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Foi há muitos anos, mas podia ter sido hoje. Dezenas de emigrantes e descendentes de emigrantes portugueses desfilavam, pelas ruas de Paris, contra a imigração - numa manifestação convocada pela Frente Nacional. Foram interpelados pelos jornalistas: "Não acha estranho, ser emigrante e estar numa manifestação contra a imigração?" "Não", respondiam. E, depois, as justificações atenuantes: "O Le Pen gosta dos portugueses"; "Não é contra os imigrantes"; "Só é contra os que não querem trabalhar"; "Os que nos vêm tirar os empregos"; "os magrebes e os pretos, que vêm para cá". Estes portugueses - tão seguros da sua capacidade de trabalho, da sua condição europeia, da "pureza" da sua pele - ignoram, talvez, que muitos franceses não os consideram brancos. Estes portugueses são incapazes de se colocarem no lugar do outro, mas, também de se aperceberem do seu próprio lugar. Será sempre mais fácil votar contra os "pretos", se não pensarmos que os "pretos" podemos ser nós.
Estou a ver o noticiário, na televisão. Em rodapé, anuncia-se o novo filme de António Pedro Vasconcelos, sobre o tema do divórcio. Olho para ecrã. Sóbrio e elegante, um casal de meia idade senta-se, frente a frente. Discutem os problemas que os apoquentam. Separam-nos umas mesinhas, pequenas, e um mundo, imenso: as contas do gás, da eletricidade, a economia doméstica, e a russa que se meteu entre eles. "Eu sou uma mulher livre", diz ela. "Pronto, está consumada a separação", penso em voz alta. Mas, subitamente, pinta um clima. Sim, um clima. "Quem lá ver...", penso, de novo, em voz alta. "Você é uma climo-cética!", atira ele. "E você é um climo-hipócrita", responde ela. O ambiente não está nada bom. Desligo o televisor.
Este é o novo sobressalto da democracia europeia: chama-se Eric Zemmour. O candidato à presidência do país da "Liberdade, igualdade, fraternidade" é um conhecido ex-jornalista e comentador da televisão. Zemmour é um judeu de extrema-direita, simpatizante de Pétain - símbolo máximo do colaboracionismo nazi. Um antimuçulmano, que já foi condenado por racismo, e que conta com o apoio de Le Pen pai. Zemmour anunciou que era candidato, num vídeo publicado no Youtube. Não é surpreendente. Os defensores das ideias mais antigas não hesitam em recorrer às tecnologias mais modernas, para espalharem a sua mensagem. Não é uma invenção do populismo de hoje. É uma invenção do populismo de sempre. Os "modernos", admiradores do teórico dos media Marshall McLuhan, continuam encantados com os "meios que são mensagem". Os "antigos" não olham a meios, para atingirem os fins.
[Foto: Joel Saget / AFP]
Há, por aí, um certo jornalismo que anda desassossegado. Diz este jornalismo, que o restante jornalismo e os seus comentadores só vêem para um lado. Não há, dizem os desassossegados, quem defenda líderes como Trump, Le Pen, Orbán ou Bolsonaro. Queixam-se do "mainstream", do politicamente correto, do esquerdismo dos media. Estes defensores do pluralismo consideram que para se discutir questões étnicas, tem de se arranjar um racista; para discutir questões de género, tem de haver um marialva; para discutir democracia, tem de haver um fascista. Esquecem, ou fingem esquecer, que os fascistas são contra a tolerância e o pluralismo que alegam defender.
Enquanto isso, um presidente insulta e manda retirar as credenciais a um jornalista. Não devíamos estranhar. Acabámos de ver um presidente ser eleito nas redes sociais, contra os media. E, em Portugal, políticos desassossegados chamam os jornalistas para uma declaração "sem direito a perguntas". Onde é que está, afinal, a falta de contraditório? Onde deve estar, afinal, o desassossego?
Marine Le Pen mudou o nome do partido que lidera, para "União Nacional". Podia ter sido uma bela homenagem ao Portugal, do Estado Novo. Mas, no mesmo congresso, suspende um luso descendente, por ser racista. Esta gente confunde-nos.
https://www.rtp.pt/noticias/mundo/marine-le-pen-frente-nacional-passa-a-uniao-nacional_n1063224
Já foi o rosto da crise da Europa. Mas, entretanto, vieram outras crises. Os refugiados: a caminho da Europa. O Reino Unido: a sair da Europa. Le Pen: a crescer, contra a Europa. A Rússia: a lançar Trump, por cima da Europa. E Trump: sem saber o que é a Europa. Merkel sabe, claro. E é, cada vez mais, a afirmação da Europa.
