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- Temos de almoçar depressa.
- Porquê?
- Porque o mano tem de ir tomar uma vacina.
- O quê, já?!
- Como assim?
- Pensei que o mano fosse dos últimos!
- É uma vacina que estava em atraso. Espera lá, não é a vacina que está a pensar!
- Ai, não?!
- Não. Sabes, há mais doenças e há mais vacinas. Não é só a da Covid.
- A sério? Não sabia.
Mais velho - Acho que não gostei muito do filme.
Mais novo - Eu gostei.
Mais velho - Achei um bocado esquisito.
Mais novo - Porquê?
Mais velho - Não sei. Talvez porque, como não tinha diálogos...
Mais novo - Por isso é que eu gostei...
Mais velho - acabei por não perceber muito bem a história.
Mais novo - não tinha aquelas coisas em baixo para ler.
Mais velho - Hã?
Mais novo - Ai, credo, sou tão engraçado!
Filho - Sabes, pai, hoje um menino pôs-se debaixo da mesa e começou a chamar "Ó professora, professora, está-me a ver?" E a professora: "Não". E ele: "Oh, devo estar com problemas na câmara!"
Pai - A sério?
Filho - Sim. E, depois, uma menina começou a fazer sinais e a professora perguntou-lhe "O que é?" e ela começou a apontar para a folha. Sabes o que é que ela tinha escrito?
Pai - Não.
Filho - Dizia "Professora, fiquei sem microfone".
Com humor, as crianças estão a aprender a lidar com as novas tecnologias. Chamam-se aulas presenciais.
O som inicial dos trompetes anuncia uma jornada épica. Escolho os legumes e as facas e coloco a tábua de cortar na bancada. Descasco e corto nabos e chuchus, alhos e aipo. No final do primeiro andamento, a água com sal já ferve com os legumes. Lavo, escolho e escorro os espinafres. Sinto o drama a crescer. Pico alhos, coloco-os em lume brando com azeite, escorro o atum e junto-o aos alhos. Escolho tomates maduros e corto-os em cubos pequenos, enquanto cresce a tensão entre as cordas e os sopros. Os tomates caem no tacho em conjunto com as azeitonas e as alcaparras. No terceiro andamento, danço, com copos, pratos e talheres, digo a “vida é linda”, mas dói-me a alma por ter que abafar as cordas com o som da varinha mágica. Coloco a rúcula e os agriões na saladeira, vêm-me as lágrimas aos olhos: não sei se é do “Adagietto” se é da cebola. Preparo o “Finale”, ponho a mesa e sirvo a sopa. A cavalaria chega a passos largos. Fim. Estou exausto. Ponho um disco dos Duran Duran, para descomprimir. Cá em casa, acham que eu vou de Mahler a pior.
Em 1992, David Sylvian era um nome incontornável da música pop. Nesse ano, entrou do disco "Heartbeat", do amigo japonês Ryuichi Sakamoto. Durante a gravação, conheceu uma morena linda de morrer. Apaixonaram-se e, mais tarde, casaram-se e tiveram filhos. Enfim, um conto de fadas. Tirando a estrela pop e o chinocas, parece a história da minha vida.
(Ouvimos Godinho, à hora de dormir)
- Esta música pareces tu a brincar com o mano, diz o mais velho.
- Porquê?, pergunto eu.
- Repara na letra: "Se morreres só te peço/Da morte volta sempre em vida".
- E...?
- Parecem as vossas brincadeiras, quando o mano te quer matar e tu começas a impor condições.
É verdade, costumo negociar as condições da minha morte com o mais novo. Eis alguns exemplos:
- Pai, vou-te matar!
- Ok, filho, mas mata-me ao pé do sofá, para eu cair com algum conforto.
Ou:
- Pai, vou-te dar um tiro.
- Certo, mas aqui está muita gente. Mata-me num local onde eu tenha mais privacidade.
Ou, ainda:
- Oh não, pai, acho que vou morrer!
- Tudo bem, filho, podes morrer. Mas, não te esqueças que o jantar é às oito. Se te atrasares, a mãe fica preocupada.
Eu e os meus filhos morremos muito, mas sempre com responsabilidade. Deve ser o amor, "Às vezes o amor".