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De peito cheio e olhos a cintilar, o senhor Lemos e a dona Conceição mostram-nos o carro novo. É um SUV alemão, de vários milhares de Euros. Marca a venda do negócio e a chegada da reforma. O corolário de uma vida, inteira, de trabalho e sacrifício. O SUV irá levá-los à terra, com todo o conforto; e ao Algarve, com todo o estilo. Uma vida, inteira, num carro alemão. Arrisco a pergunta, retórica: "Ainda estiveram uns anos fora, não foi?" "Sim", responde o senhor Lemos, "estivemos 11 anos em França". "E, antes disso", acrescenta a dona Conceição, "estivemos 11 anos em Lisboa". "Que engraçado", digo,"11 anos, em cada lado". Afinal, penso, a vida pode ser como no futebol. São 11 contra 11. No final, ganha a Alemanha.
A ficção, científica ou não, tem a grande vantagem de antecipar a realidade. David Walliams escreveu este livro, antes dos milionários deste mundo desatarem a viajar no espaço, a preços de outro mundo. Os protagonistas são dois hipopótamos. Um deles é muito rico e tem tudo: a começar por um nome mais comprido que um camião - o que é um anacronismo em tempos de conquista espacial. A outra (sim, é uma "hipopótama") tem amigos, imaginação e cocó. Sim, cocó. Não vou contar o fim da história, porque isso seria uma deselegância. Vou apenas dizer que o dinheiro não compra tudo, felizmente.
Não gosto de pessoas que vêm para aqui lavar roupa suja. Mas, enfim, eu ando com a autoestima em baixo.
- Pai, não vai perguntar como é que correram a aulas?
- Vou. Como é que correram?
- Correram bem, sobretudo a aula de xadrez.
- Que bom! - Não queres saber porquê?
- Claro que sim. Porquê
- Porque o professor faltou.
- Ahhh...
- Ai, credo, eu sou tão engraçado!
"No outro dia, estive na estalagem." A tia arqueou as sobrancelhas. "Na estalagem, onde trabalhou." Acenou com cabeça. "É muito bonita. A entrada, com aqueles azulejos, pequeninos, pintados à mão." Sorriu. "A salinha do café, com aquelas cadeiras de pele, baixinhas." Sorriu, de novo. "Não cheguei a ir à sala de jantar." Silêncio. "É bonita?" Encolheu os ombros. "A sala de jantar", insisti. "Nunca lá entrei", respondeu. "A sério? Trabalhou lá tantos anos!" "O pessoal da cozinha", disse, num fio de voz "não podia ir à sala." "Nem quando estava vazia?" Abanou a cabeça. Não. A nenhuma sala. Era, assim, o Portugal dos pequeninos. Dos pobrezinhos, do respeitinho. Gostava de ter ido à estalagem, com a tia. Não fui. Fecharam, as duas, há vários anos.