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No fundo, no fundo, um livro é um conjunto de letras pretas imprensas em papel branco. Claro que precisa de conteúdo. Claro que precisa de ser bem escrito. E de ser revisto e paginado. E de (...), e de. Mas, se compararmos com o cinema, por exemplo, necessita de recursos muito escassos. Quando vou ao cinema, gosto de ver a ficha técnica para ver a quantidade de pessoas envolvidas: realizador, atores, produtores, figurantes, aderecistas, caraterizadores, carpinteiros, eletricistas, iluminadores, câmaras, iluminadores, engenheiros de som, sonoplastas... São dezenas e dezenas - às vezes, centenas e centenas - de pessoas. Eu fico, ali, a ver: por respeito e curiosidade, e, também, porque a banda sonora vem sempre no fim. Mas, há livros que parecem filmes de Hollywood, como "A Guerra Fria", de Odd Arne Westad. O livro é uma obra de fundo com mais de 700 páginas, divididas por mais de 20 capítulos. É uma grande produção espalhada pelos vários continentes, com investigadores, tradutores ou revisores de texto nesses/desses países. O autor precisou de 5 páginas, para agradecimentos, 15 para índice remissivo, mais de 30 para acomodar cerca de 600 referências. Claro que li tudo até ao fim, como no cinema. E (também aqui) a banda sonora chegou no fim. A última referência do livro é a citação de uma canção dos Depeche Mode - "Two Minute Warning" - que é, também, o título de um filme de Hollywood. Já agora, a canção - marcada pela ameaça da guerra nuclear - é das poucas canções que Alan Wilder escreveu nos Depeche Mode (uma banda que escolheu o nome de uma revista de moda francesa). Acho que já tinha feita a referência: gosto de fichas técnicas.
Brejnev morreu em 1982, depois de ter governado a União Soviética durante 18 anos. Há muito, que estava velho e cansado. O sucessor foi Andropov. Mas, este, estava velho e doente. Morreu, dois anos depois. Seguiu-se Chernenko. Morreu, passado um ano. Parece uma história, fantasiada por García Márquez; mas é a História, sintetizada por Odd Arne Westad (A Guerra Fria, 2017). Escreve o historiador: "Um amigo meu que vivia em Moscovo na altura contou que o filho de seis anos se habituou de tal maneira a ouvir a marcha fúnebre de Chopin na televisão que julgou ser o hino nacional soviético". Chopin não era soviético. Morreu novo.
Foi a primeira vez que nos vimos, assim, à luz do dia. Sorri-lhe. Não respondeu. Fomos íntimos. Frequentámo-nos, quando eu saia, à noite, para dançar. Perdoou-me sempre os excessos, no tabaco e na bebida. Respeitámo-nos sempre. Sim, nesse tempo havia respeito. E os anjos não tinham sexo.
Com a morte recente de Vangelis, voltei a ouvir "Friends of Mr. Cairo" - disco em parceria com Jon Anderson, dos Yes. E, depois, este "Walk into Light", de Ian Anderson, dos Jethro Tull. Sempre associei os dois discos: juntam dois cantores veteranos do rock progressivo (com nomes quase iguais, ainda por cima), com dois mestres da eletrónica - Vangelis e Peter-John Vettese. Os dois discos afastam-se do progressivo e enveredam por territórios pop, com uma sonoridade mais próxima de nomes como os Kraftwerk ou Ultravox. No caso de "Walk into Light", até os temas das letras se aproximam a estas bandas, com um certo gosto pela modernidade e pela tecnologia ("End Game", "User-Friendly") ou por uma certa ideia romantizada da Europa ("Different Germany"). Já não ouvia "Walk into Light" - com os seus sintetizadores, samples e caixas de ritmo - há muitos, muitos, anos (10? 15? 20?). E a verdade é que se ouve muito bem. Para já, vai ficar mais alguns dias a tocar no prato.
A Susana andava louca pela Madonna. Elogiava-lhe o estilo, a dança, o ritmo, as melodias, as letras. "As letras, Susana?!", perguntei-lhe. "Sim", respondeu-me, "ela tem letras espetaculares". Eu tentava a minha melhor imitação do "Like a virgin" e desdenhava da Madonna a imitar a Marilyn Monroe no "Material girl". "Já ouviste o novo disco?", perguntou-me. "Ainda não, mas também não tenho pressa". E ela: "Tens que ouvir o 'Papa don't preache'". "Ai, sim?". "Sim, fala de uma miúda que engravidou e quer ficar com o bebé. É uma mensagem muito importante para as raparigas". "Certo", concedo. Nem todas as raparigas são como a Susana: forte, decidida, senhora do seu nariz. Senhora do seu corpo todo. "Sabes, Susana, podias ouvir outro tipo de raparigas: a Siouxsie (Susan / Susie) Sioux, por exemplo. Para além de ter o teu nome, é muito mais parecida contigo". E era: o cabelo preto, a postura, a garra, a atitude. "Eu não gosto muito dessas coisas: gótico, punk e não-sei-quê". A pouco e pouco, a Susana foi desaparecendo. Não a voltei a ver. Contaram-me que o pai a encontrou, à noite, no quarto, com um bebé sobre a barriga.
Depois de dois anos de ausência, por causa da pandemia, o festival Verão da Casa regressa à Casa da Música. Até 17 de setembro, há vários tipos de música espalhados por vários palcos.
https://www.rtp.pt/noticias/cultura/comeca-o-verao-da-casa-da-musica_a1409245
- Arranjaste o portão, mãe?
- Sim.
- Uau, devias deixar de ser cientista e passar a ser carpinteira!
- Ah, ah!
- A-ha? Pensei que gostasses mais dos Bee Gees!