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A dada altura, os discos de vinil começaram a rarear. O CD é que era. Era moderno, era "cool" e era caro. O vinil já era. Aproveitei para comprar alguns discos adiados, que, agora, estavam abandonados nas prateleiras. Aproveitei para experimentar outros géneros musicais adiados, como o jazz. Mas, por onde começar? Comprei este disco, sem ouvir. Algo que não costumava fazer. Mas, a papelaria não tinha gira-discos. Não conhecia Ahmad Jamal, mas já conhecia Gary Burton. E conhecia a "Manhã de carnaval", de Luiz Bonfá, que abre o disco. E já sabia que o amor entre o jazz e a música brasileira dava bons filhos. Levei a dupla para casa. A papelaria já faleceu, há uns anos. Ahmad Jamal morreu, há dois dias.
Olhem que coisa mais linda, mais cheia de graça, que acabo de ler:
"Não moro na terra do jaze, esse país que tu nos contas, onde as coisas ouvidas não se complicam, são o que som."
José Mário Branco, em 1981, no livro "João na Terra do Jaze", de José Duarte.
José Duarte tem uma janela linda, de Siza Vieira, virada para a Ria. Hoje, fui revê-la e conversar com a professora Susana Sardo sobre o espólio que José Duarte doou à Universidade de Aveiro, há cerca 20 anos. Por essa altura, conversei com ele. Comecei por citar as suas palavras: "Jazzé, quem é? Jazzé é de como Jozé vivia o jazz." Pedi-lhe para assistir a uma das suas aulas. "É para viver o jazz?", perguntei. "Talvez sim". E falámos de jazz e de outras músicas e de rádio e de livros. "Ouve muito jazz?", perguntou-me. "Não", respondi, "mas tento muito". "Não desista." José Duarte morreu, aos 84 anos, depois de seis décadas ao serviço do jazz. A conversa, com Susana Sardo, está aqui.
https://www.rtp.pt/play/p1467/e682144/entrevista-tarde-antena-1
O compositor tinha 94 anos e uma carreira repleta de grandes canções. Colocaram-no na categoria de "easy listening". O pai de Miguel Esteves Cardoso dizia que o que Burt Bacharach fazia era "difficult composing". Era tão bom a compor, que ouvíamos tudo sem esforço.
Bacharach começou, ainda nos anos 50, ao lado de grandes "crooners" como Vic Damone e Perry Como e de grandes divas, como Marlene Dietrich. Na transição para os anos 60, já com a cumplicidade do letrista Hal David, escreveu inúmeros sucessos para a voz de Dionne Warwick como "Walk on by", "Alfie" ou "l'll never fall in love again". Ou, ainda, "I say a little prayer", que voltaria a ser um grande sucesso na voz de Aretha Franklin. O mundo despontava para rock, mas Bacharach gostava do jazz de Dizzy Gillespie e Count Basie. Em 1968, o seu amor pelo jazz foi coorrespondido por Stan Getz. O saxofonista gravou, para a editora Verve, o "songbook" de Bacharach. Vários músicos de jazz juntaram Bacharach ao seu repertório.
O cinema também foi muito importante: Dusty Springfield cantou "The look of love", para a banda sonora de "Casino Royal"; BJ Thomas cantou "Raindrops Keep Fallin' on My Head" para o filme "Dois Homens e Um Destino. A canção foi premiada com Óscar. A conquista viria a ser repetida com a canção que Christopher Cross interpretou no filme "Arthur, o Alegre Conquistador".
Burt estava fora de moda, desde meados dos anos 70, e assim continuou até aos anos 90, quando gravou um disco com Elvis Costello, premiado com um Grammy. Nessa altura, os novos músicos resgatavam a sua música leve e pop, inspirada nos grandes compositores americanos como Gershwin ou Cole Porter, no jazz, na bossa nova ou noutros ritmos latinos. Em 2012, Bacharach e Hal David receberam o prémio Gershwin. Imagino o orgulho que deve ter sentido. Olho agora para ele, na prateleira da minha sala, na letra B. Está com um bom "look". Tem Britten e Bach de um lado, Bryan Ferry do outro. Acho que não está mal acompanhado.
