Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
Faltava o frente a frente, o cara a cara, o "Mano a mano". Finalmente, vi (e, sobretudo, ouvi) o Salvador Sobral ao vivo. Confirma-se, é um dos melhores artistas portugueses, de que tenho memória: cantor, músico, "entertainer", intérprete, criador, compositor. Tanto talento, num jovem que se estreou num concurso de marionetes e se tornou conhecido no Festival da Canção. Salvador tem música no coração e tem música à flor da pele. Respira música: expira-nos música e, com isso, inspira-nos vida.
Obrigado Salvador: por nos mostrares que o mundo pode ser melhor.
Obrigado Eurovisão: por nos mostrares que o mundo é o que é.
Fiquei muito feliz, com a vitória do Salvador. Muita gente se perguntou: porque é que a canção ganhou? Boa pergunta.
A canção ganhou, porque tudo se conjugou na perfeição: voz, interpretação, letra, melodia e arranjo. Mas isso não chega. Some-se então dois irmão (amem-se os dois!): cumplicidade, ternura, formação musical, cultura, intuição, discurso, domínio de línguas - do português e do inglês. E ainda o contexto: a Eurovisão é luz e cor; fogo e artifício; silicon e botox; maquilhagem e tatuagem; peito e glúteos; dança e movimento; canto e grito. Os manos Sobral foram a antítese disto tudo. Uma canção singela, em português; num festival histriónico, de mau inglês. E, depois, é difícil não gostar do Salvador: pela sua história (clínica, inclusivé); pela sua postura; pela sua imprevisibilidade; pela sua maluquice. Mas, também, pela forma (maravilhosa) como canta e se entrega.
O Tozé Brito disse, ontem, na RTP (e há muito mérito da RTP nesta vitória!), que este momento é único e irrepetível. Eu acho que sim. Porque é impossível repetir esta conjugação. Ou seja, é preciso aprender com esta vitória, para inventar tudo de novo. Quando se diz, de uma banda, que são os novos Beatles é porque não são. Porque nem os membros dos Beatles conseguiram ser os novos Beatles. Faltavam, sempre, os outros.
PS: Roubei o título deste texto ao livro de Rui Zink: "A Realidade Agora a Cores". É que, às vezes, anda tudo a ver a preto e branco. E o festival já é a cores desde o tempo do "Grande, grande amor" do José Cid.
Tinha pensado em escrever sobre o Festival da Canção. Mas mudei de ideias, por causa do Salvador. Dizia ele que, talvez, as pessoas também gostem de alguma calma, de algum espaço. Algumas das canções da primeira eliminatória do Festival sofrem do problema de costume: muita orquestração supérflua, muito gente a cantar alto, muita pompa sem circunstância. O Festival, pensa-se, é um espetáculo de luz e cor. E, portanto, quanto mais, melhor. E depois, chega o Salvador - o mano da Luísa: desajeitado, desalinhado, desajustado. E passa a eliminatória, porque canta bem, e tem uma boa canção.
Toda a gente tem uma ideia sobre como é que devia ser o Festival : mas nenhuma é igual à do vizinho. Uns acham que deve ser moderno; outros acham que deve respeitar a tradição. Uns acham que importa ter “grandes vozes”; outros acham que o que importa é a canção.
Talvez Salvador não tenha opinião. Ficamos com a ideia que não. Ele só quer cantar uma boa música. E, com isso, salvou o Festival.