Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]

Pelé

por Miguel Bastos, em 30.12.22

gil pele caetano.jpg 

Pelé morreu. Na rádio, na televisão, nos jornais, lembram o epíteto: "rei". O rei Pelé. O meu coração republicano lembrou-se, no entanto e de imediato, que Pelé foi ministro do desporto, no governo de Fernando Henrique Cardoso. Um homem negro, pouco escolarizado, vindo da pobreza, catapultado (pelo futebol) para o estrelato mundial, era, agora, ministro. Poucos anos depois, outro negro famoso tomou posse como ministro (desta vez, da cultura): Gilberto Gil. Não faço ideia se foram bons ministros, mas não posso deixar de pensar o quão inspirador terá sido, para tantos jovens negros e pobres, ver dois dos seus serem empossados no cargo de ministros. Aqui, os dois posam para a fotografia. Há um terceiro, na fotografia: Caetano Veloso. Um "negro quase branco", que nunca foi ministro, mas que, há muito, reina no meu coração republicano.

Autoria e outros dados (tags, etc)

Tanto "nego"

por Miguel Bastos, em 31.10.22

- Lisboa tem tanto "nego", "Migueu"!
- Pois tem. Está surpreendida?
- Eu "istou", nunca tinha visto tanto "nego", não!
- Mas, no Brasil há muitas pessoas negras.
- Na Bahia, no Rio, em São Paulo, sim. Em Campo Grande, não.
- Não sabia.
- E vem de onde?
- Quem, eu?
- Não, esse "nêgo" todo...
- Alguns, vêm. Mas, muitos já nasceram aqui.
- ... vem de África, "né"?
- E do Brasil, também.
- A gente acaba se acostumando, "né"?
- É. Vai ver que sim.
Luci vira as suas costas, brancas. Afasta o seu cabelo oxigenado e a minha imagem do Brasil: mestiço, moderno e cosmopolita.

Autoria e outros dados (tags, etc)

Morreu Frederik de Klerk

por Miguel Bastos, em 11.11.21

de clerk.jpg

Geralmente, as boas notícias não são notícia. Claro que há exceções. A transição dos anos 80 para os 90 teve várias "boas" notícias que foram, mesmo, notícia. Entre elas, a queda do Muro de Berlim, em 1989 - que dividia não só a Alemanha, como a Europa, em duas metades - e a queda do apartheid, em 1991 - que dividia a África do Sul: brancos para um lado, negros para o outro. Hoje voltamos à regra, com uma "má notícia", como as "boas" notícias "devem" ser. Morreu Frederik de Klerk: o presidente da África do Sul que libertou Nelson Mandela, aboliu o apartheid, e, dois anos depois, partilhou o Nobel da Paz com Mandela, que veio o a suceder na presidência. Frederik de Klerk tinha 85 anos e um lugar na história. Infelizmente, também tinha um cancro.

Autoria e outros dados (tags, etc)

O que é que se passa

por Miguel Bastos, em 15.06.20

marvin.JPG

Racismo, violência policial, pobreza, desemprego, manifestações: eis o que o irmão de Marvin Gaye encontrou nos Estados Unidos, ao regressar da guerra do Vietnam. Marvin inspirou-se nesse regresso para escrever novas canções e acrescentou os seus dramas pessoais: a morte da cantora Tammi Terrell, a instabilidade do seu casamento ou a relação difícil com a sua editora. Com o debate racial, de novo, em cima da mesa tive vontade de regressar a "What's going on". Poderia ser um disco escuro, amargo e violento. Mas, curiosamente, Marvin Gaye canta sobre a morte das pessoas ou do planeta, com a sua voz doce de sempre e sobre um tapete sonoro elegante, sensual e sofisticado.

Marvin Gaye assinou a sua obra prima, há quase 50 anos. O disco permanece, surpreendentemente, actual: pelas melhores e pelas piores razões.

Autoria e outros dados (tags, etc)

O Lãzinha

por Miguel Bastos, em 19.02.20

jordao.jpg

"Eu aplaudo os golos dos jogadores negros" é a nova versão do "eu até tenho amigos negros". Claro que todos os benfiquistas aplaudiram os golos do Coluna, todos os sportinguistas aplaudiram os golos do Jordão, todos os portistas aplaudem os golos do Marega. Não é aí que está a questão. A questão está em saber como é que a generalidade de portugueses lidam com os golos marcados pelos adversários negros. Ou como é que os portugueses lidam com os golos falhados pelos jogadores negros da sua equipa.
 
