Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
Nem me tinha apercebido, mas este maroto acabou de fazer 30 anos. Os Depeche Mode estavam no pódio das maiores bandas do mundo, quando editaram "Songs of Faith and Devotion". O mundo pop-rock tinha mudado muito, desde o anterior "Violator": grande parte da pop eletrónica virara-se para as pistas de dança e o rock voltava a ser fresco, com os Nirvana e o "grunge". Os U2 refletiram os ares do tempo, na obra-prima "Achtung baby". Para muitos, faltava saber se, depois de "Violator", os Depeche Mode fariam o seu "Achtung baby". Tentaram. Nunca os Depeche Mode tinham ido tão longe. Na verdade, nunca mais foram. "Songs of Faith and Devotion" é um disco ambicioso, grandioso, magistral. A banda carregou, ainda mais, nas guitarras e nas texturas rítmicas (com a forte presença da bateria). Mas, também, nos acordes poderosos e nos refrões orelhudos. Abordaram o rock, os blues, o gospel, a soul, a música ambiental e industrial. As canções são de "fé e devoção", de amor e sexo. Os temas habituais, com o negrume característico da banda. Nessa altura, os Depeche Mode já eram a maior banda alternativa de estádio. Partem para uma digressão que os vai levar ao colapso. Usam e abusam dos clichés do "rock and roll", até se tornarem num. Dave parecia um drogado, porque era um drogado. Martin abusava no álcool. Andrew teve um esgotamento. Alan deixou a banda, no final da digressão. Nunca mais voltou. De resto, a música dos Depeche Mode (que me perdoem os fãs) nunca mais voltou a ser tão relevante. Entrou em queda livre. E "Songs of Faith and Devotion" não chegou a ser "Achtung baby". Que pena.
- Afinal, o que é isso das "raves"? - perguntou-me o Joaquim.
- São festas com música de dança, noite fora.
- Música de dança, como? Danças de salão? Disco? Samba?
- Basicamente, música eletrónica: house, techno.
- Então, é uma noite de discoteca normal.
- Acaba por ser. Mas, muitas vezes, as "raves" são feitas em sítios diferentes.
- Tipo…
- Zonas industriais, monumentos, praias...
- Ah. E depois, ficam na praia?
- Não, depois as pessoas estão estoiradas e vão para casa dormir.
- Que pena. Quando eu vivia em Angola, também fazíamos festas para dançar a noite toda.
- A sério?
- É. Eu e os meus amigos pretos das cubatas. Depois, íamos comprar pão e ficávamos na praia, a dormir.
O Joaquim viveu em Angola, até 1975. África está-lhe entranhada na pele. De tal forma que, apesar de ser branco, muita gente chama-lhe "preto": o "Quim Preto". Lembrei-me dele, porque fui a uma festa, num teatro, que parecia uma "rave". Parecia, mas não foi. Porque acabou, ao fim de hora e meia. Enfim, coisas de Branko.
"Tudo o que queres queres, meu doce, tu tens / Tudo o que precisas, filha, tu tens / A única coisa que eu te peço / É um pouco de respeito / Quando eu chego a casa". A canção de, Otis Reading, é de 1965. Fala de trabalho e do respeito por quem trabalha, mas taçvez faça franzir o sobrolho quando o cantor diz à pessoa amada que é mais doce do que o mel, para lhe lembrar, logo de seguida, que que lhe dá todo o "seu" dinheiro e pede respeito "quando eu quero, quando eu preciso". Com quem então, uma canção machista?! Se não é, parece.
Otis morreu, dois anos depois. Não teve tempo para se aperceber do rumo que a canção tomou. Um furacão chamado Aretha Franklin gravou "Respect", nesse ano, e a canção tomou um sentido completamente diferente. Aretha começa por manter grande parte da letra, apenas com pequenas intervenções cirúrgicas: o "Tudo o que queres, meu doce, tu tens", passa a "eu tenho" e o "respeito" pedido/exigido Otis ora é suavizado, pelas manas Franklin no coro, com um "just a little bit/ só um bocadinho"; ora é enfantizado, por Aretha, quando soletra R-E-S-P-E-C-T e pergunta "Tenta perceber o que isso significa para mim". A partir daqui, o caldo está entornado: já em "fade" Aretha canta "Estou cansada / Pode ser que chegues a casa / E descubras que eu já me fui embora / Eu preciso de um bocadinho de respeito (só um bocadinho, só um bocadinho)".