"Que engraçado", pensei, "o tipo dos Jáfu'mega anda a tocar jazz com o António Pinho Vargas". Na minha cabeça, Mário Barreiros tinha trocado a guitarra pela bateria, e o rock pelo jazz . Afinal, (soube depois) a coisa já vinha de trás e manteve-se à frente. Reencontrei Mário Barreiros na banda de Rui Veloso e em várias formações de jazz. Antes, mesmo, de se transformar num produtor omnipresente em Portugal, com a sua marca e o seu vasto talento em discos de Pedro Abrunhosa, Clã, Ornatos Violeta, Silence 4, David Fonseca, Blind Zero, Da Weasel ou Xutos e Pontapés. Mário Barreiros continua a tocar bateria. Amanhã (não faço ideia) poderá estar a tocar com os The Gift. Hoje, de certeza que não: tem dois quartetos, para levar à Casa da Música.
Em Tóquio, um grupo de jovens quis tirar uma fotografia connosco. Foi em Shibuya - um bairro da moda, onde os jovens se costumam juntar. "You're so exotic", dizia a rapariga japonesa de cabelo cor-de-rosa, top com purpurinas, mini saia leopardo, meias de renda e sapatilhas. "Exotic? Quem, nós?!", perguntámos. Nós, exóticos pela primeira vez. E tirámos uma foto. Uma "purikura" (foto tipo passe, autocolante), que o tempo ainda não era de "selfies" e os telemóveis ainda não eram inteligentes. Eramos exóticos, sim: europeus, do sul - baixos, morenos, cabelos ondulados, narizes grandes. Aos nossos olhos, eles também eram, claro. Olhos que, por sua vez, eles consideravam do mais "exotic" que há. Lembro-me que, nessa noite, fomos dançar para uma discoteca que passava, sobretudo, música de inspiração brasileira: samba e bossa nova, misturada com jazz e música eletrónica de dança. Dançámos, juntos, com os jovens modernos de Shibuya. Eles porque era "exotic". Nós porque - pela primeiro vez, em vários dias - nos sentíamos em casa, estando no centro de Tóquio. O que, também, acaba por ser exótico.
Joe Jackson é um artista surpreendente. Começou na ressaca do punk, com uma mistura de pop, rock e reggae. Uma receita que o colocou perto de Elvis Costello ou dos Police. Ao quarto disco, porém, Joe Jackson deixou toda a gente de boca aberta, ao abordar standards do jazz e do swing, em "Jumpin' Jive". A seguir, numa altura em que as guitarras dominavam a pop britânica alternativa, manteve um certo tom "jazzy" e mergulhou na soul, no funk e na música latina. E, depois, na música clássica e contemporânea, novamente no jazz, e, mais tarde, regressou às guitarras. É difícil desenhar-lhe o percurso. Porque não é uma estrada. É mais o organograma exibido neste "Best of", de 1990. Com um organograma destes, voto em Joe Jackson para empregado do mês.
Pessoas distraídas (sim, estou a falar para pessoas tipo eu): o verão já chegou!
E, no verão, diz a canção dos irmãos Gershwin, a vida é mais fácil.
"Summertime" nas mil e uma vozes de Al Jarreau, com um solo de pandeireta de Paulinho da Costa.
Como qualquer sopeira, gosto de pechinchas. Por exemplo, gosto de visitar uma certa loja francesa, para comprar a preços do chinês. Peguei no disco "Givin' It Up" de George Benson e Al Jarreau, porque estava barato. O disco abre com um clássico de cada um. O que é mais engraçado é que Jarreau "vocaliza" um instrumental de Benson (Breezin') e Benson "instrumentaliza" um tema de Jarreau (Morning). Mas é mais do que isso. Benson é um guitarrista de jazz que, progressivamente, se foi tornando cantor. Jarreau não é, apenas, um cantor. É um instrumentista genial, que toca voz. Morreu no ano passado e a maioria das pessoas apenas se lembrava do tipo que cantava a música do "Modelo e detetive". Benson e Jarreau têm outra coisa em comum: um talento enorme que, por vezes, foi abafado por opções artísticas duvidosas.