Eu também tive um amigo negro. Andava na minha escola, foi da minha sala e, ainda por cima, marcava imensos golos. Chamava-se Rui. Todos queriam ser da equipa dele. A rapidez, o passe, o drible e a ginga do Rui eram metade do sucesso da equipa onde ele jogasse. O Rui vinha da Guiné: era magricela, tinha a pele escura, o sorriso branco e um cabelo que parecia um novelo de lã. Chamávamos-lhe o "lãzinha". Mas, às vezes, chamavam-lhe "preto da guiné": bastava que o Rui marcasse um golo ao adversário ou que falhasse um golo a favor da sua equipa. Calculo que ficasse triste. Perguntei-lhe algumas vezes se ficava triste. Ele encolhia os ombros e dizia que não. Chutava para canto. Podia falhar um remate, mas o Rui era incapaz de marcar golos na própria baliza.

Autoria e outros dados (tags, etc)

É o raça

por Miguel Bastos, em 12.07.17

o raça2.jpg

Lá em casa, tivemos sempre  problemas com o "raça". Assim mesmo, com artigo masculino. Perante a minha irrequietude, a minha mãe dizia: "o raça do rapaz não pára quieto". Ou "o raça do rapaz nunca está calado". O "raça", portanto. O "raça", dizem os dicionários mais nobres, é uma expressão popular para exprimir descontentamento, irritação, contrariedade.

 

Lá em casa, o "raça" da torneira não funcionava, apesar dos esforços do meu pai. O "raça" do vizinho estacionava a camioneta à nossa porta. E o "raça" do forno queimava o assado de domingo. O "raça" levava sempre com a culpas. A raça também.

 

No livro "Brasil: Uma biografia", as historiadoras Lilia Moritz Schwarcz e Heloisa Murgel Starling contam-nos que, no século XIX, o "raça" dos brasileiros estavam preocupados com a raça. Para "purificarem" a raça brasileira, "ameaçada" pela sobrevivência dos índios e pela proliferação dos negros, os brasileiros queriam importar pessoas brancas e louras da Europa. Que "raça" de ideia!

 

Na Bósnia dos anos de 1990, a coisa foi mais difícil. Sem negros, nem índios, era preciso distinguir o "raça" de um eslavo do sul, do "raça" de outro eslavo do sul. Neste caso, a religião, explica Tim Butcher no livro "O Gatilho", serviu para dividir o que Deus uniu. E, depois de divididos, foi o "raça". Chamaram "limpeza étnica" à matança mais suja, levada a cabo na Europa, depois da Segunda Guerra Mundial.

 

"Raça" é isto: na Cova da Moura ou na cidade de Mossul. E é o raça.  

Autoria e outros dados (tags, etc)


Mais sobre mim

foto do autor


Calendário

Dezembro 2023

D S T Q Q S S
12
3456789
10111213141516
17181920212223
24252627282930
31

Pesquisar

  Pesquisar no Blog

Arquivo

  1. 2023
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2022
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2021
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
  40. 2020
  41. J
  42. F
  43. M
  44. A
  45. M
  46. J
  47. J
  48. A
  49. S
  50. O
  51. N
  52. D
  53. 2019
  54. J
  55. F
  56. M
  57. A
  58. M
  59. J
  60. J
  61. A
  62. S
  63. O
  64. N
  65. D
  66. 2018
  67. J
  68. F
  69. M
  70. A
  71. M
  72. J
  73. J
  74. A
  75. S
  76. O
  77. N
  78. D
  79. 2017
  80. J
  81. F
  82. M
  83. A
  84. M
  85. J
  86. J
  87. A
  88. S
  89. O
  90. N
  91. D
  92. 2016
  93. J
  94. F
  95. M
  96. A
  97. M
  98. J
  99. J
  100. A
  101. S
  102. O
  103. N
  104. D
  105. 2015
  106. J
  107. F
  108. M
  109. A
  110. M
  111. J
  112. J
  113. A
  114. S
  115. O
  116. N
  117. D