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Por fora do Chega, vê-se um partido unido em torno do seu líder - contra tudo e contra todos.
"Por dentro do Chega", lê-se um partido profundamente dividido - com todos contra todos.
Escreve o autor: “Chamar ao Chega partido fascista ou de extrema-direita contém alguma verdade, mas está longe de ser toda a verdade”. Para compreender melhor o Chega, o jornalista Miguel Carvalho mergulhou, a fundo, no caldeirão político e social onde o partido germinou e estudou, a fundo, as pessoas e os movimentos que estão na sua fundação e implementação. Podemos, assim, perceber melhor como é que tantas pessoas, com ideias e práticas tão diferentes, se juntam no mesmo partido - mas, também, porque é que se separam.
O livro está dividido em quatro partes: Deus, Pátria, Família e Trabalho. André Ventura foi buscar as três primeiras palavras ao salazarismo e acrescentou uma quarta - Trabalho. Talvez porque, como Miguel Carvalho descreve no livro, o Trabalho - e, sobretudo, a falta dele - desempenha um papel importantes entre apoiantes, militantes e dirigentes do Chega.
Para compreender o Chega (e “compreender” não significa justificar, muito menos concordar), Miguel Carvalho aproveitou o conhecimento que já tinha da extrema-direita e do populismo, para se lançar à estrada e partilhar “horas e dias” com muitos que o insultaram e ameaçaram, mas que acabaram por lhe confiar “documentos e revelações”. Escreve o autor: “Talvez porque, independentemente de todas as diferenças e propósitos, foi possível definir um local de encontro civilizado”. Parece pouco, mas, nos dias que correm, apetece-me exclamar: “Parece impossível!”
Obrigado, Miguel, e parabéns!
https://www.rtp.pt/noticias/cultura/o-coliseu-e-nosso-protesto-do-porto-faz-30-anos_n1694832

Em tempos que já lá vão, o senhor Carlos Vaz Marques vivia do jornalismo. Depois de ter sido afastado do jornalismo (coisa feia!) passou a viver à custa dos jornalistas (outra coisa feia!). Criou uma editora toda catita, para lançar uns livrinhos e tal. Confesso que achei graça. Uma coisa pequenina, meia de autor… Qual quê?! Aquilo é uma máquina de fazer livros. Coisa do demo! Rebenta a guerra na Ucrânia e adivinhem quem é que tem uns livrinhos sobre o assunto? Invadem o Capitólio e quem é que já tem um livro na forja? Israel entra na faixa de Gaza e quem é que…? Estão a perceber o esquema, não estão? A coisa piorou, quando se lembrou de começar a lançar livros sobre música. Esta semana, vai sair um sobre os Beatles. Não acha que já está a ir longe de mais, sr. Carlos? A dar cabo da vida dos seus concidadãos! A paciência tem limites, sr. Carlos, mas o orçamento também tem. Oh, se tem!
"Ui, já devo estar muito velha", disse-me, a sorrir, "para me homenagearem". Maria do Rosário Pedreira apresenta-se como "editora", mas reconhece terá sido escolhida pelo facto de ser escritora. É a homenageada, deste ano, do Festival Literário Escritaria. Maria do Rosário Pedreira escreveu mais de 40 livros para crianças e jovens, um romance e 5 livros de poesia. Para além disso, tem uma presença assídua em jornais e revistas, no seu blog "Horas Extraordinárias", e nas palavras que são cantadas por milhares de portugueses. São dela as "Pontas soltas", amarradas na voz de Carlos do Carmo. Foi por causa dela, que António Zambujo foi apanhado de "calças na mão". Esta semana, vai-se juntar aos "gigantes Saramago e Lobo Antunes".
Para ouvir, aqui:
https://www.rtp.pt/noticias/cultura/escritaria-festival-literario-celebra-18-anos_n1692396
[Foto: Vitorino Coragem]

Ricardo Pais já tem o seu nome inscrito na sala principal do Teatro Nacional São João, no Porto. O encenador (e antigo diretor) chama-lhe "uma homenagem pré-póstuma". E diz que se sente bem "bem melhor do que se fosse póstuma". E ri-se. Ricardo Pais parece a "Carolina" da canção de Godinho: "ar de menina, sapiência de avó". Ricardo ri-se com ar de menino - rabino, travesso: "eles deviam por umas bananas e uma Carmen Miranda ao lado, aquilo parece Las Vegas", mas, depois, emociona-se e admite que "ninguém pode desejar mais do que ter o seu nome..." deixando uma frase incompleta, na sua vida cheia. 80 anos.