Aretha transformou uma simples canção, num hino contra a discriminação racial e de género. RESPECT.
PS: Já agora, também nesse ano, Aretha Franklin gravou "You make me feel like a natural woman", de Carole King. Em 2015, a compositora foi homenageada no Kennedy Center e surpreendida por Aretha, no palco. Carole, em êxtase, ao lado do casal Obama. Para ver e ouvir aqui.
https://www.youtube.com/watch?v=pT4aRd-hCqQ
Vou chorar e já volto.
Estou a ouvir a 5.ª Sinfonia de Mahler e a pensar nas mãos e nos braços de Tár; no rosto e nos olhos de Tár. E na voz, no discurso, na inteligência e no brilhantismo. E, ainda, na disciplina, no rigor e na assertividade implacável da personagem interpretada por Cate Blanchett. Depois de ter saído do cinema, senti-me preenchido e atordoado. Poucos dias passados, tenho a certeza de que o filme "Tár" vai-me acompanhar, nos próximos anos. Do mesmo modo que "Amadeus", de Miloš Forman: quando ouço o "Confutatis", do Requiem de Mozart, vejo Mozart a desenhar melodias no ar e a ditar as notas a Salieri, enquanto morre. Do mesmo modo que "Brassed off" / "Os Virtuosos", de Mark Herman: quando ouço o "Adagio", do Concerto de Aranjuez, de Rodrigo, vejo a nobreza, a paixão e o desespero da banda filarmónica, na sua luta pelo direito ao trabalho e a uma vida digna.
"Pensem na 'Morte em Veneza'", pede Tár, aos músicos que ensaiam o "Adagietto", da 5.ª Sinfonia de Mahler. A música faz parte do filme de Visconti. De resto, "Tár" está cheio de referências: a maestros, a músicos, a compositores, a outras artes - o que pode fazer com que os espetadores se sintam esmagados e excluídos. Mas, essa sensação faz parte da experiência que muitos sentem: ao entrarem numa grande sala de concertos, ao contactarem com os rituais da orquestra, ao enfrentarem uma sinfonia com uma duração superior a uma hora. Esta é uma música poderosa, mas é, também, uma música muito ligada aos círculos do poder e Tár não hesita em exercer o poder, de forma quase absoluta. Tár não sabe, no entanto, que o poder que exerce, pode estar a ser questionado, minado e, até, sabotado. Ou sabe?
São poucos os filmes onde sinto que a música é bem tratada. Não é o caso deste. Sinto, até, que, em nome desse rigor, a narrativa do filme possa, aqui e ali, ter sido sacrificada. Nesse sentido, "Tár" pode, até, não chegar a ser considerado uma obra-prima (o tempo o dirá), mas é, seguramente, um filme monumental. Mais de uma hora depois, a Sinfonia n.º 5, de Mahler, recomeça na minha aparelhagem: ouve-se o som do trompete e eu regresso mentalmente, à imagem de Tár, a maestrina implacável, a entrar em palco...
"O significa ser pró-russo?", quis saber o repórter Luís Peixoto, na região separatista do Donbass. E sintetizou: "Há os que nasceram na Rússia. Há os que sempre viveram na cultura russa. E os que, sentindo-se ucranianos, guardam mágoa ao país por bombardear o Donbass, há quase 9 anos".
Em Kiev e em Kharkiv, o repórter Nuno Amaral "pintou" a reportagem, com a melodia de uma canção que o ocidente conhece como "Hey, Hey, Rise Up!". A canção dos Pink Floyd (David Gilmour e Nick Mason), com o cantor ucraniano Andriy Khlyvnyuk. Quando saiu, a imprensa ocidental destacou que a canção "fez juntar os Pink Floyd em estúdio, pela primeira vez, em 28 anos". Mas, entretanto, Roger Waters (que foi o principal autor dos Pink Floyd) fez uma série de declarações que foram interpretadas como pró-russas. Depois, David Gilmour e Roger Waters trocaram palavras azedas, em público. Para todos os efeitos, a ideia que ficou foi que a guerra na Ucrânia dividiu os Pink Floyd.
A guerra divide sempre. Quando se fala em união, é, apenas, a união de uns contra os outros. A guerra na Ucrânia começou, há quase um ano. E nem na data, as pessoas conseguem estar de acordo.
Há poeira no ar. O IPMA diz que é do deserto do Norte de África.
A sério? No Carnaval? Para mim, não há coincidências!
A poeiraaahaaa... é por causa da Ivete Sangalo.