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De facto, estar de folga é muito desagradável. Ter de pagar para ler o jornal, num local desinteressante, que serve café mediano e pastéis de qualidade muito questionável. Enfim...
Paul Auster, a escrever sobre livros e jornais, no livro 4 3 2 1.
"O encanto dos jornais era completamente diferente do encanto dos livros. Os livros eram sólidos e permanentes, e os jornais eram efémeros e finos, descartados logo que tinham sido lidos, para serem substituídos por outros na manhã seguinte, todas as manhãs um jornal novo para o dia novo. Os livros avançavam numa linha reta do princípio ao fim, ao passo que os jornais estavam sempre em vários sítios ao mesmo tempo, uma miscelânea de simultaneidade e contradição, com múltiplas histórias a coexistirem na mesma página, cada uma expondo um aspeto diferente do mundo, cada uma a afirmar uma ideia ou um facto que nada tinha a ver com a que estava a seu lado, uma guerra à direita, uma corrida de ovo e colher à esquerda, um edifício a arder em cima, uma reunião de escuteiras em baixo, coisas grande e pequenas misturadas (...)".
Temos uma relação estranha, eu e o Portugal em Direto. Gostamos um do outro, mas vemo-nos pouco. Sou uma espécie de tio solteiro - desses que toda a gente tem, na família. Mando uns postais, de vez em quando. Faço uma visita, de vez em quando. Trago guloseimas, de vez em quando. Acho que o Portugal em Direto gosta de mim, apesar de eu não morar no estrangeiro, nem ter um descapotável, como alguns desses tios. Hoje, o Portugal em Direto trouxe-me companhia - a jornalista Teresa Silveira que, apesar de ter a vida inscrita na imprensa escrita, parece que nasceu para a rádio.
Pelé morreu. Na rádio, na televisão, nos jornais, lembram o epíteto: "rei". O rei Pelé. O meu coração republicano lembrou-se, no entanto e de imediato, que Pelé foi ministro do desporto, no governo de Fernando Henrique Cardoso. Um homem negro, pouco escolarizado, vindo da pobreza, catapultado (pelo futebol) para o estrelato mundial, era, agora, ministro. Poucos anos depois, outro negro famoso tomou posse como ministro (desta vez, da cultura): Gilberto Gil. Não faço ideia se foram bons ministros, mas não posso deixar de pensar o quão inspirador terá sido, para tantos jovens negros e pobres, ver dois dos seus serem empossados no cargo de ministros. Aqui, os dois posam para a fotografia. Há um terceiro, na fotografia: Caetano Veloso. Um "negro quase branco", que nunca foi ministro, mas que, há muito, reina no meu coração republicano.
Coisas que se encontram no lar da minha mãe. Saúde e Lar. Saudinha é o que é preciso.
Por um lado, faço um esforço por estar, cada vez mais, atento à atualidade. Por outro, aprecio, cada vez mais, a minha "distração". Há pouco, apercebi-me que hoje não tinha passado os olhos pelo Diário de Notícias. Agora, acabo de me aperceber que estou a ler o jornal de segunda-feira. Não lamento. Pelo contrário. Acabo de ler a coluna do jornalista Paulo Baldaia "Isto ainda não é a Ucrânia". Alerta o autor que a presença da embaixadora da Ucrânia no desfile "alternativo" do 25 de Abril, protagonizado pela Iniciativa Liberal, e a sugestão da ilegalização do PCP, por parte do presidente da Associação dos Refugiados Ucranianos, são muito questionáveis. Num tempo de trincheiras, Paulo Baldaia recorre a uma expressão que associo à tropa que não fiz: "à vontade não é à vontadinha". Lembra, a seguir, que, em Portugal, não está em curso qualquer "processo de descomunização". E, depois, defende a liberdade. A mesma liberdade que usa, para criticar o PCP. A mesma liberdade que usa, para apoiar o povo ucraniano. A mesma liberdade: para criticar o governo russo ou o governo ucraniano. A liberdade devia ser igual para todos. Mas sabemos, todos, que não é.
Pode ler o artigo aqui:
https://www.dn.pt/opiniao/isto-ainda-nao-e-a-ucrania-14816661.html
Há palavras que valem mais que mil imagens.
Uma guerra, qualquer guerra, não deve ser vista a preto-e-branco. Para que não seja vista a preto-e-branco, é preciso mostrar outras cores. Neste caso, optou-se pelo cor-de-rosa. Estou elucidado.