. Já não sei quando fechou. Mas, antes de fechar, o "Lar do pescador" foi uma casa aberta.

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