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- Eu percebi bem?
- O quê?
- Há um partido chamado "Se acabó la Siesta"?
- Não. Chama-se "Se acabó la Fiesta".
- Ah..
- É um partido de extrema-direita.
- Isso eu tinha percebido. Só que tinha ouvido "la Siesta".
- Não, "la Fiesta".
- Assim, faz sentido.
- Porquê?
- Porque a extrema-direita gosta mais de nós a dormir.
Foi há muitos anos, mas podia ter sido hoje. Dezenas de emigrantes e descendentes de emigrantes portugueses desfilavam, pelas ruas de Paris, contra a imigração - numa manifestação convocada pela Frente Nacional. Foram interpelados pelos jornalistas: "Não acha estranho, ser emigrante e estar numa manifestação contra a imigração?" "Não", respondiam. E, depois, as justificações atenuantes: "O Le Pen gosta dos portugueses"; "Não é contra os imigrantes"; "Só é contra os que não querem trabalhar"; "Os que nos vêm tirar os empregos"; "os magrebes e os pretos, que vêm para cá". Estes portugueses - tão seguros da sua capacidade de trabalho, da sua condição europeia, da "pureza" da sua pele - ignoram, talvez, que muitos franceses não os consideram brancos. Estes portugueses são incapazes de se colocarem no lugar do outro, mas, também de se aperceberem do seu próprio lugar. Será sempre mais fácil votar contra os "pretos", se não pensarmos que os "pretos" podemos ser nós.
Antes, durante e depois da revolução. A saga de uma família, ou de um país? Ou de vários países, dentro de um mesmo país? Esse país, ainda existe?
"Revolução", de Hugo Gonçalves, conta a história de três filhos, muito diferentes entre si. A mais velha, militante do PCP, foi presa pela PIDE. Abandona o PCP, para se radicalizar, à esquerda. A irmã tem um perfil conservador, que parece conviver melhor com o salazarismo, do que com os tempos conturbados do PREC. O mais novo vive num mundo interior e hedonista, com contactos esporádicos com a irrealidade daqueles anos. Os três são filhos de uma mulher, aparentemente conservadora, outrora mãe solteira, que ascende socialmente pelo trabalho e pelo casamento com um homem de hábitos aristocratas e sobrenome estrangeiro. "Storm" é um nome que antecipa a tempestade perfeita, num país prestes a rebentar - pelas costuras e pelas bombas da extrema-esquerda, das Brigadas Revolucionárias, e da extrema-direita do ELP - Exército de Libertação de Portugal.
Confesso que, ao fim das primeiras páginas, dei por mim a desejar mais literatura e menos Hollywood. A linguagem, o ritmo, a estrutura narrativa - com vários coisas a acontecer ao mesmo tempo e "flashbacks" e "fast fowards" - começavam a irritar-me. Afinal, queria ler um livro. Não queria ver um filme, nem uma série. Acabei a ler um país: trágico, cómico, violento, complexo, contraditório. Um país que continuo a descobrir. Que permanece por descobrir.
O presidente do Brasil tocou num ponto-chave: "com a bandeira nacional nas costas ou com a camiseta da seleção brasileira, para se fingir de nacionalista, para se fingir de brasileiro, façam o que eles fizeram hoje." A questão não é estética, é ética. E é política. O populismo tende a apropriar-se de valores e símbolos nacionais, que representam a identidade e a unidade de um povo. Ao fazê-lo, excluem os outros desses mesmo valores. Ao vestirem a "Ordem e o Progresso", da bandeira do Brasil, estão a sugerir que os outros estão contra esses valores. Eles são os representantes da Nação. Não são, diz Lula. E vai mais longe: fingem-se. Fingem-se de nacionalistas. Fingem-se, até, de brasileiros. Convenhamos, é difícil entender como é que alguém se assume como nacionalista, enquanto ataca as instituições da Nação. Mas já o vimos, recentemente, no país que gosta de se apresentar como farol da democracia. É o país que o antigo presidente do Brasil escolheu para ter uma dor de barriga. Durante a Segunda Guerra Mundial, o Reino Unido teve problemas com os nacionalistas que, para defenderem os (alegados) valores da nação, colaboraram com a Alemanha Nazi. Não acabaram bem. Os partidários da "Ordem e o Progresso" mostraram, sem sombra de dúvidas, quem eram e ao que vinham. Eles não querem "Ordem e o Progresso". Quem a Sua "Ordem e o Progresso". Caso contrário, estes partidários partem tudo. Devia ser surpreendente, mas não é.
