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Chego à redação.
- O tipo não grava declarações.
- Como assim? Acabou de nos mandar um comunicado!
- Pois, mas não grava. Diz que nós trocamos tudo o que ele diz e que não gosta de alimentar polémicas.
- E o que é que há de tão polémico no crescimento das exportações do têxtil-lar?
- Eu sei lá!
Intervenho.
- Acabo de chegar de uma reportagem, com uma pessoa com os mesmos receios.
- Em que área é que trabalha?
- Numa área muito polémica.
- Qual?
- Brinquedos tradicionais.
- O que é que isso tem de polémico?
- Pelo que percebi, tudo: desde a escolha das madeiras, às colas, tintas e vernizes.
- Ui, temas fraturantes!
- Exato. Nem sei como é que as juventudes partidárias não pegaram nisto.
Querida Kate, parece que os moderninhos descobriram que a sua música é nova. Claro que é nova. Tão nova, que lhes foi preciso esperar pela televisão por cabo, com séries em "streaming" e temporadas, com alta definição e largura de banda. E muitos não-sei-quê: não-sei-quê-k, não-sei-quê-g, não-sei-quê-hd.
50 anos, faz este disco, 50. Meio século deste disco, de uma vida. A minha. Foi o Júlio quem mo deu. Primeiro, emprestou-mo. Ouviu-o de um lado e do outro, depois do outro lado e do outro e do outro. Tem dois lados, eu sei. Quem diria. Quando achei que já o tinha ouvido de todos os lados, depositei-o nas mãos do Júlio. "Fica com ele", disse-me. "Nem pensar". "A sério", insistiu, "tu gostas mais dele, do que eu". "Até pode ser, mas é teu". "Esquece, eu gosto mais de rock". "Mas, este, até tem um bocado de rock", digo-lhe. "É, mas tem demasiado Bob Dylan. E eu sou mais Rolling Stones". Certo. Dos Rolling Stones, o Júlio passou para os Metallica e para bandas que nem gosto, nem conheço. Eu fui para outros lados, mantendo o Godinho por perto, deixando o Júlio fugir para longe. Este é um disco de viagem. De tantas viagens. Os Sobreviventes.
"És lindo", grito-lhe, do outro lado da rua. "Tu é que és!", responde-me o Arsénio, com um sorriso de orelha a orelha. Sempre lhe invejei o sorriso, e não só: o porte, o estilo, a elegância, a pinta, a ginga. O Arsénio tinha o ar de quem conseguiria sacar as miúdas mais jeitosas do liceu. Era só querer. Mas não quis. Tanso. Sacou uma e casou com ela. Sempre na moda, começou a usar fatos de estilista, de bom corte, que combinava, impecavelmente, com peças mais descontraídas, de bom gosto. Mais tarde, começou a descobrir a sua negritude e a usar, também, peças de inspiração africana. Chamávamos-lhe o Arsénio Sexual e brincávamos com a sua boa figura: "Nunca te acusaram de Arsénio Sexual?" "Não, que eu sou um rapaz bem-comportado", respondia, sempre a sorrir. O Arsénio é uma figura. É tipo eu: só que mais alto, mais negro, mais musculado, mais charmoso, mais tudo. Fora isso, quase que somos parecidos. Ah, ele é parecido com o Jorge Fonseca.
[Foto: Jeon Heon Kyun-Epa]