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Já fui muito feliz, em Munique. E mais do que uma vez. Mas nunca vezes demais.
"Miguel, como é que é?", perguntava a amiga da minha mãe. E eu saía para a rua, braços do ar, dedos em "V", de vitória: "PPD! PPD! PPD!". Toda a gente sorria. Naquele tempo, o PPD era muito popular na mercearia da minha mãe. As senhoras elogiavam o Sá Carneiro e comparavam com outros políticos. Era muito melhor que o "bochechas" e infinitamente melhor do que o "cavalo branco". Uns "estes" e uns "aqueles". "Não viu n' O Diabo o que eles fizeram, desta vez?" "A Vera Lagoa é que os topa a todos." "Miguel, como é que é?" Na minha cabeça, o "bochechas" e o "cavalo branco" misturavam-se com o Major Alvega, o Zé Gato, a Gabriela ou a Lina. A Lina era filha da dona Alzira. Mas, apesar de morar lá na rua, parecia saída de um filme americano. Era alta, de sapatos altos, "como os do Sá Carneiro". "Não me diga que nunca reparou nos tacões?!" E era loira. "A do Sá Carneiro, também". E tinha o cabelo escorrido, a cair pelas costas abaixo. A Lina. Usava cigarro, na mão direita, e namorado, no braço esquerdo: o Zé Nando. O Zé Nando tinha um ar amalucado e mais cabelo do que ela: na cabeça, sim, mas, também, na cara e no peito. Casaram-se, no civil: os dois, de ganga e cigarro na mão. Nunca tal se tinha visto. Foi tema de falatório. A Gabriela, também era: meia despida e completamente descalça. A Lina, ao menos, usa sapatos. A Gabriela, não. Sempre a recusar os sapatos do Seu Nacib. Mas, aí, é a fingir, é na televisão, é no Brasil. "Aqui é diferente". A Lina, nem um vestido, como deve ser. Nem um véu, nem uma grinalda. Nem um homem, como deve ser. O pai morreu, "ui, há muitos anos!". O Zé Nando é um rapazolas, de jardineiras. Só ganga, para ele e para ela. Credo, valha-nos o Sá Carneiro. "PPD! PPD! PPD!" O Sá Carneiro, que nem precisa de escrever os discursos. Diz tudo de cor. Diz tudo o que tem que ser dito. Sem papas na língua. O Sá Carneiro.
Antes de conhecer a social-democracia. Antes, muito antes, eu conheci a social-mercearia.
O nosso forno pifou. Por acaso, ninguém tem um que nos possa emprestar? Se não funcionar, não faz mal. É só para termos um sítio para pendurar o pano da cozinha.
Queridos amigos. Não se esqueçam que amanhã é um dia especial. Pronto, já avisei. Não precisam de agradecer. Enfim, sou mais que vosso pai.
Paris. Lembro-me que chegámos, excitadíssimos, ao Centro George Pompidou. As 10 horas ainda não tinham chegado e a manhã já era quente, luminosa e barulhenta. O edifício revelava-se a escultura pós-modernista das fotografias: vidro, metal, túneis de teletransporte, tubos de todas as cores. E o melhor estava para vir: Kandinsky (eia!), Matisse (hum!), Picasso (uau!), Miró (fuuu!). Depois de uma sanduíche leve, e breve, mais telas, mais esculturas e instalações, e mais "uaus!" de alegria e espanto. As horas foram passando, as pernas começaram a pesar, a barriga a reclamar que a arte não puxa carroça. Já não respondemos, com excitação, às instalações de Yoko Ono e bordejámos, exaustos, o urinol de Duchamp. Saímos, cilindrados, da nave espacial - a sentir os efeitos do "jet leg" no corpo. Eram, novamente, 10 horas. Só não eram da noite, como nesta fotografia, porque estávamos no verão. O Pompidou foi uma experiência do outro mundo. Creio que ainda é.