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Tainadas e literatura

por Miguel Bastos, em 02.10.24

adelia carvalho.jpg 

No sábado, vai haver uma tainada na aldeia de Melo. Põem-se umas mesas, cá fora na rua, e come-se e bebe-se com os escritores. Vai ser uma festa. Parece que os escritores gostam tanto da terra de Vergílio Ferreira, que começam a chegar hoje.

Para ouvir, aqui:

https://www.rtp.pt/noticias/cultura/festival-dedicado-ao-escritor-vergilio-ferreira_a1604065

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Coincidências

por Miguel Bastos, em 26.09.24

coincidencias.jpg

Nuno Pacheco assinala a coincidência, hoje, no Público,: "no mesmo ano em que Manuel Alegre escrevia esta sua trova ['Trova do vento que passa'], 1963, era editada do outro lado do Atlântico mais uma canção a falar do vento, 'Blowin' in the wind'".

A coincidência é destacada no livro "Canções da Liberdade, a Política Cantada em Portugal e no Mundo (1964-1974)". Nuno Pacheco evoca, depois, outros livros que abordam o tema da canção política: entre eles o recente (e excelente) 'A Revolução antes da Revolução', de Luís de Freitas Branco.

Outra coincidência: este texto está nas costa de outro, também no Público, 'À volta da aparelhagem',  onde Miguel Esteves Cardoso reflete sobre a falta de discussão dos mais jovens, à volta do prazer de ouvir música e ver televisão, em conjunto, lamentando que já ninguém o faça.

Terceira coincidência: escrevo este texto, enquanto tento adivinhar o que Capicua estará a conversar, no estúdio que fica debaixo dos meus pés, com o autor de um disco que se chama, precisamente, 'Coincidências': Sérgio Godinho.

Coincidências. Que as há, há. Felizmente.

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Revolução

por Miguel Bastos, em 12.09.24

a revolução.jpg 

Não abundam, os livros sobre música portuguesa. Rareiam, os que são realmente bons. É o caso deste: "A Revolução antes da Revolução", de Luís de Freitas Branco. Gostei, de imediato, do título e do conceito revelado. Já sabíamos que o 25 de Abril tinha sido lançado por uma canção - "E depois do Adeus", de Paulo de Carvalho - e confirmado por outra - "Grândola, Vila Morena", de José Afonso. Mas o autor vai mais longe: antes da revolução, propriamente dita, Portugal já tinha um vasto cancioneiro para a revolução.
 
Esse cancioneiro agrupa compositores, letristas e intérpretes. Agrupa, sim, mas também os divide. E não é, apenas, a divisão entre os jovens do rock e os velhos da canção romântica, ou dos baladeiros a desprezar, com igual intensidade, o "nacional-cançonetismo" e o rock "americanado". A divisão existiu, entre aqueles que achamos serem as "vozes de Abril": com José Mário Branco a recusar produzir um disco de "lamechices" de Adriano Correia de Oliveira; com Adriano a questionar as canções banais dos baladeiros; com Carlos do Carmo a duvidar da qualidade de interpretação de José Mário Branco; com Fernando Tordo a perguntar se Sérgio Godinho saberá o que é uma orquestração. Como se esta divisão, antes da Revolução, antecipasse a divisão, depois da Revolução.
 
Luís de Freitas Branco escolheu o ano de 1971, como o ano mais representativo desta "Revolução antes da Revolução". Afinal, foi o ano de "Cantigas do Maio", de José Afonso; de "Mudam-se os Tempos, Mudam-se as Vontades", de José Mário Branco e de "Os Sobreviventes", de Sérgio Godinho. Uma colheita "vintage". Foi ano de Ary dos Santos, no Festival da Canção; de Miles Davis, no Festival de Jazz de Cascais; de Elton John, no Festival de Vilar de Mouros. Um ano, em livro, dividido em 12 meses e 12 capítulos. Com Luís de Freitas Branco a definir os andamentos desta espécie de sinfonia de música popular: diversa, policromática, minuciosa, revolucionária. Bravo!

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Ler nas férias

por Miguel Bastos, em 26.08.24

ler ferias.jpg

Durante muito tempo, não lia nas férias. Achava esquisito. Os livros levam-me para outro sítios. E eu já estava noutro sítio. E era nesse sítio que eu queria estar.
 
Para as Berlengas, no entanto, fiz questão de levar um ou dois livros. Nas Berlengas, há (mesmo) muito pouco para se fazer. De maneira que me lembro de ficar a ler, virado para o mar - a alternar as páginas, com o horizonte, a partida e chegada dos barcos, o avanço da tarde e da sombra.
 
Noutra ilha, a Ilha do Sal, em Cabo Verde, também li. Mas senti que estava a ler o livro errado, no local errado. Um livro inglês com classes sociais, industrialização, quintas, amantes, viagens pela europa, frio, chuva, casas de campo. E eu, estendido numa espreguiçadeira, a apanhar banhos de sol, de vento e de mar. Senti-me um inglês no Algarve. E não gostei.
 
