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Enquanto, em Portugal, discutimos se Passos Coelho é do centro moderado, ou se o governo de António Costa é de esquerda radical, há um país onde a direita radical existe mesmo. Em França, a Frente Nacional cresce, de eleição para eleição. O partido de Marine Le Pen tem, agora, mais de sete milhões de eleitores. Em algumas regiões, a percentagem anda à volta de 50%. Ou seja, Marine Le Pen tem, cada vez mais, hipóteses de vir a ser Presidente da República.
Esta possibilidade limita o otimismo que alguns depositavam na recuperação da popularidade de François Hollande, depois dos atentados de Paris. Antes dos atentados, a popularidade de Hollande era mais baixa do que a de Cavaco, em Portugal.
A expectativa de que a Europa estava a virar à esquerda, com a vitória de Hollande, foi contrariada pela eleição de Merkel, na Alemanha. A vitória de Tsipras, na Grécia, foi contrariada pela vitória de Cameron, no Reino Unido. Não se pode, portanto, falar de viragens à esquerda ou à direita. A estrada da Europa tem muitos ziguezagues. Mas, quando a direita é extrema, a Europa corre o risco de se despistar.
O Syriza voltou a ganhar as eleições na Grécia. Há menos de um ano, o partido de Tsipras representou uma nova esperança para a Europa. Agora a vitória passou despercebida. Porquê?
Porque, geralmente, só temos capacidade para pensar num assunto. Dois ou três, no máximo. E, agora, temos as eleições em Portugal e a crise dos refugiados. Portanto, temos mais em que pensar. Claro que há quem lembre as alegrias do Bloco e de António Costa com a vitória do Syriza. Claro que há quem insista que “Portugal não é a Grécia”. Claro que há quem a lembre a Grécia, a propósito da falta de respostas da Europa à crise dos refugiados.
Ora, apesar do terceiro resgate, da austeridade, da cisão interna, das filas para o multibanco, Tsipras ganhou as eleições. Ganhou mesmo, claramente. Não houve o empate com a Nova Democracia, antecipado pelas sondagens; nem o desaparecimento do Syriza, decretado por Varoufakis. A Nova Democracia teve menos votos, os dissidentes do Syriza saíram do parlamento.
Tsipras ganhou e já anunciou um novo governo, em coligação com os Gregos Independentes. A empatar há demasiado tempo, vamos ver se é desta que a Grécia desempata.
"Não existe supremacia alemã”, afirmou o ministro das finanças alemãs. A frase está na capa do DN. A palavra “supremacia” não é dita por acaso. 70 anos depois da Segunda Guerra Mundial, a Alemanha sabe bem o peso da palavras “supremacia”. E os que têm criticado a Alemanha, também.
Alexis Tsipras ganhou as eleições gregas com um discurso de esperança. A Grécia estava decepcionada com a Europa, mas também com a sua classe política e, particularmente com o PASOK e a Nova Democracia. O novo líder chegou sem amarras. Mas, a primeira coisa que fez foi agitar a bandeira da supremacia alemã.
É claro que a Alemanha não tem ajudado a desanuviar o ambiente, nem os restantes países europeus. Daí a importância da entrevista de Schäuble, num tom francamente mais conciliatório. Não negou as diferenças (era impossível escondê-las), mas tornou-as relativas e normais.
Nos últimos dias, falou-se do papel de Itália e França no acordo e na manutenção do bom senso. A proposta de Hollande, de uma Europa a duas velocidades, indica que não. Já suspeitávamos, fomos salvos, uma vez mais, pelos americanos.
O problema de falar da Grécia é que ainda me confundem com um especialista. Não é difícil. Tenho vários requisitos: não sou economista, nem político, nem historiador e nunca fui à Grécia. É um bom começo. E tenho capacidade de síntese. Querem ver?
A Grécia teve que pedir um resgate, e depois outro e, se calhar, vai pedir um terceiro. O PASOK foi-se, a Nova Democracia vai-se e temos o Syriza, que é uma espécie de Bloco, sem alergia ao poder. Entretanto, um motard perdeu-se a caminho da concentração de Faro e foi parar a Bruxelas. Primeiro acharam-no sexy e depois uma criança egocêntrica. A primeira reunião não resultou; a segunda também não; na próxima é que se decide; sim, senhor agora é com o primeiro ministro; mais um dia; talvez no final da semana; isto é demais, vou convocar um referendo. Se o “Sim” ganhasse o motard, demitia-se. Como ganhou o “não” o motard demitiu-se. Confusos? Claro, os gregos confundem-nos a todos. Dizem “nai” para dizer “sim” e “oxi” para dizer não. Faltam luz, água e medicamentos. Falta dinheiro. Os bancos continuam fechados. Novo prazo para a Grécia: sexta-feira. Fim do resumo.
Falta referir o novo ministro das Finanças: “Saca Lotos”. Parece que os gregos ainda confiam na sorte.
Tsipras chama “criminoso” ao FMI. Juncker responde: “não quero saber do governo grego”. Há muito tempo que não se ouvia uma troca de palavras tão azeda. Lembrei-me do “Russians”, de Sting: “Mister Krushchev said, ‘We will bury you’” e “Mister Reagan says, ‘We will protect you’”. Diz Sting, que não subscreve estes pontos de vista. “Russians”, a canção que nos assustava na RTP, falava sobre a Guerra Fria. A Rússia é o próximo destino do primeiro-ministro grego. Não há coincidências.
Nesta guerra fria, o presidente da Comissão Europeia diz que não quer saber do governo, mas quer saber do povo da Grécia. E o que diz o povo da Grécia? Diz que:
- Quer ficar no Euro
- Prefere um mau acordo, a um incumprimento que leve à saída
- Concorda com a estratégia de negociação do governo
- Quer o Syria no governo
O povo grego quer sol na eira e chuva no nabal? Quer. Acha que vai conseguir? Não, mas quer tentar. É uma incoerência? É. Resulta do desespero.