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O que é que aconteceu ao carro do Fernando? Um SUV: todo inchado, todo jeitoso. O Fernando também andava todo inchado, com o SUV. Bem bonito, por sinal. A arrancar dores, aos cotovelos, e espanto, às sobrancelhas. O SUV era o corolário de uma vida de trabalho e de empenho. Brinquei com ele: "Estás a SUVir na vida!" Sorriu, orgulhoso. Conheci o Fernando, andava, ele, num carrito italiano amachucado, que herdara do pai. Mais tarde, o Fernando conseguiu comprar uma carrinha, com espaço para albergar as três crianças que, entretanto, lhe foram florescendo. O Fernando deve ter tido mais carros, mas estive vários anos sem o ver e, quando o reencontrei, tinha acabado de comprar o SUV.
Pergunto ao Fernando, que passa, notícias do SUV. O Fernando, do SUV, teve um AVC. A sigla é menos jeitosa, é certo. Mas ele, aparentemente, está mais jeitoso. Dizem-lhe que está mais novo, que está mais leve, desde que deixou o SUV, pesadão, na garagem. Vejo, agora, o Fernando, a seguir caminho, rua abaixo, de mochila às costas. Também acho que nunca o tinha visto tão novo, nem tão inchado.
De peito cheio e olhos a cintilar, o senhor Lemos e a dona Conceição mostram-nos o carro novo. É um SUV alemão, de vários milhares de Euros. Marca a venda do negócio e a chegada da reforma. O corolário de uma vida, inteira, de trabalho e sacrifício. O SUV irá levá-los à terra, com todo o conforto; e ao Algarve, com todo o estilo. Uma vida, inteira, num carro alemão. Arrisco a pergunta, retórica: "Ainda estiveram uns anos fora, não foi?" "Sim", responde o senhor Lemos, "estivemos 11 anos em França". "E, antes disso", acrescenta a dona Conceição, "estivemos 11 anos em Lisboa". "Que engraçado", digo,"11 anos, em cada lado". Afinal, penso, a vida pode ser como no futebol. São 11 contra 11. No final, ganha a Alemanha.