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Um tango argentino, de Piazzolla; na voz de uma jamaicana, modelo em Paris e cantora em Nova Iorque. Diz que são precisos dois, para dançar Libertango.
[Foto: Paulo Nuno Vicente]
No livro "Barroco Tropical", José Eduardo Agualusa descreve-nos uma Luanda em decadência. O protagonista é um escritor, casado com a filha de um militar do regime. Vivem no topo de um arranha céus. Mas o prédio está inacabado. No topo, vivem os ricos. Nos andares enterrados no solo, vivem os indigentes, os traficantes, as prostitutas, os marginais. Normalmente, não se cruzam. Mas vivem debaixo do mesmo tecto. "Que alegoria tão forte", pensei. Angola deve ser isto.
O livro lembrou-me uma canção de Caetano Veloso e Gilberto Gil chamada "Haiti". Na altura, o Haiti tinha sido arrasado por um furação. Um dos muitos que, regularmente, assolam o país, demasiado habituado a furacões e miséria. E, perante as miséria do Brasil, a dupla canta "O Haiti é aqui". O Haiti pode ser ali, no Brasil; ou ali, em Angola. E pode ser aqui, em Portugal? Pode.
A Rita Colaço foi à Jamaica. Não foi em lua de mel. Não foi em cruzeiro. Foi em reportagem. O bairro da Jamaica, fica no Seixal, às portas de Lisboa - a antiga capital do império. É um conjunto de esqueletos de betão abandonados por um construtor falido. As pessoas - sem casa, sem terra, sem emprego - foram ocupando os prédios, piso a piso. Preencheram-nos de tijolos e gente. Abaixo do solo não está gente, como no livro de Agualusa. Mas estão dejectos de gente, a corroer a saúde da gente e do prédio. As fundações estão em perigo e um dia, enquanto as entidade discutem a solução para o problema, a casa vem abaixo.
Jamaika também é Portugal, diz Rita Colaço. Pois é, Rita. E "o Haiti é aqui".