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A minha rádio anda a passar canções da Kim Wilde. Que maravilha. A Kim é uma velha paixão, de quando eu era novo, muito novo. Era gira, loira, fresca, jovem, moderna, elegante, sensual. Adorei a energia de “Kids In America”. Parecia ser feita para miúdos como eu, apesar de eu não ser americano (com muita pena minha). Mas, gostei (ainda) mais de “Cambodia”: uma canção mais moderna e muito mais exótica. O vídeo (o "teledisco", como então se dizia) expandia o exotismo da canção (como os Duran Duran, nos vídeos de "Rio") e Kim estava (ainda) mais gira. Eu tinha uma paixão pela Kim Wild e tinha um plano (infalível) para a conquistar. Sim, eu era uma criança. Mas iria crescer e ser giro como o John Taylor dos Duran Duran. Infalível.
E, agora, a parte inesperada: eu e a Kim não chegámos casar. Eu sei, é difícil acreditar. Eu, próprio, não consigo encontrar uma explicação.
Há 20 anos, Agnetha Fältskog, dos ABBA, editou o disco "My colouring book". O título remete para os livros de colorir, da infância. O disco remete para as canções e os cantores que Agnetha ouviu na infância e que lhe moldaram o gosto. Encontramos, aqui, "crooners" dos anos 50, pioneiros do rock and roll e estrelas da pop dos anos 60. E canções de um tempo em que os autores não eram, necessariamente, os intérpretes. Em que as canções eram partilhadas por diferentes cantores. Em que as canções viajavam entre países, eram traduzidas, recebiam letras novas ou arranjos novos para se adaptarem aos intérpretes - por vezes, tão diferentes, que pareciam canções novas.
E é, assim, que encontramos "Fly me to the moon", em ritmo bossa nova, numa versão mais próxima de Julie London do que de Franka Sinatra. Ou "Love me with all of your heart", original dos cubanos Los Hermanos Rigual, que Agnetha canta num registo próximo da versão de Petula Clark , mas que a generalidade dos portugueses conhece na voz de Marco Paulo (Sempre que brilha o sol naquela praia... sinto o teu corpo vibrar dentro de mim...). E é, assim, que ouvimos "What now my love", canção de Gilbert Bécaud que tem dezenas de versões (não estou a exagerar) e que o mundo anglófilo conhece nas vozes de Shirley Bassey, Sinatra (ele, de novo) ou Elvis Presley. Grande parte dos arranjos de "My colouring book", são típicos da época das canções. Mas, na última canção ("What now my love", precisamente), a sonoridade é mais contemporânea. Ao ponto de ter procurado a ficha técnica, pensando que iria encontrar os U2 ou, pelo menos, a dupla Brian Eno / Daniel Lanois.
Infelizmente, o mundo, sempre atento a mais uma compilação dos ABBA, não reparou em "My colouring book". Mais um disco perdido. Mas pronto para ser descoberto.
Casa de banho masculina, no museu dos ABBA, em Estocolmo.
É coisa de homem.
Este disco custou-me 1 650 escudos. Pouco mais de 8 euros, há mais de 30 anos. Uma fortuna, portanto. Nessa altura, a rádio não me pagava um salário - dava-me uma mesada, que eu trocava por joalharia rara. Neste caso, guitarras de filigrana; canções artesanais, sussurradas na voz e cosidas à mão. Imperfeitas. Rarefeitas. Três, de cada lado. Meia hora de música, apenas. Tempo que eu multiplicava, trocando de lado, tocando até à exaustão.
Em menos de 10 anos, os Felt editaram 10 discos. Uns, mais parecidos com os outros. Outros, mais diferentes dos outros. Todos bons. Este foi o primeiro deles. E foi, também, o meu primeiro. Raro, caro. E precioso, claro!
Música, aqui:
- Ó pai, o "Quebra-Nozes" é um bocado música clássica para crianças. Não é?
- É.
- Então, esta música é um bocado Tchaikovsky para jovens. Não é?
- Para jovens como tu ou como eu?
- Como eu, pai.
- Ai sim?
- Sim, tu já és um jovem um bocado cota.
A questão é identitária: como ser alemão, depois do nazismo e da destruição da Alemanha, no final da Segunda Guerra Mundial? Qualquer afirmação identitária, no final dos anos 60, fazia soar o alarme e ressuscitar fantasmas. De resto, ainda faz. O livro de Uwe Schütte sobre os Kraftwerk fala, abundantemente, sobre o assunto. Nascidos na Alemanha Ocidental, na cidade Düsseldorf, em plena região industrial do Reno-Ruhr, os Kraftwerk queriam fazer um tipo de música que se inspirasse e refletisse a cultura alemã. Começaram por negar todos os clichês da música pop-rock anglo-americana: os cabelos compridos, as calças de ganga, os casacos de cabedal, as poses "sexy", as guitarras. De seguida, assumiram a ideia estereotipada dos alemães: frios, disciplinados, eficientes, burocráticos. Visualmente, pareciam cientistas ou engenheiros ou académicos ou gestores. Definiram-se - não como artistas ou músicos - mas, como "trabalhadores". Era tudo tão exagerado, que alguns perceberam logo que havia um lado profundamente irónico e subversivo. Outros não perceberam, ou demoraram mais tempo a perceber. Exploraram temas relacionados com a ciência e a tecnologia, desenvolvendo (e personificando) a relação homem/máquina. E fizeram-no, buscando inspiração em várias referências artísticas alemãs, da República de Weimar: do cinema, da fotografia, do design ou da arquitetura. No fundo, defende Uwe Schütte, os Kraftwerk foram buscar muitas das ideias de futuro, nesse passado: fosse no cinema de Fritz Lang, ou no design da Bauhaus. Essa opção artística ajuda-nos a perceber porque é que, ao fim de mais de 50 anos, ainda faz sentido um livro com este título "Kraftwerk: Future Music from Germany". Porque é que os Kratfwerk ainda são futuro.