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Joe Jackson é um artista surpreendente. Começou na ressaca do punk, com uma mistura de pop, rock e reggae. Uma receita que o colocou perto de Elvis Costello ou dos Police. Ao quarto disco, porém, Joe Jackson deixou toda a gente de boca aberta, ao abordar standards do jazz e do swing, em "Jumpin' Jive". A seguir, numa altura em que as guitarras dominavam a pop britânica alternativa, manteve um certo tom "jazzy" e mergulhou na soul, no funk e na música latina. E, depois, na música clássica e contemporânea, novamente no jazz, e, mais tarde, regressou às guitarras. É difícil desenhar-lhe o percurso. Porque não é uma estrada. É mais o organograma exibido neste "Best of", de 1990. Com um organograma destes, voto em Joe Jackson para empregado do mês.
Stromae. O nome é um anagrama da palavra "maestro". "Maestro" tem dois significados distintos, mas interligados: compositor (de música) e regente (de um grupo de músicos). A palavra "maestro", por sua vez, vem da palavra latina "magister", que está, também, na origem da palavra "mestre". Dá para antever, Stromae é mais do que um cantor pop - é todo um programa.
Com, apenas, dois discos, Stromae tornou-se uma grande estrela no mundo francófono. A sua fama alastrou-se, depois, a outros territórios: europeus, africanos e americanos. Foi por essa altura que Stromae teve uma reação, grave, a um medicamento contra a malária, a que se seguir uma depressão, prolongada. O regresso, passados quase 10 anos, parte desse inferno pelo qual passou. A canção "L’enfer", o videoclip e a estratégia de marketing (com uma entrevista jornalística a desaguar numa atuação para a televisão) são perturbadores. Mas já tinha sido assim quando questionou o mundo do trabalho e do dinheiro com "Alors on danse", ou quando simulou uma estrela pop embriagada em "Formidable".
Stromae é um artista transversal. É um poeta, um compositor, um produtor, um esteta. Não lhe bastam as canções (mesmo que elas se bastem por si), pensa na forma como as veste: em videoclips cuidados, em eventos mediáticos, em apresentações ao vivo pensados ao pormenor: cenário, luz, som, coreografia, guarda-roupa. E, sim, ele também tem preocupação como o que veste: tanto que tem uma linha de moda (a "Mosaert" - mais um anagrama, este lembra Mozart). Stromae é maestro e mestre, em várias artes. É um dos artistas mais estimulantes da atualidade. O disco "Multitude" é uma obra-prima.
O Charles Michael foi reeleito presidente do Conselho Europeu. Fico muito contente. Gosto dele. Desde o tempo dos Wham!
"Onde estás tu, papá?", canta Stromae em "Papaoutai". "Onde estás tu, papá? Onde é que te escondeste?", pergunta angustiado. A mãe tenta dar-lhe conforto: "Ele não está longe. Foi trabalhar. Sempre é melhor do que estar mal-acompanhado". É impossível não pensar na história do próprio Stromae / Paul Van Haver: filho de mãe belga, orfão do genocídio de 1994, no Ruanda. Mas é, também, difícil não pensar em tantas crianças que, por estes dias, estão a perder os pais (provisória ou definitivamente). "Toda a gente sabe como é que se fazem os bebés", diz Stromae, "Mas ninguém sabe como é que se fazem os papás". Não, não sabe. Desconfio, porém, que se fazem com filhos. Esses, que, agora, estão a separar dos pais.