Não sou fã dos Beatles. Nunca fui. Ouvi-os, pela primeira vez, numa cassete do meu irmão. Gostei, mas não adorei. Na verdade, gostava mais dos Bee Gees: eram mais modernos, com os seus falsetes e ritmos "disco". Depois, encantei-me pelo mundo mágico dos Genesis: com canções que se estendiam por vários minutos, repletas de solos de teclados, guitarras e bateria, e as histórias malucas do Peter Gabriel. Isto foi antes de descobrir a revolução "punk", que trouxe uma série de músicos que defendiam um regresso do rock à simplicidade original. Nem todos queriam ser atletas olímpicos e tocar "mais rápido, mais alto, mais forte". Apaixonei-me, então, pelos Smiths que, curiosamente, me lembravam os Beatles. Surpreendi-me, quando soube que um dos guitarristas preferidos de Johnny Marr era o George Harrison. Mais tarde, fiquei a saber que os Bee Gees formaram uma banda, porque eram fãs dos Beatles - tal como os Genesis, ou muita gente do "glam", do "punk", do metal ou do gótico, e muitos músicos da clássica ou do jazz.
Percebi, então, que, independentemente de ser ou não fã, é difícil escapar aos Beatles. Olha o Bowie a cantar o "Across the Universe" e a Siouxie a reinventar o "Dear Prudence". Olha os U2 a cantarem o "Helter Skelter", o tema que "Charles Manson roubou aos Beatles" e que inspirou o "heavy metal". E o Sinatra, que pegou em "Yesterday" - a canção que McCartney escreveu no banco de trás do carro, a caminho do Algarve - e vestiu-a de "smoking". Ele que descreveu "Something" como uma das melhores canções de amor do século, sem usar a palavra "amor". E que a cantou, maravilhosamente - tal como Shirley Bassey ou Sarah Vaughan, que a gravou, num dueto com Marcos Valle (com Marcos a cantar em português). Sarah tem um disco, inteiramente, dedicado às canções dos Beatles. É tão bom que, quando comprei um para mim, comprei outro para o meu irmão. Tem 13 canções, todas boas, muito boas. E faltam tantas, tantas canções dos Beatles, que variam na classificação entre "muito boa" e "obra-prima". E eu a insistir que não sou fã dos Beatles... já nem sei porquê.
A canção "Something", cantada por Sarah Vaughan e Marcos Valle, pode ser ser ouvida aqui:
https://www.youtube.com/watch?v=cr98BJAt60A&list=RDcr98BJAt60A&start_radio=1
- Como é que é, pá, isso é para ler ou quê?
- Tenho andado muito ocupado.
- Deves andar, deves. Sabes o que eu andei…
- P’ra aqui chegar?
- Que engraçadinho!
- Vou começar a ler.
- Vais, pois. E, eu, posso esperar sentado!
- E, eu, posso começar deitado?
Por conselho médico, a escritora George Sand rumou a Maiorca. Procurava um inverno ameno, mas também uma nova relação com a natureza - mais próxima e romântica. O filho tinha passado mal o inverno, mas o namorado ainda tinha passado pior. O namorado era o compositor e pianista Frédéric Chopin. Um casal apaixonado, numa ilha tropical... Estão a ver o filme? Talvez não. Sobretudo, se tiverem lido o livro "Um inverno em Maiorca". A aventura começa mal e continua pior. A família é mal recebida pela população local - que estranha a presença de Chopin, os modos da escritora e as roupas dos filhos - a casa que alugam é fria e húmida, Chopin não consegue ter o seu piano, o seu estado de saúde agrava-se, a população teme que a doença seja contagiosa e obriga-os a afastarem-se.
Acabam a viver na cela de um mosteiro, semiabandonado, perdido no meio das montanhas. George Sand vai-se vingar no livro, descrevendo os habitantes de Maiorca como ociosos, rudes, ignorantes. Pouca gente se salva, no retrato de Sand - exceto a natureza generosa da ilha. Foi essa natureza que atraiu George Sand, mas, quatro meses depois, concluiu que "o homem não foi feito para viver com as árvores, com as pedras, com o céu puro, com o mar azul, com as flores e com as montanhas, mas sim com os homens, seus semelhantes". Pelo tom do livro, percebe-se que a escritora não reconhece os maiorquinos como seus semelhantes. Descreve que, quando chegou ao barco francês que os iria levar de regresso a casa, teve a "sensação de ter dado a volta ao mundo, abandonado os selvagens da Polinésia e estar de volta ao mundo civilizado". Apesar do tom - e sem referir o nome de Chopin (é "o nosso enfermo") - a verdade é que o livro acaba por eternizar a passagem da escritora e do compositor pela ilha. Hoje, é possível visitar o local onde o casal viveu durante esse inverno, em que Chopin ("o nosso enfermo") compôs os seus famosos prelúdios. Parece que, com o passar dos anos, os "selvagens" se tornaram magnânimos e perdoaram os excessos da escritora, sorrindo.
Releio que o homem não feito para viver "com o mar azul". Olho para o mar azul, para os selvagens e sorrio, também.