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Na canção "Waterloo", uma mulher (cantada por duas) prometia render-se ao amor, como Napoleão, na Batalha de Waterloo. Temeu-se o pior. Por mais inocente que fosse a comparação, havia, ali, uma referência a uma das datas mais marcantes na história da Europa. E com política não se brinca.
A canção venceu o Festival. Foi há 50 anos.
Muita gente pensa que os ABBA são uns tontos que fazem, apenas, canções alegres e frívolas. Talvez desconheçam as referências à revolução mexicana, em "Fernando", ou ao êxodo de milhares de pessoas, do leste europeu para a Europa ocidental, em "The Visitors". Desconhecem, talvez, que a carreira dos ABBA foi interrompida porque os compositores da banda queriam fazer (e fizeram!) um musical sobre a Guerra Fria.
No ano em que o Festival da Eurovisão celebrou a vitória de "Waterloo", na terra dos ABBA, quis-se inventar a ideia que a Eurovisão nunca teve nada a ver com política. E há, até, quem acredite.
Este fim de semana, há festival da Eurovisão. Este ano, é na Suécia. A terra dos ABBA. Quero que saibam que o assunto não me diz nabba. Desculpem, nada.
Eurovisão. Portanto, segundo percebi, há muita gente que acha a canção que ganhou é um plágio de um tema dos ABBA. Meus amigos, passei o fim de semana a investigar e descobri que as músicas dos ABBA já eram plágios de um tal de Benny Andersson - um obscuro pianista, que costuma gravar para a Deutsche Grammophon. Se aquilo não é plágio, não sei o que é um plágio. Esta investigação foi de tal forma absorvente, que acabei por não acompanhar, com a devida atenção, as semifinais da Turquia. No entanto, e acordo com as minhas fontes, o que ficou em segundo lugar sempre é melhor que o da Finlândia.
Canção dos ABBA aqui:
Uma semana depois, o Festival da Eurovisão continua na minha cabeça. Apesar das explosões de luz e cor, e de todos os excessos de botox, silicone, laca, maquilhagem, tatuagens, cabeleiras, purpurinas, lantejoulas e bailarinos, a verdade é que (pasme-se!) havia ali canções. A nossa, por exemplo, é muito boa. A minha preferida - a francesa "Voilá" - é um arrepio. O cantor suíço é muito interessante. E, mesmo, a canção italiana - que me tinha parecido, apenas, um glam/hard rock estereotipado - cresceu com as audições seguintes.
Curiosamente, poucos repararam na canção da Bélgica ("The Wrong Place"), que me tem acompanhado por estes dias. Os Hooverphonic são uma banda muito respeitável, que teve algum sucesso na segunda metade dos anos 90. São contemporâneos e próximos de bandas como os Portished, Air ou Goldfrapp. Bandas que misturavam uma certa pop dos anos 60; com bandas sonoras de John Barry ou Ennio Morricone; uns toques de dub, jazz, bossa nova e easy listening; e o recurso a ritmos hip-hop, eletrónica e "samples". Por estes dias, tenho andado a (re)ouvir os Hooverphonic e arredores. Nunca pensei que o fizesse, por causa do Festival da Eurovisão. E a canção é muito boa. Terá sido a canção certa para o local errado?
Quando eu era mais novo, gostava muito de desfolhar livros. Mas, depois, chegaram os talibãs a dizer "isso não se diz" e mais não-sei-quê. Passei, então, para as canções. Andei anos a traulitar a "Folheada", da Simone. Ainda gosto.
Hoje, lembrei-me desta canção da Dora - que é fresca que nem uma alface e boa para afastar a depressão. Mas não chega. O tempo está mau: com geada no interior; neve nas terras altas; mar encrespado na orla costeira; chuva e vento fortes, em todo o país. Precisamos, todos, de ter um comportamento responsável e fazer a nossa parte: vestir um casaquinho.
Obrigado Salvador: por nos mostrares que o mundo pode ser melhor.
Obrigado Eurovisão: por nos mostrares que o mundo é o que é.
Só uma coisa: o Peu Madureira sempre ganhou o Óscar, ou não? É que devia...
Fiquei muito feliz, com a vitória do Salvador. Muita gente se perguntou: porque é que a canção ganhou? Boa pergunta.
A canção ganhou, porque tudo se conjugou na perfeição: voz, interpretação, letra, melodia e arranjo. Mas isso não chega. Some-se então dois irmão (amem-se os dois!): cumplicidade, ternura, formação musical, cultura, intuição, discurso, domínio de línguas - do português e do inglês. E ainda o contexto: a Eurovisão é luz e cor; fogo e artifício; silicon e botox; maquilhagem e tatuagem; peito e glúteos; dança e movimento; canto e grito. Os manos Sobral foram a antítese disto tudo. Uma canção singela, em português; num festival histriónico, de mau inglês. E, depois, é difícil não gostar do Salvador: pela sua história (clínica, inclusivé); pela sua postura; pela sua imprevisibilidade; pela sua maluquice. Mas, também, pela forma (maravilhosa) como canta e se entrega.
O Tozé Brito disse, ontem, na RTP (e há muito mérito da RTP nesta vitória!), que este momento é único e irrepetível. Eu acho que sim. Porque é impossível repetir esta conjugação. Ou seja, é preciso aprender com esta vitória, para inventar tudo de novo. Quando se diz, de uma banda, que são os novos Beatles é porque não são. Porque nem os membros dos Beatles conseguiram ser os novos Beatles. Faltavam, sempre, os outros.
PS: Roubei o título deste texto ao livro de Rui Zink: "A Realidade Agora a Cores". É que, às vezes, anda tudo a ver a preto e branco. E o festival já é a cores desde o tempo do "Grande, grande amor" do José Cid.
Tinha pensado em escrever sobre o Festival da Canção. Mas mudei de ideias, por causa do Salvador. Dizia ele que, talvez, as pessoas também gostem de alguma calma, de algum espaço. Algumas das canções da primeira eliminatória do Festival sofrem do problema de costume: muita orquestração supérflua, muito gente a cantar alto, muita pompa sem circunstância. O Festival, pensa-se, é um espetáculo de luz e cor. E, portanto, quanto mais, melhor. E depois, chega o Salvador - o mano da Luísa: desajeitado, desalinhado, desajustado. E passa a eliminatória, porque canta bem, e tem uma boa canção.
Toda a gente tem uma ideia sobre como é que devia ser o Festival : mas nenhuma é igual à do vizinho. Uns acham que deve ser moderno; outros acham que deve respeitar a tradição. Uns acham que importa ter “grandes vozes”; outros acham que o que importa é a canção.
Talvez Salvador não tenha opinião. Ficamos com a ideia que não. Ele só quer cantar uma boa música. E, com isso, salvou o Festival.