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"Ah, os jovens... são rebeldes, gostam de viver no limite..." Não é bem assim. Por exemplo: o jovem, que acaba de se atravessar à frente do meu carro, atravessa a estrada em diagonal e, sem tirar os olhos do telemóvel, vai ao encontro da passadeira. Faz bem. Isso de arriscar a vida é um bocado parvo. Se for para morrer, que seja em segurança.
- Mas, vamos todos morrer, pai?
- Vamos, filho.
- Mas isso não é justo
- Pois não, mas são as regras do jogo.
- E não dá para mudar?
- Não. Mas temos um plano.
- Qual é?
- Mais cedo ou mais tarde, vamos todos morrer, não é? Portanto, o plano é... mais tarde.
- É, esse, o plano?
- É. Eu sei que não parece grande coisa, mas é o que temos. Tentar ter uma vida boa, com os que mais amamos: ter cuidado com a saúde, comer poucos doces, fazer ginástica, ir à escola, ser um bom menino, fazer amigos, amar a família... é por aí.
- Ah... mesmo assim, estou triste.
- E deves estar, filho. Ficamos tristes, quando nos morre alguém tão especial.
- E já não volta?
- Não. Mas não te esqueças do plano. Já que, mais cedo ou mais tarde, vamos todos morrer, vamos fazer tudo para que seja... mais tarde.
"A guerra na Ucrânia já acabou, não já?", atira-me o Alberto, com um sorriso irónico. Sabemos, os dois, que não. Mas sabemos, os dois, que cada guerra tem um tempo limitado de atenção. O holofote aponta, agora, na direção da Palestina - onde, nas últimas horas, morreram centenas de pessoas, depois de terem morrido milhares, desde o ataque de 7 de outubro. À semelhança de outras guerras, a guerra na Palestina vai "acabar", quando começar outra guerra, noutro sítio qualquer.
Acordo, abro a janela e verifico que tenho uma carrinha funerária à porta de casa. Felizmente, uma das minhas qualidades é que sou bom para ir buscar a morte. Mantenho a calma. Preparo e tomo o pequeno almoço, despacho a criançada, vejo o correio eletrónico, arrumo a cozinha, tomo um duche rápido, visto-me e, finalmente, saio de casa.
Olho para dentro da carrinha: um colchão, dois sacos de cama, uma mochila, um saco de compras. Portanto, a carrinha funerária acampou, à minha porta. Suspiro, finalmente. Confesso: a dada altura, como no fado de Amália, "Cuidei que tinha morrido".
Morreu o poeta Joaquim Pessoa. Gostava de conhecer melhor o seu trabalho poético. Vou adiando para "um dias destes", que é um local habitado por muitos poetas e escritores. Conheço Joaquim Pessoa, das canções. A rádio e os jornais destacam (bem) a "Amélia dos olhos doces" (Carlos Mendes) e "Lisboa, menina e moça" (Carlos do Carmo). Mas é curto. Ele tem tantas canções! Só no disco "Uma canção para a Europa", que corresponde às canções do Festival de 1976, Carlos do Carmo canta três poemas seus: "Lisboa Menina e Moça" (em parceria com Ary dos Santos), Cantiga de Maio (não confundir com a canção de José Afonso) e "Onde é Que Tu Moras?" (uma das canções da minha vida). Só essa, já era muito. Mas há mais, muitas mais.
O Tribunal Constitucional (TC) considerou a eutanásia inconstitucional. O texto, defendeu o TC, tem uma "intolerável indefinição". Que "indefinição" é essa, que é tão "intolerável"? Bem, diz o TC, é o "e" .
Concretizando: o texto refere "o sofrimento físico, psicológico e espiritual" - o que levanta, diz o TC, "interpretações antagónicas". E questiona: "A exigência é cumulativa ou alternativa"? É que, diz o TC, no primeiro caso, temos "sofrimento físico, mais psicológico, mais sofrimento espiritual". No segundo, continua a dizer o TC, temos "tanto o sofrimento físico, como o psicológico, como o espiritual". Soa a Kafka? Talvez. Mas soa, sobretudo, a trabalhador da restauração: "Quer um copo de água ou um copo com água"? O meu pai, que trabalhava na restauração, nunca disse essa piadinha. Mas dizia, frequentemente, a expressão: "Nem o pai morre, nem a gente almoça".
Marvin Gaye morreu, faz hoje 38 anos. Em 2021, há quem insista que Marvin não morreu. Como os malucos que acham que o Elvis continua vivo. Mas, neste caso, os malucos fazem bem. Estes malucos fazem mesmo bem.