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Antonietta (Sophia Loren) acorda numa casa cheia de filhos. É dona de casa, diríamos nós. Um nome que se dá (ironicamente) a quem não é dono de nada: nem si próprio. Para ela, vai ser mais um dia como os outros. Para a família, que prepara com zelo, será "Um Dia Inesquecível". O dia em que Mussolini irá receber Adolf Hitler, com pompa e circunstância. O filme de Ettore Scola, não vai mostrar, no entanto, a Roma imperial em festa. Adivinham-se paradas militares, banhos de multidão, encontros palacianos. Mas, da festa, chega apenas o som, emitido pelos altifalantes. O som rodeia os únicos personagens que ficam em casa, num prédio, agora vazio: Antonietta e Gabrielle (Marcello Mastroianni). O som vai-se desvanecendo, à medida que os personagens vão mergulhando, um no outro e dentro de si próprios. No final do dia, "inesquecível", Antonietta irá voltar à algazarra que lhe esvazia a vida; Gabrielle irá partir, escoltado pela polícia, para o que, na melhor das hipóteses, será um exílio. Está visto, a história (não vou contar detalhes) não acaba bem. A Itália (sabemos, da história) não acabou bem. A Itália acorda, hoje, com saudades não sei de quê.
Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto
"No filme 'A Lista de Schindler'", recorda o compositor John Williams, "há uma cena em que um violinista, judeu, entretém um grupo de oficiais nazis. Então, eu disse ao Steven 'seria bom termos um violinista' e pensei, logo, no Itzhak. Ele veio ter connosco e viu uma parte do filme, mas começou a ficar tão emocionado que disse 'eu não consigo ver mais, o melhor é começarmos a tocar'". E tocou. E, desde então, não parou de tocar. Onde quer que vá - da América do Norte, ao Extremo Oriente; do Norte da Europa à África do Sul - pedem sempre a Itzhak Perlman que toque esta peça.
Aqui, tocou-a num concerto de homenagem a John Williams, com a Orquestra Filarmónica de Los Angeles, dirigida pelo maestro Gustavo Dudamel. Aqui, ele toca-nos. Uma vez mais.
Um jogador de futebol apresentou-se, aos sócios e à imprensa, com uma t-shirt com a imagem de Franco. O ditador é espanhol, o clube também, o jogador é português. Mas o caso deu que falar nos jornais e nas redes sociais. Não gosto destas ondas de indignação politicamente correctas. Mas o caso, é lamentável.
Em comunicado, o jogador reagiu: “Peço desculpa por não conhecer a história de Espanha, mas de facto não fazia a mínima ideia de quem era esta pessoa... até agora!”. Desculpas aceites. A seguir acrescenta “Eu (…) não tenho ideais políticos e nunca votei na minha vida!”. Isso já é mais grave. Mas há pior.
Quando lhe perguntaram se ia deitar a t-shirt fora respondeu “Nem pensar, era só o que faltava!” Que é como que diz:
“Só porque o senhor fez uma guerra civil, com a ajuda de Hitler e Mussolini, que provocou a morte de um milhão de pessoas?”
“Só porque perseguir, torturou e matou milhares de pessoas durante a sua governação, de quase quarenta anos?”
“Só porque a ditadura durou até à morte de Franco?”
“Era só o que faltava! A t-shirt custou-me 30 euros”
O que é mais triste, é que a pobre criatura não aprendeu nada. Desculpa-se a ignorância. Já a estupidez…
Há um diálogo perturbador quase no final do filme Seven, de David Fincher. O jovem polícia (Brad Pitt) não consegue entender a crueldade do assassino (Kevin Spacey). Este responde que só cumpriu o seu trabalho. Quando o polícia lembra a violência do “seu trabalho”, o assassino lembra-lhe que ele, enquanto polícia, também faz uso da violência. O polícia responde que o criminoso tem um prazer sádico nas suas execuções. Este responde que não há nada de errado em retirar prazer do trabalho. Isso só o ajuda a ser melhor naquilo que faz. Obviamente, o assassino é um manipulador. Mas o seu discurso (quase) parece fazer sentido.
Lembrei-me deste diálogo, ao chegar ao fim das Memórias da Segunda Guerra Mundial, de Winston Churchill. O homem tinha muito gosto naquilo que fazia. E, provavelmente, isso foi uma das condições que o fez declarar e ganhar a guerra a Adolf Hitler e o regime nazi. Já sabia da força e determinação de Churchill. Mas surpreendeu-me a forma como, ao longo do livro, vai adjectivando a guerra, e o prazer que revela no seu trabalho. Porque a guerra não é um trabalho qualquer.