Chegámos ao Porto, plenos de excitação. Íamos ver o Nick Cave, ao vivo. O Carlos veio-nos esperar de carro. "Podemos pôr uma musiquinha?", perguntou ele, "não tenho é Nick Cave, em cassete". Nesse tempo, copiavam-se os discos de vinil, que tínhamos em casa; para cassetes, para ouvir no carro. Os que tinham carro, claro. O Carlos roda a chave e um solo de sax, meloso, espalha-se pelo interior do Uno. Franzo o sobrolho. "Foi o mais parecido que encontrei". Reconheço a voz rouca de Leonard Cohen e continuo a estranhar o paralelismo. Naquela altura, para mim, Cohen era uma velha glória dos anos 60, que estava a envelhecer de uma forma duvidosa, como tantos outros da sua geração. Mesmo assim, o Carlos insistia: "acompanhem-me no refrão" e o Unu, em uníssimo, passou a gritar "There ain't no cure / There ain't no cure / There ain't no cure for love". O Uno, de vidros abertos, a serpentear pelas ruas da baixa. O Uno a espalhar amor e música e poesia e tabaco, pela cidade do Porto. Depois, entrámos no Coliseu para ver e ouvir o nosso herói. Mas, Leonard Cohen não me saía da cabeça. Ao ponto de achar, na altura, que também estava na cabeça de Nick Cave. De resto, continuo a achar.
Os meus amigos andavam doidos com o Sporting. Com os golos do Jordão e do Manuel Fernandes. Eu bem tentava, mas não conseguia partilhar o entusiasmo.
- Não gostavas de ir ao Estádio de Alvalade? - perguntava-me o João Manuel.
- Claro que sim - respondia.
Punha-me a pensar na viajem, longa; na cidade, esmagadora; no estádio, monumental. Uma aventura, que fazia com que o jogo, em si, me parecesse menos penoso. E, com um bocado de sorte, haveria tremoços e pevides.
- Se calhar, vou com o meu pai. E tu podes vir connosco.
- Uau, isso é que era!
Eu tentava mostrar entusiamo, quando fui surpreendido pelo anúncio: o Júlio Isidro ia trazer os Fischer-Z a Portugal, ao Estádio de Alvalade. Encontrei o João Manuel:
- Olá Jomané, como é que está aquilo de irmos ao Estádio?
- O meu pai diz que está à espera de um jogo que valha a pena.
- Achas que dava para irmos ver os Fischer-Z?
- Quem?
- É uma banda de rock.
- O meu pai gosta é do Jordão!
- Isso é porque nunca viu os Fischer-Z, ao vivo!
Acho que nunca chegou a ver. Nem eu. Mas fui ao Estádio de Alvalade, ver concertos de rock. E, vendo bem, não me importava de ter visto um golo do Jordão, ao vivo. Desde que houvesse tremoços e pevides.
Por estes dias, a minha rádio voltou a passar a canção "Russians", de Sting. A canção marcou o ano de 1985. Estávamos em plena guerra fria, cheios de medo da guerra nuclear. A União Soviética estava em queda livre e Reagen andava com a cabeça nas nuvens. Os Estados Unidos lançaram um programa para impedir uma guerra nuclear, a partir do espaço. Tinha o nome, oficial, de Iniciativa Estratégica de Defesa, mas ficou conhecido, popularmente, como "Guerra da Estrelas". Este nome dava-nos uma ideia de ficção, de uma brincadeira de crianças muito, muito perigosa. "Russians" fala de Reagan, de Khrushchev, de uma guerra "invencível", do brinquedo mortal (bomba atómica) de Oppenheimer, do amor pelas crianças. A canção passava, muitas vezes, antes ou depois do telejornal e dava-nos arrepios. Os mesmos que sinto, por estes dias, em que voltámos a ouvir "Russians", pelas piores razões.
Lembrei-me desta, por causa do dia dos gatos.
- Este gajo não canta nada.
- Não sejas bruto, canta muito bem.
- Achas? Parece um gato assanhado!
- Aquilo é uma técnica.
- Uma técnica, para cantar assim? Não me lixes!
- Sim, muitos cantores usam esta técnica.
- E os gatos também, para chamar as gatas.
Eu ouvi tudo, mas não disse nada. Como gosto de gatos, fiquei caladinho.
Que nem um rato.
É dia dos namorados. Mas, por favor, não se ponham para aí a dizer que gostam de ouvir baladas do Phil Collins. Porque é meloso. Porque é piroso. Façam como eu. Ouçam-nas, mas não digam a ninguém.