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"Ardeu tudo, lá em cima", lamentava o jovem autarca, "Foi muito mau. Nem sei como é que não foi pior". A ideia era simples: visitar as terras que tinham ardido, no verão anterior. Tentar perceber o que estava recuperado, o que estava por recuperar, e se havia alterações na gestão da floresta. "As pessoas", dizia-me, "estão sempre a perguntar porque é que não se fecha esta ou aquela estrada. Isso não faz sentido." "Porquê?", pergunto. "Porque as estradas não são para fechar. São para circular". "Interessante", digo, "podemos gravar"? "Não, porque isto é muito polémico. No ano passado, ficámos isolados a combater o fogo, porque fecharam as estradas e os bombeiros não conseguiam passar. Portanto, a questão que deve ser feita é 'porque é que se fecham as estradas?'" "E qual é a sua resposta?", insisto. "Porque tem de ser, claro. Mas tem de ser, porque se deixa plantar eucaliptos até à beira das estradas. De resto, deixa-se plantar eucaliptos em todo o lado. E, depois, deparamo-nos com frentes de fogo de 50 km, ou mais." "Mas acha que as coisas vão melhorar?" O autarca escolheu os ombros: "Eu acho que sim. Mas, se calhar, ainda vão piorar - antes de começarem a melhorar." Premonitório. Esta conversa foi anterior a 2017. E continua-se a ter de fechar as estradas.
Quando nos falha tudo... temos Gonçalo Ribeiro Telles. Nesta entrevista dá cabo de uma série de ideias feitas: a de que é preciso limpar os terrenos, por exemplo. Que pena que não o ouçam. Que pena que, apesar de ter estado no poder, nunca tenha tido poder efetivo...http://visao.sapo.pt/actualidade/portugal/2017-06-20-Goncalo-Ribeiro-Telles-Esta-entrevista-tem-14-anos-mas-podia-ter-sido-dada-hoje
E pronto, está tudo bem quando acaba em bem. O CDS censura. O PR demite. A ministra sai. Costa aceita. Passos acusa. A TV aplaude. E o país recolhe às cortes. De onde nunca se viram árvores. Muito menos, florestas.
Há um mês, celebrámos o 10 de Junho. Em tempos, foi o dia da raça. Já não é, e ainda bem. Sobrinho Simões começou o seu discurso, por aqui. Não temos pureza de raça - disse ele, mas somos especiais. Temos uma herança genética, que acolhe e dissemina os genes da humanidade. Porque temos genes europeus, ameríndios, africanos. Porque temos uma herança judaica e árabe. Porque navegámos, colonizámos, emigrámos. E, com isso, espalhámos genes e (até) doenças.
Somos especiais - disse Sobrinho Simões, no Dia de Portugal. Porque temos dado passos de gigantes: na educação, na saúde, na ciência, na inovação. Formámos novas elites. Mas, o privilégio - considera, tem de ser acompanhado de responsabilidade. Temos que ser exemplares, de cima para baixo.
Uma semana depois do discurso do médico, professor, investigador e patologista, começaram os fogos em Pedrógão Grande. Fiquei a pensar em Sobrinho. É preciso ouvir Sobrinho, neste país em que andamos sempre “ó tio, ó tio”.
Por causa de Coelho, sacamos um Camões da cartola: "Erros meus, má fortuna..."
Ainda as chamas lavravam em Pedrógão Grande e Castanheira de Pêra. Ainda as labaredas se alastravam em Góis e Pampilhosa da Serra. Ainda o fumo toldava a visão dos que trabalhavam no meio do fogo. E já havia quem exigisse fumo branco. Começou "O Pesadelo em Ar Condicionado", pensei, roubando o título de um livro de Henry Miller.
O pesadelo decorre, invariavelmente, no Monte Olimpo, com os clientes do costume. Uns permancem na frescura do ar condicionado. Outros, deslocam-se aos locais, em viaturas velozes e climatizadas, que replicam o Olimpo em quatro rodas. Chegados ao local (um qualquer, que só tem nome durante a desgraça), permanecem o tempo mínimo exigível e, depois, regressam ao Olimpo: o palco de todas as questões e discussões; de todas as conclusões e ilações.
É, por isso, que é tão importante o trabalho dos repórteres, que permanecem nas terras devastadas pelo fogo. Para que seja ali (e não, no Monte Olímpo) que se fale dos incêndios.. Fala-se com gente real e tangível; que troca os "bês" pelos "vês"; que falha na concordância entre sujeito e predicado. "E agora?", pergunta o repórter Nuno Amaral, na Antena 1. Agora, "é andar para a frente"... diz Lucinda. Ermelinda, sujeita com todos os predicados (nascida, batizada e casada em Alvares, no concelho de Góis), está em concordância com a primeira. Esta gente concorda no essencial, para não se perder nas discordâncias verbais do Monte Olimpo.
Fogos. Em tempo de guerra, não se limpam armas. Agora, com a guerra em rescaldo, talvez já seja. Mas, limpar armas é diferente de afiar facas.