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Saio de casa, à pressa. A guardar as chaves de casa, num bolso. A procurar as chaves do carro, noutro bolso. A certificar-me se tenho tudo: telefones, carteira, mochila, garrafa de água. Cabeça já sei que não tenho. Já nem a procuro. "Desculpe, senhor..." - um homem, nos seus 50/60, de ar abandonado, esquecido - "sei que está com pressa". Adivinho o que se segue: "Por acaso, não me podia ajudar?". "Por acaso, não", respondo, "não tenho dinheiro nenhum. Entre rifas para a escola, para o futebol, para a associação disto e daquilo, não me sobrou nada". "Não faz mal", diz, "se tivesse, agradecia, mas se não tem, não faz mal". "Tudo o que tenho é uma carteira vazia, quer ver?" O homem, assustado, dá um salto para trás: "Ó senhor, não faça isso!" Pois, não se faz isto. Mas eu fiz. De repente, vejo um euro, a espreitar no porta-moedas. Fico feliz. "Afinal, ainda tenho qualquer coisa". Entrego o euro ao senhor, que me agradece e ainda fica preocupado comigo: "Mas, assim, fica sem nada". "Não se preocupe", digo-lhe, "eu tenho onde ir buscar mais". Desejo-lhe um bom Natal e ele também. Seguimos, rumo a vidas diferentes.
E aqui está o meu conto de Natal. Não é Dickens, eu sei. Mas é meu. Escrevi-o esta manhã, depois de encontrar este senhor e (pasme-se!) a cabeça.
Os doces vinham de Santa Iria de Azóia. Os refrescos também. Os sabonetes vinham de Santa Iria de Azóia. E os desodorizantes e os champôs. O detergente da roupa vinha de Santa Iria de Azóia. Bem como, o pó para a cozinha; o creme para a casa de banho; o líquido para os vidros. Na minha cabeça, a procurar palavras e a decifrar enigmas nas embalagens dos produtos domésticos, Santa Iria da Azóia era um oásis de coisas boas, para comer e cheirar. Um farol de modernidade. O que havia de mais parecido com Nova Iorque, em Portugal. Eu queria ir a Santa Iria de Azóia. Até que fui. E não, não é parecido.
Dona Alzira, tão moderna! Acabo de olhar para a sua varanda. Uau! Tantas luzes, a piscar: com cores diferentes, intensidades diferentes, velocidades diferentes. Incrível, parece uma discoteca! Uma discoteca de Natal! Só falta juntar uma bola de espelhos e uma máquina de fumos. Tum, tss, tum, tss, tum, tss, tum. Parabéns e boas festas! Tum, tum, tum, tum.
Era uma vez uma criança que não tinha medo, porque não sabia o que era o medo. Mas quer saber. A história está num conto dos Irmãos Grimm e é levada a palco pelos alunos da Escola Superior de Música e Artes do Espetáculo, no Porto. Tudo gente nova, portanto. Nova e destemida.
Leio a definição, logo a seguir ao índice:
"Ouvidor. S.m. Do latim auditor, -oris; auditor, ouvinte. Aquele que ouve. (...) os sons do país, venham da floresta ou da cidade. Exemplo: Antonio Carlos Jobim."
Ao virar da página, a Apresentação:
"Os 99 textos a seguir foram publicados originalmente entre 2007 e 2023, na página 2 da Folha de S. Paulo. Todos tratam de Tom Jobim, o homem e o artista, e do mundo que girou tendo-o como centro."
E, para concluir:
"Ah, sim, a definição de 'ouvidor' que você deve ter lido há pouco. Foi tirada de um dicionário - mas de um dicionário que estou pensando em escrever."
Começa bem este "O Ouvidor do Brasil: 99 vezes Tom Jobim", de Ruy Castro.
https://www.rtp.pt/noticias/cultura/o-pelicano-no-teatro-nacional-sao-joao_a1616546
"És um vagabundo"; "És uma porca"; "Feliz Natal, cara de cu". Sim, é uma canção de Natal - cheia de raiva. Mas, também, de poesia: "Tu roubaste-me os meus sonhos, quando eu te conheci"; "Eu guardei-os comigo, querida / Eu construí os meus sonhos, à tua volta". E eu (lamechas) fico sempre de lágrimas nos olhos, nesta parte. Feliz Natal.