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Há 20 anos, Agnetha Fältskog, dos ABBA, editou o disco "My colouring book". O título remete para os livros de colorir, da infância. O disco remete para as canções e os cantores que Agnetha ouviu na infância e que lhe moldaram o gosto. Encontramos, aqui, "crooners" dos anos 50, pioneiros do rock and roll e estrelas da pop dos anos 60. E canções de um tempo em que os autores não eram, necessariamente, os intérpretes. Em que as canções eram partilhadas por diferentes cantores. Em que as canções viajavam entre países, eram traduzidas, recebiam letras novas ou arranjos novos para se adaptarem aos intérpretes - por vezes, tão diferentes, que pareciam canções novas.
E é, assim, que encontramos "Fly me to the moon", em ritmo bossa nova, numa versão mais próxima de Julie London do que de Franka Sinatra. Ou "Love me with all of your heart", original dos cubanos Los Hermanos Rigual, que Agnetha canta num registo próximo da versão de Petula Clark , mas que a generalidade dos portugueses conhece na voz de Marco Paulo (Sempre que brilha o sol naquela praia... sinto o teu corpo vibrar dentro de mim...). E é, assim, que ouvimos "What now my love", canção de Gilbert Bécaud que tem dezenas de versões (não estou a exagerar) e que o mundo anglófilo conhece nas vozes de Shirley Bassey, Sinatra (ele, de novo) ou Elvis Presley. Grande parte dos arranjos de "My colouring book", são típicos da época das canções. Mas, na última canção ("What now my love", precisamente), a sonoridade é mais contemporânea. Ao ponto de ter procurado a ficha técnica, pensando que iria encontrar os U2 ou, pelo menos, a dupla Brian Eno / Daniel Lanois.
Infelizmente, o mundo, sempre atento a mais uma compilação dos ABBA, não reparou em "My colouring book". Mais um disco perdido. Mas pronto para ser descoberto.
Esta foi, talvez, a canção que mais vezes ouvi dos Pogues. Não é um hino, como "Dirty Old Town". Não provoca a exaltação de "Fiesta". Nem nos visita, todos os natais, como "Fairytale of New York" - o "Last Christmas" dos "alternativos". "Summer In Siam" combinava com o meu verão de 1990. Alimentou o meu imaginário, com um cenário de bar de hotel decadente, num oriente longínquo. Na rádio, com o seu piano elegante, a percussão subtil e o saxofone envolvente (credo, tantos clichés!), era a canção ideal para eu passar do Godinho à Aretha Franklin, do Caetano ao Marvin Gaye, do Nick Cave ao Sakamoto. Que canção! Ontem - depois de ter sido conhecida a notícia da morte de Shane MacGowan - celebrou-se a música celta, o espírito punk , a rebeldia e, também, a embriaguez (que sempre me deixou triste). Sim, percebo a homenagem. Mas, a mim, apeteceu-me recato. Apeteceu-me casa. Apeteceu-me "Summer in Siam".
A questão é identitária: como ser alemão, depois do nazismo e da destruição da Alemanha, no final da Segunda Guerra Mundial? Qualquer afirmação identitária, no final dos anos 60, fazia soar o alarme e ressuscitar fantasmas. De resto, ainda faz. O livro de Uwe Schütte sobre os Kraftwerk fala, abundantemente, sobre o assunto. Nascidos na Alemanha Ocidental, na cidade Düsseldorf, em plena região industrial do Reno-Ruhr, os Kraftwerk queriam fazer um tipo de música que se inspirasse e refletisse a cultura alemã. Começaram por negar todos os clichês da música pop-rock anglo-americana: os cabelos compridos, as calças de ganga, os casacos de cabedal, as poses "sexy", as guitarras. De seguida, assumiram a ideia estereotipada dos alemães: frios, disciplinados, eficientes, burocráticos. Visualmente, pareciam cientistas ou engenheiros ou académicos ou gestores. Definiram-se - não como artistas ou músicos - mas, como "trabalhadores". Era tudo tão exagerado, que alguns perceberam logo que havia um lado profundamente irónico e subversivo. Outros não perceberam, ou demoraram mais tempo a perceber. Exploraram temas relacionados com a ciência e a tecnologia, desenvolvendo (e personificando) a relação homem/máquina. E fizeram-no, buscando inspiração em várias referências artísticas alemãs, da República de Weimar: do cinema, da fotografia, do design ou da arquitetura. No fundo, defende Uwe Schütte, os Kraftwerk foram buscar muitas das ideias de futuro, nesse passado: fosse no cinema de Fritz Lang, ou no design da Bauhaus. Essa opção artística ajuda-nos a perceber porque é que, ao fim de mais de 50 anos, ainda faz sentido um livro com este título "Kraftwerk: Future Music from Germany". Porque é que os Kratfwerk ainda são futuro.
Esta manhã, fez uma chamada para a corresponde em Londres.
A seguir, passou este "London Calling".
Só para chamar a atenção. Está toda gaiteira, a minha rádio.
Sinéad O'Connor morreu. Como muita gente, fui (re)ouvir "Nothing Compares 2 U". E gostei muito. Gostei menos da forma como muitos reduziram a sua carreira a essa canção, salientando que era de Prince. Sejamos francos: só conhecemos "Nothing Compares 2 U", por causa de Sinéad O'Connor. Ninguém conhecia a canção de Prince antes dela a ter cantado, poucos a conheceram depois. E é, apenas, uma - entre muitas - de Prince. O disco que acolhia "Nothing Compares 2 U" ("I Do Not Want What I Haven't Got ") foi um sucesso, mas não era um disco fácil. De resto, Sinéad nunca foi fácil - razão pela qual muitos desistiram dela. Estou entre esses, infelizmente. Voei para outras paragens, enquanto ela se afundava na sua própria cabeça: tão bonita por fora, tão atormentada por dentro.
Ele há coincidências! Estava eu a ouvir este disco e a escrever este texto, quando fui alertado para o regresso, ao vivo, dos LX-90. Foi, ontem, no festival Super Rock.
Música aqui:
https://www.youtube.com/watch?v=onb_SyCSQ_0&list=OLAK5uy_njAvmQwsu3-oW19jwNzQRFcQCs2iNCOMw&index=6
Ter uma obra-prima é uma bênção, mas, também, pode ser uma maldição. Estrear-se com uma obra-prima, pode acabar por ofuscar uma carreira. Foi o caso dos ABC, com "The Lexicon of Love". A obra-prima transformou-se numa filha-da-mãe. O disco seguinte "Beauty Stab" - (ainda) mais David Bowie e Roxy Music - passou tão despercebido, que se perdeu. Os ABC têm passado grande parte da sua carreira à procura de um novo "The Lexicon of Love", da atenção do público e de si próprios. Por vezes, estiveram perto. Mas, nunca mais acertaram em cheio. Que pena! Esta mistura de Clash com Chic, de Bowie com Smokey Robinson, foi tentada (e conseguida) por outras bandas da altura. Os Duran Duran, por exemplo, conseguiram-no com mais sucesso comercial. Mas ninguém fez tão bem a ponte entre o "glam", o "punk", o "disco" e a "blue eyed soul", como os ABC.