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"Desliga a música, esse cantor está a morrer!" A pequena Camila percebeu tudo, antes de nós. David Bowie tinha um novo disco: "Blackstar". Ouvimos (e vimos) os primeiros temas. Que arrepio! Bowie, o eterno experimentador, ensaiava a morte. Sabíamos que estava mal de saúde, mas Bowie nunca foi dado exercícios autobiográficos. Quando editou "Hours", refletiu sobre as consequências do envelhecimento, nomeadamente, nas relações amorosas. Perguntaram-lhe se falava de si próprio. Disse que não. Ele tinha casado, há pouco tempo. Fora pai, recentemente. Não, não era sobre ele. Era, apenas, sobre as pessoas da idade dele. Tinha-se inspirado nas pessoas que o rodeavam. Portanto, não, Camila: o cantor não está a morrer. O cantor teve um problema de saúde - grave, é certo - e, agora, está a falar sobre o assunto. Mas a Camila tinha razão. Soubemos, passados dois ou três dias, que a pequena Camila tinha razão. Bowie escreveu sobre a morte e morreu - como Mozart, no Requiem; como Tchaikovsky, na Sinfonia Patética. E, eu, depois de ter negado a morte iminente, recusei-me a ouvir Blackstar - o derradeiro disco do Bowie - durante quase 10 anos. Ando a ouvi-lo, agora. Nem tudo é morte. Tem negrume, é verdade, mas esse negrume sempre atravessou a sua obra. Gostava, até, de dizer que este disco é de uma enorme vitalidade, mas receio que vos soe a humor negro. "Blackstar" é um ótimo disco, talvez uma obra-prima. Eu sei que vocês sabem disso, há muito. Mas eu, medricas, só lá cheguei agora.
Durante muitos anos, chegava aos músicos mais velhos, através dos músicos mais novos. O Caetano Veloso levou-me até João Gilberto, o Sérgio Godinho a José Afonso, os Duran Duran a David Bowie. Até que passou a ser (também) ao contrário. Por exemplo, foi através de David Bowie que eu ouvi, pela primeira vez os Arcade Fire. De modo que, quando o meu irmão (mais velho) me perguntou "Conheces esta banda?", pude responder "conheci-os na semana passada, o Bowie mostrou-me". Não sei se foi por respeito aos mais velhos, mas a banda ficou-me até hoje.
Ruben Amorim resolveu mudar-se para Manchester. Não percebo o entusiasmo. Assim, de repente, não me ocorre nada de interessante em Manchester.
Este fim de semana, há festival da Eurovisão. Este ano, é na Suécia. A terra dos ABBA. Quero que saibam que o assunto não me diz nabba. Desculpem, nada.
Ontem, foi Dia da Dança. Hoje, é Dia do Jazz. Em vez de estar a fazer dias às pinguinhas, devíamos apostar em grande e fazer tudo num só dia. O Dia da Dança Jazz. Fica a sugestão.
Patti Smith e Robert Mapplethorpe eram tão pobres, tão pobres, que iam, à vez, a museus, galerias ou cinemas. Um entrava, o outro ficava à porta, à espera. O primeiro tinha como missão contar o que viu, ao segundo. A capacidade de chegar ao objeto artístico, dependia da capacidade do primeiro contar o que viu; e do segundo de imaginar o que o primeiro teve oportunidade de ver. Patti conta esta história (e muitas outras) no livro "Apenas Miúdos". Fiquei muito sensibilizado pela história. Porque revela cumplicidade, generosidade, partilha. Porque me lembro de fazermos isso, em casa: por falta de dinheiro, de tempo, de idade. Porque me lembro de conseguir ver filmes, museus, cidades, concertos, nas palavras dos meus irmãos ou dos meus amigos. Porque tenho pena que, cada vez mais, se insista em mostrar tudo, em ver tudo - apenas, para não ver nada.
Os Duran Duran pediram-lhe que produzisse uma canção. Mark Ronson ofereceu-se para produzir um álbum inteiro. Queria oferecer - à banda, aos fãs e a si próprio - um digno sucessor do álbum "Rio". Nessa altura, os Duran Duran já tinham tentado de tudo. Nem sempre, com sucesso. Por vezes, com fracassos gigantescos. Em 2004, depois de reunirem a formação original, editam o álbum "Astronaut". O disco não é grande coisa, mas a digressão foi um sucesso. Infelizmente, o guitarrista Andy Taylor saiu da banda e o álbum seguinte passou (novamente) despercebido. Daí, a importância deste "All you need is know" (um piscar de olho aos Beatles - "All you need is love" - ao passado da prória banda, mas também uma afirmação do presente). É um dos melhores discos dos Duran Duran. Tem músculo (na canção-título), tem dança ("Safe (In the Heat of the Moment)" e "Girl Panic"), tem baladas intimistas ("Leave a Light On") e momentos épicos ("Before the Rain" e "The Man Who Stole a Leopard"). Apesar de terem vários discos menos inspirados, os Duran Duran nunca deixaram de fazer boas canções. A diferença é que, neste disco, abundam as canções excelentes e o disco é bom, do princípio ao fim. Por mim, fica junto aos dois primeiros - como o fã Mark Ronson desejou. E conseguiu.
Sim, este livro tem sexo, drogas e rock and roll. Tem muito de tudo isso. Mas não foi isso, que mais me marcou. Foram outras coisas, como o desejo de ser artista (sem saber, ainda, de que arte) e a ternura entre os dois aspirantes a artista. Este livro é (mesmo!) sobre dois miúdos: os seus gostos, desejos, aspirações, sonhos. E é, sobretudo, sobre a relação entre os dois. Por isso, o maior êxito na carreira de Patti Smith (a canção "Because the night", escrita em parceria com Bruce Springsteen) é despachado em duas linhas. Já uma simples prenda de Robert para Patti pode espreguiçar-se por várias páginas, com descrições pormenorizadas sobre uma camisa em segunda mão, comprada por tuta e meia, numa loja manhosa, mas embrulhada num papel especial e amarrada com uma fita de um tecido raro. Esta ternura é uma espécie de flor, a romper na dureza da selva urbana. "Apenas miúdos" tem a beleza e a dureza das coisas nuas e cruas.