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"O significa ser pró-russo?", quis saber o repórter Luís Peixoto, na região separatista do Donbass. E sintetizou: "Há os que nasceram na Rússia. Há os que sempre viveram na cultura russa. E os que, sentindo-se ucranianos, guardam mágoa ao país por bombardear o Donbass, há quase 9 anos".
Em Kiev e em Kharkiv, o repórter Nuno Amaral "pintou" a reportagem, com a melodia de uma canção que o ocidente conhece como "Hey, Hey, Rise Up!". A canção dos Pink Floyd (David Gilmour e Nick Mason), com o cantor ucraniano Andriy Khlyvnyuk. Quando saiu, a imprensa ocidental destacou que a canção "fez juntar os Pink Floyd em estúdio, pela primeira vez, em 28 anos". Mas, entretanto, Roger Waters (que foi o principal autor dos Pink Floyd) fez uma série de declarações que foram interpretadas como pró-russas. Depois, David Gilmour e Roger Waters trocaram palavras azedas, em público. Para todos os efeitos, a ideia que ficou foi que a guerra na Ucrânia dividiu os Pink Floyd.
A guerra divide sempre. Quando se fala em união, é, apenas, a união de uns contra os outros. A guerra na Ucrânia começou, há quase um ano. E nem na data, as pessoas conseguem estar de acordo.
Foi o primeiro disco a girar na nossa aparelhagem. O sonho de uma vida. Era curta, a nossa vida; mas a espera, achávamos nós, tinha sido imensa. Já tínhamos comprado alguns discos, logo após a aprovação, na generalidade, da aquisição do aparelho. Discutíamos, em plenário, qual seria o primeiro disco a girar, quando fomos surpreendidos pelo anúncio da visita de uma tia. Esta tia - velha, dura e austera - não era dada a frivolidades e iria, certamente, condenar pais e filhos, pelo gasto avultado e desnecessário. Corremos para a sala para reajustar os planos: a viagem psicadélica dos Pink Floyd, que pedia intensidade no volume, teria que ser adiada; e o disco ao vivo dos Doors, com as explosões de raiva e poesia de Jim Morrison, não nos pareceu indicado. A tia chegaria a qualquer momento. Escolhemos o Harvest, que tinha acabado de ser entregue pelo senhor do Círculo de Leitores. O Neil Young tinha a beleza exigida para a ocasião e a vantagem de gritar baixinho. Ouvimos o disco de um lado e do outro, com o coração, cheio e nas mãos, e os olhos hipnotizados pelas luzes que piscavam, com maior ou menor intensidade, ao ritmo das canções. O Neil Young inaugurou o sonho de uma vida: ainda no início e já tão inteira.
Antes de vos falar do John, do Paul, do George e do Ringo, deixem-me falar-vos do Tó. O Tó era amigo da minha irmã e fã dos outros quatro. E queria converter-nos à religião dele. Mas, nós não estávamos para aí virados. Tínhamos acabado de descobrir as viagens cósmicas dos Pink Floyd e as transgressões musico-poéticas dos Doors. Os Beatles pareciam-nos demasiado antigos e bem comportados. "I wanna hold your hand" ou "Yellow submarine" pareciam-nos canções inocentes e infantis. Que contraste com o "Shine On You Crazy Diamond", dos Pink Floyd, ou com o "Light my fire", dos Doors! Mas o Tó não desarmava e queria-nos oferecer o seu disco preferido dos Beatles. Acabámos por chegar a uma solução de compromisso. Emprestou-nos o "Abbey Road": se não gostássemos, podíamos devolvê-lo; se gostássemos ficávamos com o disco. Gostámos. O "Abbey Road" tem 50 anos e mora em minha casa, há mais de 30. É maravilhoso e está cada vez mais novo.
Quando eu era mais novo, tinha amigas que decoravam o quarto e os cadernos com fotos dos Wham!. "Coitadas!", pensava eu. Depois, o George fez-se homem e começou a gostar de homens. Coitado! Com tantas gajas boas à volta e deu-lhe para aquilo. Não nos encontrávamos. Quando o George estava nos Wham!, eu ouvia Pink Floyd. Quando deixou crescer a barba à homem, eu ouvia Cure e Joy Division.
Em 1990, perdi o pé. George fez um disco do caraças e eu fiquei sem saber o que fazer à minha vida. Deveria eu sair do armário, onde guardava os meus trajes negros urbano-depressivos? Sim, ou não? Saí. "Ouçam-me sem preconceitos", gritava, baixinho, George Michael. Eu ouvi. Afinal, George tinha música boa. "Listen Without Prejudice Vol.1" é um grande disco. George é um grande músico.
Pois, caso não se tenham apercebido, o George fazia música. E boa. Muito boa.