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Humorista, Ricardo Araújo Pereira gosta de fazer rir as pessoas, sem lhes tocar. O humor, defende, deve ter a capacidade de provocar uma reação física involuntária, usando, apenas, palavras. Na rádio, usamos muitas referências visuais. Dizemos "pintar uma reportagem", "tirar retratos", "fazer o filme", "levar ao local". A rádio cria imagens. É os olhos do ouvinte. A televisão também faz isso? Claro que sim, mas usa imagens. Que é como fazer rir, fazendo cócegas.
"Se queriam jogar ténis ou padel", diz Santana na televisão, "tinham de vir para a cidade, p'ro meio da 'quecaria'". Santana justifica a dívida deixada na autarquia da Figueira da Foz, com os investimentos nas freguesias rurais.
"Quecaria" (nem sei se é assim que se escreve!). "Quecaria". Onde é que será que Santana aprendeu a palavra? Não foi, certamente, com os meninos da Lapa (é demasiado cidade). Já sei, só pode ter sido com a "fricalhada" da Quinta da Marinha.
Melhor do que pobre e feio, é ser bonito e rico. É o caso de David Walliams, famoso pelos namoros com modelos, pelos programas de talentos, pelas revistas sociais. David é uma espécie de Ricardo Araújo Pereira: só que mais rico, mais elegante, mais famoso, mais popular, mais talentoso. O comediante genial de "Little Britain" é, também, um escritor de livros infantojuvenis. E é nessa qualidade, que é apreciado aqui em casa. David não escolheu o caminho mais fácil: no primeiro livro, aborda questões de género; no segundo, a amizade entre uma criança e um sem-abrigo, num outro um velho com demência. Em vários, foca a relação especial que pode existir entre os mais novos e os mais velhos, com uma graça e uma ternura invulgares. Não são os temas mais habituais, no universo da literatura infantil. Temas que ele aborda, de forma, simultaneamente, desconcertante e divertida.
O corpo de Mário Soares vai ser enterrado, hoje, no Cemitério dos Prazeres. O cemitério tem um nome adequado, para um homem dado aos prazeres. Soares tinha muitos, além da política: conversar, dormir, comer, fumar, beber, ler, escrever, nadar, viajar, vestir, descalçar. E não os escondia, pelo contrário. Ricardo Araújo Pereira, no Governo Sombra, destacou que o jovem Mário, então militante comunista, não queria ir para a clandestinidade, porque queria namorar e conhecer gajas.
O programa, emitido no dia da morte do ex-presidente, foi das melhores conversas à volta de Soares. Porque se falou de um homem com todas as virtudes e defeitos. Ressalvando que alguns defeitos foram também as suas virtudes. Foi também uma conversa jovem e arejada. É bom ter os mais velhos a falar de Soares. Mas, quando se tem, apenas, os mais velhos, acaba por transpirar uma ideia de passado - que não combinada com alguém que se candidatou à Presidência da República depois dos 80 anos e que, de seguida, promoveu uma solução de esquerda, semelhante à que está em vigor neste momento.
Portanto, Soares morreu. Mas ainda está presente. O seu corpo será enterrado no Cemitério dos Prazeres. Os seus prazeres poderão, no entanto, andar por aí… à solta. Saibamos honrá-los.
Esta capa do jornal i lembrou-me uma crónica de Ricardo Araújo Pereira. Diz o i: “PS só revela acordo quando a queda do governo estiver eminente”. Cito (de cor) Araújo Pereira (esse mestre da ciência política): “mas o ponto não é esse. O ponto não é esse. O ponto só eu e o Pacheco Pereira é que sabemos. E, mesmo assim, não dizemos nada a ninguém”. Ricardo antecipou António Costa e o acordo de esquerda. A coligação ganhou, mas esse não é o ponto. A alternativa existe, mas não dizemos nada a ninguém.
Eu sou espectador da Quadratura do Círculo. Muitas vezes, as questões de Carlos Andrade são respondidas com um “ó Carlos, eu já lhe respondo, mas…” ou “eu percebo a sua curiosidade, mas deixe-me dizer-lhe o seguinte”... - que, geralmente, são formas de não responder. Outra expressão recorrente é “O ponto não é esse” - utilizada, sobretudo, por Pacheco Pereira e glosada pelo humorista. O “e, mesmo assim, não dizemos nada a ninguém” aplica-se, agora, a António Costa, que deixou a “Quadratura” e entrou para a "Casa dos Segredos".
Herman regressa hoje ao humor. E, ainda por cima, com Maria Rueff. Juntos, trazem de volta uma dupla hilariante: Nelo e Idália. Ela cita existencialistas franceses; ele cantores pimpa. Ela domina a língua portuguesa; ele não domina nenhuma. Nem a sua. Por isso, diz coisas como “paletes de gajas” ou “apertar o círculo”. Ela cerra os punhos para se conter, ele abana a carteira de mão. Ela só pensa nele; ele só pensa no Zé Carlos. Triste e hilariante, ao mesmo tempo.
Nelo e Idália é das melhores criações do humor em Portugal. Nasceram num talk show e agora ganham espaço próprio. Estou entusiasmado. Sempre me pareceu um enorme desperdício ter o grande humorista a fazer concursos e talk shows e a melhor actriz de comédia fora da televisão. A direcção da RTP percebeu isso. Ainda bem. Oxalá o programa resulte.
Com os Gato Fedorento de volta para o exílio e Marcelo fora da TVI, haja alguém que nos traga alegria.
Marcelo Rebelo de Sousa apresentou-se como candidato a Presidente, na sexta, e despediu-se como comentador da TVI, no domingo. A TVI fez-lhe uma festa, com pessoas que se cruzaram com ele na estação. José Alberto Carvalho descreveu o momento como “pouco ortodoxo” e jornais como o Público e o Expresso deram uso à expressão.
Na forma, a opção pode não ter sido ortodoxa. Mas, na substância, foi. Aliás, o problema do "fenómeno" Marcelo foi esse. A imagem de comentador ousado, manipulador e traquina foi dando lugar a um Marcelo mais institucional. Durante o espaço de comentário na televisão, os seus interlocutores desistiam de ser jornalistas e passavam a ser seus alunos. Até na forma como se tratavam: ele era sempre o “Professor”, eles eram o “Zé Alberto”, a “Júdite" e o “Juca”.
É pena, Marcelo (e nós) merecíamos mais acutilância. Ricardo Araújo Pereira conseguiu ter alguma, Maria Flor Pedroso também. Mas esses não estiveram na festa. O Marcelo brilhante, controverso, parcial, excêntrico, conspirador, contraditório também não foi. Ficou na (excelente) biografia de Vítor Matos. O da despedida da TVI foi apenas “ortodoxo”.