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"Para Carlos Bunga", diz-nos a nossa interlocutora, "a casa é onde nós estamos. E essa casa devia moldar-se a quem vive dentro dela. Sabemos, no entanto, que nós é que temos que o fazer." Carlos Bunga é um artista plástico português. Tem origens africanas, viveu em bairros da lata onde as casas, precárias, são moldadas em função de quem lá vive. Esticam, quando nasce mais um filho ou se recebe uma tia. Encolhem, quando já não é necessário, libertando os materiais para quem deles precisa. Essa experiência terá marcado as obras artísticas de Carlos Bunga, que tem vindo a ocupar alguns dos maiores museus do mundo, com as suas estruturas de cartão e fita adesiva: o precário e descartável, dentro de estruturas solidas, que ambicionam a eternidade.
"Carlos Bunga", insiste a nossa interlocutora, "é um nómada. Faz questão de não ter casa fixa. A casa vai sempre com ele". Lembrei-me de Gonçalo Cadilhe, o escritor-viajante. A dada altura, perguntaram-lhe porque é que insistia em ter casa, se raramente lá estava. Respondeu que precisava de ter uma casa, para onde voltar. Era a casa que fazia dele um viajante. Caso contrário, seria um migrante.
É engraçado, como podemos ter noções e relações tão diferentes com o conceito de casa. O que é que muda? Talvez, a casa de partida.
[Fotografia: Pedro Jafuno]
O que pintaria, hoje, Paula Rego? Não sabemos. Nunca saberemos. Sabemos, no entanto, o que pintou Paula Rego, depois de ter visto a lei do aborto ser arrastada para um referendo e depois da maioria dos portugueses ter optado por não votar. Nessa altura, Paula Rego revelou que recorreu ao aborto clandestino quando era estudante de artes, no Reino Unido dos anos 50. Voltou a lembrá-lo, recentemente, quando a reversão do aborto voltou a ser discutida nos Estados Unidos. Hoje, em Portugal, volta-se a discutir a lei da eutanásia. Há quem volte a usar os mesmos argumentos: a discussão foi muito apressada; é preciso convocar um referendo. O marido de Paula Rego morreu, há mais de 30 anos. Viveu 20 anos com esclerose múltipla. Sobreviveu a uma tentativa de suicídio, mas não à doença. Paula Rego morreu, ontem, aos 87 anos. Não sobreviveu, no entanto, à imortalidade.