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Antes, durante e depois da revolução. A saga de uma família, ou de um país? Ou de vários países, dentro de um mesmo país? Esse país, ainda existe?
"Revolução", de Hugo Gonçalves, conta a história de três filhos, muito diferentes entre si. A mais velha, militante do PCP, foi presa pela PIDE. Abandona o PCP, para se radicalizar, à esquerda. A irmã tem um perfil conservador, que parece conviver melhor com o salazarismo, do que com os tempos conturbados do PREC. O mais novo vive num mundo interior e hedonista, com contactos esporádicos com a irrealidade daqueles anos. Os três são filhos de uma mulher, aparentemente conservadora, outrora mãe solteira, que ascende socialmente pelo trabalho e pelo casamento com um homem de hábitos aristocratas e sobrenome estrangeiro. "Storm" é um nome que antecipa a tempestade perfeita, num país prestes a rebentar - pelas costuras e pelas bombas da extrema-esquerda, das Brigadas Revolucionárias, e da extrema-direita do ELP - Exército de Libertação de Portugal.
Confesso que, ao fim das primeiras páginas, dei por mim a desejar mais literatura e menos Hollywood. A linguagem, o ritmo, a estrutura narrativa - com vários coisas a acontecer ao mesmo tempo e "flashbacks" e "fast fowards" - começavam a irritar-me. Afinal, queria ler um livro. Não queria ver um filme, nem uma série. Acabei a ler um país: trágico, cómico, violento, complexo, contraditório. Um país que continuo a descobrir. Que permanece por descobrir.
“E Ceausescu pede Amália”, escreve Miguel Carvalho em “Amália - Ditadura e Revolução”. Em 1975, o presidente da Roménia comunista estava de visita ao Portugal do PREC e pediu para ouvir a cantora que, por essa altura, em Portugal, era chamada de “fascista” ou “princesa da PIDE”. Antes de ser adoptada pelo Estado Novo como produto de exportação, Amália (como o fado, em geral) tinha sido alvo da sobranceria dos intelectuais do salazarismo. Com o 25 de Abril, voltou a sofrer do mesmo tipo de discriminação. Agora da bancada contrária.
Amália não precisou do 25 de Abril para atravessar a cortina de ferro. Em 1969, esteve, inclusivamente, na capital do império vermelho. Também não precisou do 25 de Abril para cantar as melodias de Alain Oulman, e a poesia de Ary dos Santos, David Mourão-Ferreira ou Manuel Alegre. Fê-lo sem olhar às convicções políticas de quem a rodeava, e isso nem sempre lhe foi reconhecido.
A perseguição política que lhe fizeram, depois do 25 de Abril, foi tão absurda como a apropriação que lhe tentaram fazer, durante o Estado Novo e, mais tarde, durante a consolidação da democracia. Amália nem sempre terá sido hábil na gestão do seu relacionamento com os poderes políticos, mas foi sempre muito hábil na gestão da sua carreira artística. E foi pelo meio artístico que foi sendo resgatada. Não pelos artistas de antigamente, mas pelos novos artistas emergentes de então: António Variações ou Carlos Paião, primeiro; Madredeus ou Dulce Pontes, mais tarde.
“Amália - Ditadura e Revolução” é um contributo rigoroso para conhecermos Amália, no contexto social e político em que a sua carreira se desenvolveu. Mas é, também, um contributo extraordinário para nos reconhecermos a nós próprios: enquanto indivíduos e enquanto portugueses.