Se ler é viajar, não faz sentido viajar para dois destinos diferentes em simultâneo. Não ler é sempre uma opção. A outra, requer uma boa combinação entre o que se lê e o local para onde se vai.

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Primeira palavra

por Miguel Bastos, em 04.07.24

- Ó pai, eu comecei a falar muito cedo, não foi?
- Sim.
- Lembras-te qual foi a primeira palavra que eu disse?
- Não tenho a certeza. Talvez, "etimologia".
- Isso quer dizer o quê, pai?
- Não sei. Tens de ir à origem da palavra.
- Ok, depois eu vou.
- Não queres ir já?
- Não. Primeiro tenho de ir lanchar.

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Namoro x 3

por Miguel Bastos, em 02.07.24

trovante.jpg 

Por norma, não gosto de sequelas. Mas desta gostei. O "Namoro II", dos Trovante, é uma sequela do "Namoro", do Fausto, que eu conhecia dos concertos, do Godinho. "Aí, Benjamim", gritávamos nós, da plateia, para que o Sérgio, no palco, nos ouvisse. Para perceber melhor a letra do "Namoro II", ouvi, vezes sem conta, o "Namoro" que o Godinho gravou (com o Fausto na guitarra, curiosamente) no álbum "De pequenino se torce o destino". Finalmente, 3 anos depois do "II", eis que Fausto grava, finalmente, o "seu Namoro", no álbum "A preto e branco" - o mais africano dos seus discos. Em vez de escolher um namoro, em vez de afirmar que não há amor como o primeiro, fico com os três. Fico com um tríptico, ao gosto de Fausto.

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Fausto, há um ano

por Miguel Bastos, em 01.07.24

FAUSTO.jpeg 

No dia da morte de Fausto, recupero este texto, com cerca de ano e meio.

"Não se deve confundir", diz a expressão, "a obra-prima do mestre, com a prima do mestre-de-obras". "Por este rio acima" é uma obra-prima e acaba de fazer 40 anos. Baseado nas viagens de Fernão Mendes Pinto, as letras do disco são um mergulho nas profundezas dos descobrimentos. Por vezes, o mergulho exige apneia: cheira a morte, a doença, a carne queimada e esventrada. Não há, aqui, qualquer exaltação ao lado bravo, guerreiro e conquistador - apenas, o lado escuro dos descobrimentos. A riqueza das letras é tão grande que acabou por secundarizar, involuntariamente, a riqueza das canções, dos arranjos, dos instrumentos. As percussões tradicionais portuguesas, mas também as tablas e as baterias; a guitarra portuguesa e o cavaquinho, tal como o alaúde e a viola de gamba; o piano acústico e os sintetizadores; as cordas e os instrumentos de sopro. Tantos instrumentos que acompanham a voz e a viola acústica de Fausto, omnipresentes, que, ora nos levam para paisagens exóticas e longínquas; ora nos trazem de volta a Portugal, com ritmos e melodias que nos são familiares. Obra-prima.

"Por este rio acima" é um álbum duplo, denso, conceptual, com um pequeno "libreto" ilustrado no interior. A viagem cresceu para trilogia, de forma tão avassaladora que (porventura) acabou por se sobrepor à obra integral de Fausto, que pode/deve ser (re)descoberta. Estamos perante um caso em que não se confundiu "a obra-prima do mestre, com a prima do mestre-de-obras", mas em que, por causa da obra-prima, se poderá ter deixado de reconhecer, devidamente, o mestre que a criou.

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Deus sorri

por Miguel Bastos, em 14.06.24

nome da rosa.jpg 

A coisa foi feia, com mortes que só podiam ser crimes e que estavam a minar a igreja, por dentro. Era preciso resolver o assunto. E foi, por isso, que chamaram William de Baskerville, que resolveu o mistério. A tragédia radicava, afinal, na comédia. O riso, defendeu o velho Jorge de Burgos - guardião da biblioteca e da moral - cria dúvidas e afasta o medo. E sem medo, não há temor a Deus. E sem temor a Deus, não há crença, nem religião.

Umberto Eco escreveu "O nome da Rosa", há 40 anos. Esta manhã, o Papa Francisco chamou humoristas de todo o mundo. Para lhes dizer que "quando vocês fazem alguém sorrir, Deus também sorri". Sem medo.

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Erros meus

por Miguel Bastos, em 11.06.24

20240611_103620.jpg

- Ólhó Luis Vás!
- Olá.
- Gostas-te da festa dontem?
- Isso está cheio de erros, sabias?
- Ya, "Erros meus, má fortuna" e coiso e tal...
- O que é que estás a fazer?
- Tou a chatear o Camões...

 

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