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"(...) os homens não falam entre si. Nas famílias, as palavras estão entregues às mulheres. Os homens gerem silêncios, aqui e ali entrecortados." Apanho a frase, na revista do Expresso. É da semana passada. Já devia, portanto, ter ido para o lixo. Mas não foi. Demora-se sempre mais tempo do que é suposto: na secretária, na prateleira, ao lado da cama. A revista ficou, ali, aberta: pronta para ser lida. Às vezes, não chega a ser. Os jornais dão-nos mais, muito mais, do que conseguimos ler. São um caleidoscópio do mundo, que esperamos ordenar. Mas acabam, eles próprios, espalhados e desordenados: pela casa; pelo mundo.
Ler o jornal devia ser isso mesmo: ler o jornal. Um ato banal, corriqueiro, quotidiano. Será, ainda, um direito e um dever. Mas, hoje, ler o jornal - este, em particular - pode ser, também, um ato de solidariedade e luta. Que não se esgote no dia de hoje.
- Pai, tens jornais que me arranjes?
- Para quê?
- Para fazer um trabalho.
- Podes usar o Expresso da semana passada.
- Queres ver o que eu estou a fazer?
- Mostra lá.
- E obrigado pelos jornais. Já ninguém lê jornais, pois não?
- Algumas pessoas ainda leem, mas são poucas.
- Isso é um bocado triste, não é?
- É, porque, depois, os filhos não fazem artes plásticas.
Sempre incentivei os meus filhos a partilharem: livros, brinquedos, comida. Nunca gostei do "isso é meu", nem do "não mexas nisso, não é teu". Claro que a pandemia veio suspender o espírito de partilha. Ou, vai daí...
O novo livro de José António Saraiva chama-se "Salazar - A Queda de Uma Cadeira que Não Existia". Confesso, estou desiludido: depois de "Eu e os Políticos" e de "Eu e os outros" tinha a expectativa (mais do que legítima!) de que um livro de José António Saraiva sobre Salazar se chamasse "Eu e o Salazar". Não foi, no entanto, a escolha do antigo diretor do Expresso e do Sol. Fica a minha sugestão. Já que se propõe a desmistificar a queda de Salazar de uma cadeira, durante as férias deste no Forte de S. António do Estoril, José António Saraiva poderia chamar ao livro "As minhas férias com Salazar". É um título muito original e mais próximo do universo do autor.
“Estou longe de arrumar as botas”, diz Jerónimo de Sousa, à SIC. Não sei como é que Jerónimo é com sapatos e sapatilhas. Mas, se fosse mais novo, poderia ser meu filho.
O arquiteto Manuel Aires Mateus foi distinguido com o Prémio Pessoa 2017. A entrevista, deste fim de semana, no Expresso, é uma delícia. Gosto da forma como fala da sua família (o avô, os pais): entre o pragmatismo e o espírito artistico; entre o salazarismo e a extrema-esquerda. Da forma como fala do seu irmão Francisco, que também é arquiteto, mas possuidor de vários talentos. É impossível separar a sua vida, da sua arquitetura ligada à terra: tem muita obra no estrangeiro, mas a sua obra, diz o arquiteto, é sempre "daqui".
E a sua vida também é aqui. "O que é que verdadeiramente lhe interessa na vida?", pergunta-lhe o jornalista Valdemar Cruz. "A vida", responde, "Adoro viver". E acrescenta: "Mas sou uma pessoa de uma banalidade extrema. Cresci, estudei, casei aqui, tive os meus filhos aqui." Num país mediano, onde todos querem ser excecionais, há um arquiteto, que é dos melhores do mundo, que diz "Adoro tudo aquilo que as pessoas adoram, mas ao mesmo tempo adoro sentar-me aqui e ficar aqui a pensar".
O ego de “Eu Saraiva” é enorme. Pesa mais do que o Expresso. Muito mais do que o Sol: o jornal, claro. Mas, talvez “Eu Saraiva” não rejeite a comparação com o próprio sol. A última edição do Sol tem “Eu Saraiva” na capa e uma entrevista de 11 páginas a “Eu Saraiva”. Mas, “Eu Saraiva” acha que a entrevista não chega e escreve mais umas centenas de caracteres sobre o livro que tem dado que falar.
“Eu Saraiva” queixa-se que os críticos não leram o livro e dos que dizem que nem sequer vão ler o seu livro. Sabendo isso, resolve falar das suas motivações para escrever o livro: “relacionei-me com quase todos os políticos”; “acumulei um património único”. E, de seguida, faz uma crítica, isenta e distanciada, ao seu próprio livro: “Este livro abriu um tempo novo”; “Na literatura há um antes e um depois dele”; “Inaugura um género que ninguém cultivara”; “Vai ficar como um clássico da literatura”. E conclui: “Ainda bem que tive coragem de o escrever”.
“Eu Saraiva” faz lembrar os cantores pimba que fazem trocadilhos brejeiros e depois dizem que a culpa é nossa, que temos uma mente perversa. O livro de “Eu Saraiva” tem uma fechadura na capa e um aviso:“O livro proibido”. E fala de sexo, mas só o estritamente necessário. E, apesar de saber, de antemão, que é um clássico, “Eu Saraiva” quer que o livro passe despercebido. Está quase a conseguir.
José Miguel Júdice diz, hoje, no i, que "Marcelo teve de controlar a boa disposição". E acrescenta: “Os portugueses gostam pouco disso”. Pois é, somos o país do “muito riso, pouco siso”. Até porque, como dizia o meu pai, “não se brinca com coisas sérias”. Eu, que sempre gostei de brincar com coisas sérias, tentava argumentar que era divertido. Mas, o meu pai não achava graça nenhuma.
Os adversários implicam com o riso de Marcelo. Ri muito, porque não é um homem sério; porque diz uma coisa e o seu contrário; porque sempre foi de intrigas e partidas. Tudo para se rir. E Marcelo faz um esforço para se rir menos. Nota-se. Claro que, a chegar perto dos 70 anos, Marcelo já não pode ser o jovem traquinas dos tempos do Expresso ou da candidatura a Lisboa. Mas, é evidente que “ teve de controlar a boa disposição”.
Portugal ainda tem um Presidente que não ri. Os portugueses, como “gostam pouco disso”, votaram nele. Mas, afinal, não gostaram assim tanto. Por isso, acho que o riso de Marcelo não é nem defeito, nem feitio. É uma alegria.