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Chegámos ao Porto, plenos de excitação. Íamos ver o Nick Cave, ao vivo. O Carlos veio-nos esperar de carro. "Podemos pôr uma musiquinha?", perguntou ele, "não tenho é Nick Cave, em cassete". Nesse tempo, copiavam-se os discos de vinil, que tínhamos em casa; para cassetes, para ouvir no carro. Os que tinham carro, claro. O Carlos roda a chave e um solo de sax, meloso, espalha-se pelo interior do Uno. Franzo o sobrolho. "Foi o mais parecido que encontrei". Reconheço a voz rouca de Leonard Cohen e continuo a estranhar o paralelismo. Naquela altura, para mim, Cohen era uma velha glória dos anos 60, que estava a envelhecer de uma forma duvidosa, como tantos outros da sua geração. Mesmo assim, o Carlos insistia: "acompanhem-me no refrão" e o Unu, em uníssimo, passou a gritar "There ain't no cure / There ain't no cure / There ain't no cure for love". O Uno, de vidros abertos, a serpentear pelas ruas da baixa. O Uno a espalhar amor e música e poesia e tabaco, pela cidade do Porto. Depois, entrámos no Coliseu para ver e ouvir o nosso herói. Mas, Leonard Cohen não me saía da cabeça. Ao ponto de achar, na altura, que também estava na cabeça de Nick Cave. De resto, continuo a achar.
As pessoas que resmungam contra "o trânsito", esquecem-se que fazem parte do "trânsito". Teimam em reivindicar, para si próprias, um estatuto de exceção. A pandemia veio agravar esta forma de nos separarmos do resto mundo. Sabendo isto, insisto, porém, no mesmo erro: "estes gajos" estão no "trânsito"; eu estou "no carro", com o meu amigo Leonard Cohen.
O rock trouxe a cultura da eterna juventude. Mas, Leonard Cohen nunca foi jovem. E nunca foi rock. O seu pai fora alfaiate e ele vinha dos livros: era incapaz de se vestir mal. Conheci Cohen, em 1985, com “Dance me to the end of love”. Não gostei: um cantor velho, com uma voz estragada, e uma música que (não sei porquê) me lembrava Demis Roussos. A minha opinião começou a mudar com o disco seguinte ("I’m your man") e com a descoberta do seu primeiro disco. Foi, então, que percebi que uma série de músicas, que eu gostava, eram, afinal, de Cohen: "Suzanne"; "So Long, Marianne"; "Hey, That's No Way to Say Goodbye". E comecei, também, a perceber melhor os elogios e declarações de amor dos músicos que eu admirava, na altura. Muitos deles entrariam no disco “I’m your fan”.
Leonard Cohen fazia-me lembrar Woody Allen. Não foi hippie, não foi jovem, não usava calças de ganga, nem cabelos compridos. Esteve sempre fora do rock e fora do tempo. Nasceu velho e morreu morreu. É isso, Cohen morreu de velho. E, mesmo assim, a sua morte dói-nos.