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"Nem a alegria da pobreza", nem a elegia da riqueza. Germano Silva - o decano dos jornalistas - apresentou-se no programa "Primeira pessoa", de gola alta. Quando era criança, Germano queria ter uma camisola de gola alta. Pedia uma camisola de gola alta, ao menino Jesus. Mas, o menino Jesus nunca lhe trouxe uma camisola de gola alta. Germano achava que talvez fosse porque ele vivia numa casa muito, muito pobre. Não há alegria na pobreza. Pior, há um sentimento de culpa, que é triste. Muito triste. Porque os pobres - que já não bastava serem pobres - ainda tinham de pedir desculpa, por serem pobres, e carregar a culpa de serem pobres. Depois de ter sido várias coisas, Germano tornou-se jornalista e deixou de ser pobre, sem passar a ser rico. Germano tem dinheiro, para uma camisola de gola alta. "Agora tenho", diz ele, a atirar um sorriso à Fátima Campos Ferreira. Ao mesmo tempo, fala de "memórias gratificantes" da sua infância, pobre, em várias ilhas do Porto. Estive a rever o programa (que maravilha!). Fiquei mais rico.
Quando fez 60 anos, a norte, a minha RTP escreveu o nome dos seus trabalhadores na parede. O meu nome está lá. E não está só, está bem acompanhado. Tenho orgulho de ter o meu nome escrito naquela parede, no local onde trabalhei quase 8 anos. Vou continuar a trabalhar na Rádio e Televisão de Portugal, apenas mais longe desta parede. Portanto, não há motivo para dramas. Eu é que sou um lamechas, agarrado às pessoas e aos locais onde habito. Onde tenho habitado. Trabalhado. Se pensar bem, a minha casa continua a ser a mesma - a Rádio Pública - só mudo de turma. Já nos encontramos, no recreio. Até já.
https://www.rtp.pt/noticias/cultura/uma-casa-para-eugenio_a1461353
Portugal é um país grande e pequeno, ao mesmo tempo. Isso, deixa-nos confusos. Às vezes, queixamo-nos da nossa pequenez: somos mais pequenos do que uma cidade americana ou asiática. Outras vezes, somos muito grandes: é, por isso, que é tudo muito longe. Essa dualidade reflete-se em discussões como a localização do novo aeroporto de Lisboa ou a colocação de médicos e professores no "interior" (no fundo, tudo o que seja a mais de 50 km da costa). Portugal é um país muito centralista. O conceito está interiorizado, mesmo naqueles que têm um discurso descentralizador.
Trabalho numa empresa que tem Portugal no nome. Que tem muitas das qualidades e defeitos dos portugueses. Mas, que faz um esforço (nem sempre conseguido, reconheça-se) para descentralizar. É, por isso, que tem vários jornalistas espalhados pelo país. Para que possam relatar os factos da região onde estão. Mas que possam, devam e reportem realidades de outras regiões ou outros países. E fazem-no, frequentemente. São jornalistas, de corpo inteiro.
Ontem, por razões técnicas e logísticas, os noticiários da Antena 3 foram emitidos a partir de Coimbra. Haverá quem ache isso extraordinário e quem ache que isso não é assunto. Por mim, acho graça que o tipo de Aveiro - que, habitualmente, trabalha a partir do Porto - vá ali, a Coimbra, fazer uns noticiários para todo o país (para todo o mundo) numa emissão que, habitualmente, é feita em Lisboa. Pequeno e grande, ao mesmo tempo.
"Na boca da barra e mesmo defronte / Daquela janela virada pr'ó mar". Lembrei-me do Tristão, neste dia feliz.
Tem 90 anos de idade; 65 de jornalismo; mais de 30 como cronista, no Jornal de Notícias. Oficialmente, Germano Silva reformou-se em 1996. Mas, sabemos que é, apenas, "oficialmente". Desde que se "reformou", editou mais de 20 livros. O mais recente chama-se"Porto: As Histórias que Faltavam". No prefácio, o jornalista Miguel Carvalho avisa: "E nós, se não arrepiarmos caminho para acompanhar a passada do Germano pelo Porto – e em nome do Porto –, é que ficaremos para trás." Hoje, depois da uma da tarde, na Antena 1, vou tentar acompanhar a passada do Germano. A questão não é se vou, ou não, ficar para trás. Mas antes, quanto tempo é que eu vou conseguir acompanhar o Germano antes de, inevitavelmente, ficar para trás.
Chegámos ao Porto, plenos de excitação. Íamos ver o Nick Cave, ao vivo. O Carlos veio-nos esperar de carro. "Podemos pôr uma musiquinha?", perguntou ele, "não tenho é Nick Cave, em cassete". Nesse tempo, copiavam-se os discos de vinil, que tínhamos em casa; para cassetes, para ouvir no carro. Os que tinham carro, claro. O Carlos roda a chave e um solo de sax, meloso, espalha-se pelo interior do Uno. Franzo o sobrolho. "Foi o mais parecido que encontrei". Reconheço a voz rouca de Leonard Cohen e continuo a estranhar o paralelismo. Naquela altura, para mim, Cohen era uma velha glória dos anos 60, que estava a envelhecer de uma forma duvidosa, como tantos outros da sua geração. Mesmo assim, o Carlos insistia: "acompanhem-me no refrão" e o Unu, em uníssimo, passou a gritar "There ain't no cure / There ain't no cure / There ain't no cure for love". O Uno, de vidros abertos, a serpentear pelas ruas da baixa. O Uno a espalhar amor e música e poesia e tabaco, pela cidade do Porto. Depois, entrámos no Coliseu para ver e ouvir o nosso herói. Mas, Leonard Cohen não me saía da cabeça. Ao ponto de achar, na altura, que também estava na cabeça de Nick Cave. De resto, continuo a achar.