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"Ai, queridos, estou tão triste. O meu Balsemãozinho vai-nos vender a todos!" A nossa camarada tinha todas as razões para estar triste. O último grande patrão dos media preparava-se, na altura, para vender todas as revistas do grupo Impresa. "Sabe-se lá, para quem é que vamos trabalhar..." Esse era, de facto, um grande problema. E continua a ser. Para o melhor e para o pior, sabia-se de quem eram as revistas. Quem era o "patrão". A quem é que se devia dirigir os elogios. A quem é que se podia fazer críticas, pedir responsabilidades e exigir explicações. Os grandes patrões dos media têm vindo a ser substituídos pela mão invisível do capitalismo financeiro. Sem rosto. Cada vez mais, os jornalistas, essenciais para o escrutínio da democracia, trabalham para organizações que são muito pouco escrutinadas e muito pouco escrutináveis. São fundos, que detêm empresas, que controlam outras empresas, que se dizem donos das empresas de media. O que poderão dizer, atualmente, os jornalistas com a vida em suspenso: "Ai, a minha "comparticipadazinha", com capitais de risco, vai-nos vender a todos" ou "Ai, o meu "offshorezinho" vai-me despedir"?
Não sou da TSF. Nunca fui. Mas quis ser. E tentei. Depois de uns telefonemas, fui recebido por um jornalista, da velha guarda: afável, bonacheirão. "Portanto, gostavas de vir para cá trabalhar?", perguntou-me. "Sim", respondi "gostava muito". "Ouvi umas coisas tuas, vi o teu CV, mas temos um problema". "Ai, sim?", disse eu, a adivinhar a resposta. "É que nós não estamos a admitir pessoas, estamos a despedi-las". E, mais à frente, "Gostava de te dizer que isto é uma fase, mas acho que não é. Estes gajos não vão descansar, enquanto não acabarem com esta mer... Desculpa, não te devia estar a dizer estas coisas. És jovem, tens sonhos e tal... " Foi há mais de 20 anos. Tem sido assim, há mais de 20 anos, a pensar que "pior é impossível". Infelizmente, não é. É sempre possível. Só não é surpresa. Devia ser, mas não é.
O líder do PSD responde a uma pergunta. Depois, responde a uma segunda. E, finalmente, responde a uma terceira. Três perguntas feitas, inevitavelmente, por três jornalistas da televisão. Depois, o líder do PSD faz um movimento para trás, em direção ao microfone: "e um bom ano para todos". "Bom ano!", ouço alguém a responder. Reconheço-lhe a voz. É de um camarada da rádio. A rádio: um meio que a generalidade dos políticos teima em ignorar. Mesmo agora, numa altura em que uma delas se está a afundar, perante a estupefação de tantos. Claro que esta é a altura de arregaçar as mangas, pegar num balde e tirar a água do convés. Mas nada nos impede de pensar, como é que chegámos aqui.
Paul Auster, a escrever sobre livros e jornais, no livro 4 3 2 1.
"O encanto dos jornais era completamente diferente do encanto dos livros. Os livros eram sólidos e permanentes, e os jornais eram efémeros e finos, descartados logo que tinham sido lidos, para serem substituídos por outros na manhã seguinte, todas as manhãs um jornal novo para o dia novo. Os livros avançavam numa linha reta do princípio ao fim, ao passo que os jornais estavam sempre em vários sítios ao mesmo tempo, uma miscelânea de simultaneidade e contradição, com múltiplas histórias a coexistirem na mesma página, cada uma expondo um aspeto diferente do mundo, cada uma a afirmar uma ideia ou um facto que nada tinha a ver com a que estava a seu lado, uma guerra à direita, uma corrida de ovo e colher à esquerda, um edifício a arder em cima, uma reunião de escuteiras em baixo, coisas grande e pequenas misturadas (...)".
"O significa ser pró-russo?", quis saber o repórter Luís Peixoto, na região separatista do Donbass. E sintetizou: "Há os que nasceram na Rússia. Há os que sempre viveram na cultura russa. E os que, sentindo-se ucranianos, guardam mágoa ao país por bombardear o Donbass, há quase 9 anos".
Em Kiev e em Kharkiv, o repórter Nuno Amaral "pintou" a reportagem, com a melodia de uma canção que o ocidente conhece como "Hey, Hey, Rise Up!". A canção dos Pink Floyd (David Gilmour e Nick Mason), com o cantor ucraniano Andriy Khlyvnyuk. Quando saiu, a imprensa ocidental destacou que a canção "fez juntar os Pink Floyd em estúdio, pela primeira vez, em 28 anos". Mas, entretanto, Roger Waters (que foi o principal autor dos Pink Floyd) fez uma série de declarações que foram interpretadas como pró-russas. Depois, David Gilmour e Roger Waters trocaram palavras azedas, em público. Para todos os efeitos, a ideia que ficou foi que a guerra na Ucrânia dividiu os Pink Floyd.
A guerra divide sempre. Quando se fala em união, é, apenas, a união de uns contra os outros. A guerra na Ucrânia começou, há quase um ano. E nem na data, as pessoas conseguem estar de acordo.