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- Comprei-te um livro.
- Ai, sim?!
- É do Paul Auster. Achei que estavas a precisar de ler ficção.
- Obrigado. Ele tem sempre uns livros pequenos, mas muito bons.
- Bom, não sei, mas pequeno não é de certeza.
- Ó pai, gostas das sapatilhas que te oferecemos?
- Gosto, são muito confortáveis.
- Calculei, são para pessoas como tu.
- Como eu... ?
- Sim, pai. Não sabias que essa marca é para senhores velhinhos?
A "silly season" é injustamente desvalorizada. Escrito, há dois anos:
Mais velho - Mas, afinal, como é que é essa praia do Meco?
Pai - Oh filho, é uma praia igual às outras. Tem, apenas, uma diferença...
Mais velho - Qual?
Pai - É conhecida por ser uma praia de nudistas.
Mais velho - Como assim?
Pai - As pessoas não usam roupa. Portanto, quando chegarmos, vamos ter que tirar os calções.
Mais velho - Ai não vou, não!
Mais novo - Eu tiro! Eu tiro!
Mais velho - Estás maluco, ou quê?
Mais novo - Tu é que estás. Nem penses que nos vais estragar as férias, por causa das tuas vergonhinhas!
(Escreve, Miguel, para aqueles dias em que tens dúvidas se estás a dar uma boa educação aos miúdos)
- O que é que estamos a ouvir, pai?
- Então, já ouvimos este disco tantas vezes.
- Eu sei, mas não me estou a lembrar. Eu conheço esta voz.
- Queres arriscar?
- Ainda não. Agora, é uma cantora...
- Chama-se Régine. E tem um convidado especial.
- É o Peter Gabriel.
- Como é que sabes, filho? Quase que nem se nota!
- Nem se nota? Oh, pai, esta voz é inconfundível!
- Cortaste o cabelo?
- Cortei.
- Não devias cortar tanto. Pareces mais velho.
- Ai, sim?
- Sim, notam-se mais os cabelos brancos.
- Certo.
- É engraçado, tu és o mais novo, mas és o que tem mais brancas.
- Obrigado, mãe, também gosto muito de ti.
Acordo, abro a janela e verifico que tenho uma carrinha funerária à porta de casa. Felizmente, uma das minhas qualidades é que sou bom para ir buscar a morte. Mantenho a calma. Preparo e tomo o pequeno almoço, despacho a criançada, vejo o correio eletrónico, arrumo a cozinha, tomo um duche rápido, visto-me e, finalmente, saio de casa.
Olho para dentro da carrinha: um colchão, dois sacos de cama, uma mochila, um saco de compras. Portanto, a carrinha funerária acampou, à minha porta. Suspiro, finalmente. Confesso: a dada altura, como no fado de Amália, "Cuidei que tinha morrido".
As crianças não têm boa fama. Hoje, é o dia delas e, portanto, vamos ouvir coisas como: " Descobrir a criança que há em mim", "As crianças são o melhor do mundo" e "As crianças são o dia de amanhã". Mas, amanhã, vamos ouvir coisas como: "Não sejas criança", "Estás a ser infantil", "Não vamos infantilizar". Houve um tempo, em que as crianças não existiam. Eram, apenas, adultos incompletos. Depois, passaram a existir. Rapidamente, no entanto, foram substituídas por uma nova espécie: os jovens. Os jovens, sim, são "fixes": têm beleza e força física, inteligência e ousadia, coragem e frescura. Convenhamos, quando dizemos que somos muito jovens ou que a avó está muito jovem - assim, sem adjetivos nem conservantes - estamos a tecer elogios. Mas, quando dizemos que a avó está a ser uma criança, não soa a elogio. Pois não?! O culto da juventude arrasou a ideia de crescimento e desenvolvimento, ao longo da vida. As crianças querem crescer muito depressa, para serem jovens. Chegados à juventude (e é tão depressa) querem-se manter lá, a vida toda. Percebo as crianças. Quem nunca quis ser grande? Já os adultos... Bem, acho que os adultos, com esta mania de serem "bué" de jovens, a vida toda... Os adultos, dizia, estão a ser muito... muito (à falta de melhor termo)... muito infantis.