Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
"O significa ser pró-russo?", quis saber o repórter Luís Peixoto, na região separatista do Donbass. E sintetizou: "Há os que nasceram na Rússia. Há os que sempre viveram na cultura russa. E os que, sentindo-se ucranianos, guardam mágoa ao país por bombardear o Donbass, há quase 9 anos".
Em Kiev e em Kharkiv, o repórter Nuno Amaral "pintou" a reportagem, com a melodia de uma canção que o ocidente conhece como "Hey, Hey, Rise Up!". A canção dos Pink Floyd (David Gilmour e Nick Mason), com o cantor ucraniano Andriy Khlyvnyuk. Quando saiu, a imprensa ocidental destacou que a canção "fez juntar os Pink Floyd em estúdio, pela primeira vez, em 28 anos". Mas, entretanto, Roger Waters (que foi o principal autor dos Pink Floyd) fez uma série de declarações que foram interpretadas como pró-russas. Depois, David Gilmour e Roger Waters trocaram palavras azedas, em público. Para todos os efeitos, a ideia que ficou foi que a guerra na Ucrânia dividiu os Pink Floyd.
A guerra divide sempre. Quando se fala em união, é, apenas, a união de uns contra os outros. A guerra na Ucrânia começou, há quase um ano. E nem na data, as pessoas conseguem estar de acordo.
Gosto mais ou menos de Bruce Springsteen. Peço desculpa, mas é mesmo isso. Gosto (só!) mais ou menos, e sempre foi assim. Foi assim, quando o conheci, em 1984, a fazer concorrência no top de preferências adolescentes aos Bon Jovi, à Madonna e ao Bryan Adams. Gostava mais dele do que dos outros, mas, gostava (só!) mais ou menos. "Tens de ouvir para trás", diziam-me. Ouvi: "The River" (lindo!), "Born to Run" (Que explosão de energia!). Mais ou menos, mesmo assim. À medida que as canções iam correndo nos discos, eu ia perdendo o interesse. "Tens de ouvir o lado mais intimista". Ouvi "Nebraska" (boas letras, boas canções, boa voz). Mas, faltavam-me sempre coisas. Faltava-me um baixo pulsante e uma percussão inventiva. Faltava-me um naipe de metais, um coro de vozes negras, uma secção de cordas, uma guitarra funk. Faltava-me aquilo que Bruce Springsteen me dá no novo disco, tudo de uma só vez - que o homem tem fama de ser generoso. Gosto da versão de "Nightshift", a primeira canção que os Commodores editaram, depois da saída de Lionel Richie. É da altura de "Born in the USA" e é uma homenagem a dois mestres da soul: Jackie Wilson e Marvin Gaye. Representa bem o novo disco de Bruce Springsteen, que é (todo ele) uma homenagem aos grandes nomes da música negra. Pode não ser uma obra-prima, pode irritar alguns fãs, pode não ficar na galeria dos discos fundamentais. Mas, a mim, fez-me sorrir. E é melhor (muito melhor) que o Lionel Richie. Continuo a sorrir. Obrigado, patrão!
"I will get Britain working again / Eu vou pôr o Reino Unido a funcionar, de novo", diz Liz Truss. Numa primeira impressão, soa-me a uma mistura de "Labour isn't working", um slogan de Margaret Thatcher, com "Make America great again", de Donald Trump. Um bom começo, portanto.
Leitura, com acessório de época.
"A 'maskirovka' (dissimulação) é uma técnica desenvolvida pelo exército russo que pode resumir-se em três palavras: engano, negação e desinformação." A invasão da Ucrânia, em 2014, e a técnica utilizada (com um grupo não identificado, formado por veteranos soviéticos, agentes russos, ucranianos pró-russos e mercenários) surpreenderam os líderes dos Estados Unidos e de vários países europeus. Angela Merkel não foi surpreendida, escreve Kati Marton, na biografia "A chanceler", que dedica um capítulo à guerra na Ucrânia. Educada (como Vladimir Putin) na fé soviética, Merkel não tinha ilusões: sabia que Putin era um antidemocrata e que estava empenhado em minar as democracias e alargar a sua influência. A Ucrânia fazia parte do plano.
A eternização de Putin no poder, foi um dos motivos pelo qual Merkel se candidatou a mais um mandato. Mas não foi o único. O nacionalismo continuava a crescer: não só na Rússia, mas também na China, no Reino Unido, na Polónia, na Hungria, na Turquia e, até, na própria Alemanha. Mais, nos Estados Unidos também - com a chegada de Donald Trump. Enquanto Putin mantinha uma guerra em lume brando, na Ucrânia, os Estados Unidos escolheram um presidente incendiário. "Sabe, a Alemanha não fez quase nada por vocês", disse Trump no primeiro encontro com Volodomyr Zelensky. Também não foi surpreendente. Trump é especialista no insulto, na fanfarronice e, sobretudo, na ignorância. No final do primeiro encontro, com Trump, na Casa Branca (em que o novo presidente americano defendeu que "A UE é pior do que a China, só que mais pequena"), Angela Merkel afirmou, aos jornalistas: "A próxima década nos dirá se aprendemos com o passado". Fez uma pausa e acrescentou: "Ou não". Já antevíamos a resposta. Agora temos a certeza. Infelizmente, é "Ou não".
Por estes dias, a minha rádio voltou a passar a canção "Russians", de Sting. A canção marcou o ano de 1985. Estávamos em plena guerra fria, cheios de medo da guerra nuclear. A União Soviética estava em queda livre e Reagen andava com a cabeça nas nuvens. Os Estados Unidos lançaram um programa para impedir uma guerra nuclear, a partir do espaço. Tinha o nome, oficial, de Iniciativa Estratégica de Defesa, mas ficou conhecido, popularmente, como "Guerra da Estrelas". Este nome dava-nos uma ideia de ficção, de uma brincadeira de crianças muito, muito perigosa. "Russians" fala de Reagan, de Khrushchev, de uma guerra "invencível", do brinquedo mortal (bomba atómica) de Oppenheimer, do amor pelas crianças. A canção passava, muitas vezes, antes ou depois do telejornal e dava-nos arrepios. Os mesmos que sinto, por estes dias, em que voltámos a ouvir "Russians", pelas piores razões.