Antes dos “ses" e dos “mas” convém lembrar: Emmanuel Macron ganhou; Mariene Le Pen perdeu. E não foi por pouco. Mesmo que se pudesse desejar que fosse por mais. E Macron não facilitou. Não piscou o olho ao eleitorado de Le Pen (como Fillon). Não procurou a simpatia de Mélenchon (que não lhe deu os votos).
Mas, mais importante, Macron não foi na cantiga de Le Pen. A candidata da Frente Nacional insistiu que o ex ministro de Holland era o candidato das élites: um banqueiro, rico, europeísta e liberal. Ele não negou o que é: lembrou, apenas, que a (alegada) candidata do povo é, afinal, a herdeira rica de um colaboracionista nazi, que cresceu num castelo. Ele não herdou. Teve que se fazer à vida.
Há muitas incógnitas quanto ao futuro de França. A Frente Nacional tornou-se o primeiro partido nacional e anunciou a sua fusão com o outro partido de extrema direita. Os partidos do centro estão em crise. E não se sabe, ainda, quanto vão valer os partidos de Macron e Mélenchon. Estamos,a penas, a seis semana de novas eleições.
Mas, ontem, foi clarinho: 66 - 34. Macron ganhou; Le Pen perdeu. E ouviu-se o Hino da Alegria.
Volta a França. Macron, Fillon, Mélenchon e Hamon: quatro candidatos com nomes terminados em “on”. Os três últimos terminaram a etapa, mas saíram da prova. O primeiro dos quarto quer vencer a Volta. A outra candidata, em prova, também quer vencer. Para acabar com tudo.
Olhando para a tabela classificativa:
Macron: venceu a etapa. Mas, não tem grande equipa. Aliás, não tem equipa: nem grande, nem pequena; nem boa, nem má; nem esquerda nem direita. Pedalou ao centro. Correu-lhe bem.
Le Pen: tem uma máquina bem oleada: É velha, mas parece nova. É uma escaladora: subiu bem à montanha. Mas derrapa, sempre, nos circuitos urbanos.
Fillon: guinou a direita, para a direita. Derrapou e caiu. Está por apurar a gravidade da lesão.
Mélenchon: optou pela pista da esquerda. É formosa, é segura, mas não ganha. Não se sabe quem é que ganha com isso.
Hamon: o PS apostou no melhor atleta para ganhar, e teve a sua maior derrota. A culpa é do treinador?
A Volta a França, continua. Agora com dois atletas. Fazem-se à estrada e aceleram. Correm contra o tempo.
Carlos Moedas deu hoje uma entrevista, muito interessante, no Público. Moedas mostra que é mais do que um tecnocrata. É um político, consciente de que a "política é cada vez mais técnica e a técnica e cada vez mais política". Pode parecer uma banalidade, mas não é. Um dos problema da política na Europa, é que, nos últimos anos, tem sido protagonizada por quem faz "apenas" uma coisa ou outra.
Outro tiro certeiro de Moedas: o populismo. Diz Moedas: "Muitas vezes os diagnósticos dos populistas como o Nigel Farage (UKIP) e Marine Le Pen (Frente Nacional) põem o dedo na ferida, mas depois não sabem curar a ferida ou então a cura que tem é cortar a mão". A leitura é muito interessante. É que, muitas vezes - à esquerda e à direita - perde-se demasiado tempo a negar a ferida ou, mesmo, o dedo. E isso, é abrir o caminho para os demagogos.
Para a generalidade dos portugueses Moedas sempre foi um tecnocrata. Um bom aluno que aplicava as regras da troika e fazia as contas: sem questionar, nem pestanejar. Até o nome ajudava: Moedas. O comissário europeu mostra que é um político. É a outra face de Moedas.
Durante as férias, temos mais tempo para conversar. Com a nora do Senhor Rodrigues, por exemplo. A conversa passou por Londres, onde a senhora viveu. Foi emigrante.
Alguém falou do ambiente cosmopolita de Londres: diferentes etnias, religiões, cores de pele, orientação sexual, línguas, sotaques. O postal turístico de uma grande cidade europeia. Mas, rapidamente, a coisa evoluiu para os que não se querem integrar, que não trabalham, que vivem da segurança social, que se reproduzem como coelhos, etc. Numa altura em que o Eurotúnel está entupido e Calais rodeado de arame farpado, eis o emigrante, com um discurso racista.
Infelizmente, não surpreende. Há uns anos vi emigrantes portugueses em França, numa manifestação de apoio à Frente Nacional. “Então mas os senhores apoiam um partido que é contra os emigrares?”, perguntava um repórter da RTP. “O Le Pen gosta dos portugueses. Ele não gosta é dos ‘magrebes’, que vêm para cá e não querem trabalhar”. Pois, é sempre assim. São sempre os outros.
Será que a imagem de uma criança morta a dar à costa, na Turquia, muda alguma coisa?