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Em 1960, o eng. Sousa Veloso criou o "TV Rural". O programa de televisão durou 30 anos; atravessou a ditadura e a democracia; a direita e a esquerda; o "orgulhosamente sós" e o "ai, os senhores da Europa"; a televisão a preto e branco e a cores. Passados mais de 60 anos (e 50 do 25 de Abril) o que mudou? Pelos vistos, pouco.
O presidente da República considera que o primeiro-ministro é lento, porque é rural. Estão a ver o estereótipo? Urbano é rápido. Rural é lento. Urbano anda de carro. Rural anda de trator. Urbano é sofisticado. Rural é arcaico. A autarca de Espinho (terra de Montenegro) não gostou do que ouviu. Disse que a cidade tem pouco de "rural", que é um destino de verão de pessoas endinheiradas e que até tem um casino (ena, ena!). Convidou, depois, o presidente a visitar Espinho. "Para quê?", pergunto eu, "Para ver um casino?!" O presidente mora perto de um, não precisa de ir a Espinho. Sem querer (presumo), a autarca de Espinho - ao querer contrariar o presidente - acaba por partilhar o mesmo estereótipo.
Por mim, gostava mais que tivesse dito "Quem diz é quem é" (viram o nível de sofisticação?!) e se despedisse "com amizade até ao próximo programa".
Não é tarde, nem é cedo. É às oito, em Belém. O presidente vai falar ao país.
O presidente da República fez mais de 500 quilómetros para assinalar os quase 50 anos de democracia, em Portugal. Recorreu à sua vocação de professor e aos seus dotes de comunicador, para dar uma espécie de aula sobre democracia, num auditório repleto de jovens. O presidente foi recebido com grande entusiasmo. Os jovens bateram palmas e assobiaram, com a excitação reservada às celebridades. Depois, o presidente começou a falar e a juventude esmoreceu. Quando começou a distinguir a monarquia e a república, a Rita resolveu mergulhar no "Instagram". Quando abordou a guerra colonial, o João decidiu fazer uma guerra "online" com o colega do lado. A reflexão sobre a natureza dos partidos políticos foi ofuscada pelas imagens dos guerreiros de "wrestling" do telemóvel do Hugo. E a emergência do populismo não resistiu ao livro do Harry Potter (na realidade, o Harry Potter também não resistiu ao "TikTok" - pois não, Mafalda?"). Bem sei que estava na fila de trás (local onde se costumam sentar os jornalistas e os maus alunos). Bem sei que, nas filas da frente, havia alunos interessados e participativos. Mas, foi uma espécie de constatação "in loco" de algumas das assimetrias sublinhadas pelo presidente: na política ou na educação "há muito bom e há muito mau". O presidente exortou os jovens: "participem", "envolvam-se", "manifestem-se". Uma parte significativa não respondeu, porque estava demasiado ocupada, a bocejar, no ciberespaço. A dada altura, o presidente contou uma história para ilustrar a importância das pessoas se manterem independentes dos cargos políticos: "Eu tinha colegas meus, jovens, que tinham acabado de sair da faculdade e foram convidados para secretários de Estado. Quando saíram do governo não sabiam o que fazer. Achavam que, depois de terem sido secretários de Estado, só podiam ser ministros ou presidentes de um banco". "O que é que achas que eu devo fazer?", perguntavam-lhe. "Eh, pá! E se fosses trabalhar?", respondia-lhes. A resposta (como é evidente) não é válida, apenas, para ex-secretários de Estado. No final - de novo - as palmas e os assobios, reservados às celebridades. E uma selfie (claro!), para partilhar no ciberespaço.
Timor-Leste a caminho dos 20 anos. A jornalista Rita Colaço a fazer (belíssimas) reportagens, na Antena 1. Esta manhã, entrevistou José Ramos-Horta que, amanhã, toma posse como presidente da República. Releio este parágrafo, sobre o golpe de Estado na Indonésia, que, em 1965, instalou Suharto no poder: "Ao todo, foram mortas pelo menos 500 mil pessoas (...) Numa zona do país, os rios ficaram tão repletos de cadáveres que a água deixou de correr." Não é de admirar que um governo, que nasceu com esta violência, não tenha tardado a impor essa mesma violência aos vizinhos mais próximos. 20 anos, Timor. Foi quase um milagre. É quase um milagre.
A entrevista pode ser ouvida aqui: https://www.rtp.pt/play/p517/e618147/espaco-das-10
O parágrafo pertence ao livro "A Guerra Fria", de Odd Arne Westad.
Hoje, é Dia da Restauração da Independência de Portugal. Esta manhã, houve uma cerimónia com o presidente da República e o primeiro-ministro. Foi curta e sem discursos. Contávamos com a celebração de 1640. Comemorámos 1600 e quarentena.
[Foto: LUSA]
Desculpem o "politiquês" e o "juridiquês", mas, em situações de grande complexidade, é inevitável recorrer a uma linguagem mais técnica: "Em Portugal o Presidente tem um poder do caraças". António Franco, antigo Chefe da Casa Civil do Presidente Jorge Sampaio.
[José Pedro Castanheira (2017), Jorge Sampaio, Uma Biografia, ıı volume - O Presidente, pag. 701]
Por estes dias, trocam-se acusações entre a esquerda e a direita; entre os vários partidos de esquerda; e entre os militantes dos partidos da direita, que vão para eleições internas. Portugal vai para eleições porque, supostamente, precisa de uma clarificação. Antes da clarificação, porém, as coisas vão ficando mais negras.
Leio esta manhã: "Marcelo Rebelo de Sousa abre a porta à venda de livros". Pelo que percebi, as pessoas não andam a ler, porque a venda de livros tem estado limitada. A partir de hoje, as pessoas vão desligar as novelas e os futebóis, para se dedicarem (finalmente) àquilo que mais gostam: velejar na epopeia grega, desbravar o existencialismo francês, mergulhar no romantismo alemão. Cuidado Cristina, não abordes a lírica camoniana, no programa da manhã, e vais ver as audiências a cair a pique! Ou é isto, ou não estou a ver bem o problema. Excesso de Camões.