Este é o novo sobressalto da democracia europeia: chama-se Eric Zemmour. O candidato à presidência do país da "Liberdade, igualdade, fraternidade" é um conhecido ex-jornalista e comentador da televisão. Zemmour é um judeu de extrema-direita, simpatizante de Pétain - símbolo máximo do colaboracionismo nazi. Um antimuçulmano, que já foi condenado por racismo, e que conta com o apoio de Le Pen pai. Zemmour anunciou que era candidato, num vídeo publicado no Youtube. Não é surpreendente. Os defensores das ideias mais antigas não hesitam em recorrer às tecnologias mais modernas, para espalharem a sua mensagem. Não é uma invenção do populismo de hoje. É uma invenção do populismo de sempre. Os "modernos", admiradores do teórico dos media Marshall McLuhan, continuam encantados com os "meios que são mensagem". Os "antigos" não olham a meios, para atingirem os fins.
[Foto: Joel Saget / AFP]
A manifestação vai no adro. Um homem, ainda jovem, destaca-se na multidão. Grita palavras de ordem. Ergue o punho, furiosamente. Coluna direita, ombros largos, peito para fora, braços e pernas arqueadas. A cabeça é rapada. A passada firme. Parece que marcha, nas suas botas de estilo militar. Veste de preto: calças justas, camisa, suspensórios, casaco tipo bomber.
O jovem de cabeça rapada e pose militar, sai do núcleo da manifestação e começa a distribuir panfletos: consigo ler, de soslaio, as palavras “luta", "apartidário", "movimento", "organização." Aborda um rapaz, perto de mim. Terá uns 13, 14 anos. Pergunta-lhe a idade. Aperta-lhe o braço. Fala-lhe da causa e da luta. Estranho o tom de voz. Não é marcial. Estende-me um panfleto. Preparo-me para o rejeitar. Olho para a mensagem, estupefacto. Fala da defesa da igualdade racial e de género. Da rejeição da violência e da descriminação. Da protecção dos animais. Guardei o papel no bolso. Tirei-o agora.
Não se deve julgar o livro pela capa. Eu sei. Mas, também, não se deve escolher uma capa aleatoriamente. Acho eu. Ou achava...
Um nacionalista da direita conservadora e cristã, apoiado pela extrema-esquerda, declara a independência e foge para Bruxelas, onde é acolhido pela extrema-direita separatista, com o apoio de um advogado da ETA. Confuso? Claro que sim! Mas, ao mesmo tempo, esclarecedor...
Volta a França. Macron, Fillon, Mélenchon e Hamon: quatro candidatos com nomes terminados em “on”. Os três últimos terminaram a etapa, mas saíram da prova. O primeiro dos quarto quer vencer a Volta. A outra candidata, em prova, também quer vencer. Para acabar com tudo.
Olhando para a tabela classificativa:
Macron: venceu a etapa. Mas, não tem grande equipa. Aliás, não tem equipa: nem grande, nem pequena; nem boa, nem má; nem esquerda nem direita. Pedalou ao centro. Correu-lhe bem.
Le Pen: tem uma máquina bem oleada: É velha, mas parece nova. É uma escaladora: subiu bem à montanha. Mas derrapa, sempre, nos circuitos urbanos.
Fillon: guinou a direita, para a direita. Derrapou e caiu. Está por apurar a gravidade da lesão.
Mélenchon: optou pela pista da esquerda. É formosa, é segura, mas não ganha. Não se sabe quem é que ganha com isso.
Hamon: o PS apostou no melhor atleta para ganhar, e teve a sua maior derrota. A culpa é do treinador?
A Volta a França, continua. Agora com dois atletas. Fazem-se à estrada e aceleram. Correm contra o tempo.
Olho para as imagens dos manifestantes de extrema-direita na Bélgica, e não posso deixar de frisar a ironia. Os manifestantes de inspiração fascista usam streetwear: calças de corte largo, cinta descaída, base apertada; casacos de capucho. Os jovens fascistas vestem como os rappers americanos, que inspiraram os jovens de todas as cores, em todos os países do mundo. Europa incluída. Mesmo a Europa que exclui, ou pede exclusão.
Se calhar, não nos devíamos surpreender. O homem que defendeu uma Alemanha pura e dominante (“über alles”) era, na verdade, … austríaco. O homem que defende uma América sem emigrantes - Donald Trump - é descendente de emigrantes e marido e ex-marido de mulheres emigrantes.
Como estão preocupados com a segurança, os hooligans e skinheads acendem tochas e lançam petardos. A polícia não revistou os desordeiros. A polícia, que, de resto, já veio ameaçar fazer greve no aeroporto. Em nome da segurança.
Há muita gente a brincar com o fogo. E não são só os terroristas.