por Miguel Bastos, em 02.11.20
Cabelo puxado para trás, com gel; óculos escuros, espelhados; t-shirt justa, com a marca em letras garrafais; calças abaixo da barriga, presas com um cinto brilhante; sapatos pretos, bicudos. "Então?", diz ele, ao tirar os óculos, "Já não me conheces?" "Então, não havia de conhecer?", respondo. "Sei lá, há tempo que não nos víamos, e eu agora estou assim, mais magro". "Ah, sim?", respondo. Na verdade, nunca o tinha visto mais gordo. "É pá, a brincar a brincar, perdi uns 20 kg" responde-me ele, a ajeitar o cinto. "Que bom, parabéns". Abre os braços, a simular a envergadura, e desenha o contorno da barriga com as mãos: "Pois é, pá. Estava bem acima dos 100 kg. Mas agora estou assim". "Impecável", digo, "como é que conseguiste? Dieta?". "Não!", responde de rajada. "Ginásio?", volto a perguntar. "Ainda tentei, mas não tenho paciência." "Então?", insisto. "É pá, realmente como menos porcarias, mas acho que é de dançar muito, ao fim de semana". "E isso chega?", pergunto. "E depois, com as gajas... aquilo não é só dançar... um gajo perde mesmo peso... estás a ver?" Pisca-me o olho e dá-me um toque com o cotovelo. "Estou a ver", respondo. Mas, este ano, não o vou ver. Pelo menos, ali. Este ano, o cemitério está fechado.