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A que cheira a memória?

por Miguel Bastos, em 05.01.24

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Queria, desesperadamente, chegar ao fim deste livro. Porque me estava a incomodar. Nem sabia porquê. Depois, percebi. Era por causa do cheiro. O cheiro a humidade, a pó, a caruncho, a mofo, a naftalina. O livro fala de Portugal, depois de Abril, mas o cheiro é do regime anterior. Como assim? Então, e "As portas que Abril abriu"? e "O cheirinho a alecrim"? e "O dia inicial inteiro e limpo"? Porque me cheira assim?

No livro, uma jornalista portuguesa, a trabalhar nos Estados Unidos, regressa a Portugal para recontar uma das mais belas histórias do século XX: a Revolução dos Cravos. Fá-lo porque o mundo está um lugar muito feio e é preciso contar histórias bonitas ao mundo. Este ponto de partida ajuda a aumentar o desconforto. É que essa ideia, vinda de fora, não cola com a realidade, cá dentro.

A protagonista vai reencontrar o seu pai, com quem tem uma relação difícil, e vai tentar reencontrar alguns dos amigos do seu pai: são alguns dos principais heróis de Abril. Todos eles tiveram destinos diferentes. Todos nos transmitem uma tristeza sem fim. Todos nos remetem para o mesmo cheiro.

Chego, finalmente, ao fim do livro. Mas, em vez de me livrar dele, volto para trás e começo tudo de novo. No meio do cheiro (e do fumo, não tinha referido o fumo), há sinais de esperança que não tinha sentido na primeira leitura. É um livro memorável, como as personagens que lhe dão título. Tem a mestria de Lídia Jorge. E não nos facilita a vida...

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As colónias

por Miguel Bastos, em 09.12.22

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A menina Filipa cresceu, fascinada, por uma colónia agrícola onde uma amiga da mãe era professora. De tal forma que, depois de se ter tornado professora e arquiteta, escreveu um livro sobre o projeto de colonização interna do Estado Novo. Entre terrenos baldio e terrenos do Estado, foram criadas sete colónias agrícolas, para desenvolver a agricultura e fixar a população. Para isso, era preciso reorganizar a propriedade agrícola. No caso dos terrenos a norte do país, caracterizados pelo minifúndio, o objetivo passava por aumentar a dimensão das parcelas. Nos terrenos a Sul, era preciso fazer o contrário: dividir os vastos terrenos, em parcelas mais pequenas, e entregá-las a casais de colonos. O projeto tinha tanto de utópico, como de revolucionário. Mas, a verdade é que pretendia resolver problemas que ainda hoje permanecem: o despovoamento no interior, a escassez de água nos solos, a dimensão da propriedade. Esta tarde, depois da uma, na Antena 1, vou conversar com a arquiteta Filipa de Castro Guerreiro sobre o assunto.

[Atualização] o programa pode ser ouvido aqui:

https://www.rtp.pt/play/p470/e658508/portugal-em-direto

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A filha da PIDE

por Miguel Bastos, em 21.09.22

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Annie era filha única, do último diretor da PIDE. José Pedro Castanheira e Valdemar Cruz chamaram-lhe "A filha rebelde". Um exagero, decerto. Annie era, apenas, uma rapariga do seu tempo. Que não gostava assim lá muito dos chefes reacionários de Portugal. E que gostava um bocadinho lá muito dos chefes revolucionários de Cuba. Apaixonou-se, fugazmente, pelo guerrilheiro Che Guevara. Namorou, prolongadamente, com um ministro do Interior chamado Abrantes. Fora isso, tudo como dantes? Não. Porque, entretanto, também houve uma revolução em Portugal. E os filhos da revolução mandaram o pai, Silva Pais, para uma prisão que ele bem conhecia: Peniche. A vida de Annie dava um filme. Dava. Para já, deu um livro (um excelentíssimo livro!) e uma série (que começa, hoje, na RTP).

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Viva a República!

por Miguel Bastos, em 05.10.20

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Acho a designação "Implantação da República" interessante. Porquê "implantação", se foi uma revolução, como a de Abril? Mas, depois, penso nos vários significados da palavra. Na arquitetura, por exemplo, "implantar" refere-se ao espaço onde vai nascer um edifício. Na agricultura, ao ato de criar raízes. E, assim sendo, implantação faz sentido. Plantaram-se umas coisas na I República, com os seus 45 governos; e na II, com o seu governo de 48 anos; mas só houve frutos em 1974, com uma nova revolução: republicana, mas, sobretudo, democrática. Viva a República!

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Reconhecer Amália

por Miguel Bastos, em 11.08.20

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“E Ceausescu pede Amália”, escreve Miguel Carvalho em “Amália - Ditadura e Revolução”. Em 1975, o presidente da Roménia comunista estava de visita ao Portugal do PREC e pediu para ouvir a cantora que, por essa altura, em Portugal, era chamada de “fascista” ou “princesa da PIDE”. Antes de ser adoptada pelo Estado Novo como produto de exportação, Amália (como o fado, em geral) tinha sido alvo da sobranceria dos intelectuais do salazarismo. Com o 25 de Abril, voltou a sofrer do mesmo tipo de discriminação. Agora da bancada contrária.

Amália não precisou do 25 de Abril para atravessar a cortina de ferro. Em 1969, esteve, inclusivamente, na capital do império vermelho. Também não precisou do 25 de Abril para cantar as melodias de Alain Oulman, e a poesia de Ary dos Santos, David Mourão-Ferreira ou Manuel Alegre. Fê-lo sem olhar às convicções políticas de quem a rodeava, e isso nem sempre lhe foi reconhecido.

A perseguição política que lhe fizeram, depois do 25 de Abril, foi tão absurda como a apropriação que lhe tentaram fazer, durante o Estado Novo e, mais tarde, durante a consolidação da democracia. Amália nem sempre terá sido hábil na gestão do seu relacionamento com os poderes políticos, mas foi sempre muito hábil na gestão da sua carreira artística. E foi pelo meio artístico que foi sendo resgatada. Não pelos artistas de antigamente, mas pelos novos artistas emergentes de então: António Variações ou Carlos Paião, primeiro; Madredeus ou Dulce Pontes, mais tarde.

“Amália - Ditadura e Revolução” é um contributo rigoroso para conhecermos Amália, no contexto social e político em que a sua carreira se desenvolveu. Mas é, também, um contributo extraordinário para nos reconhecermos a nós próprios: enquanto indivíduos e enquanto portugueses.

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Eu e o Salazar

por Miguel Bastos, em 08.06.20

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O novo livro de José António Saraiva chama-se "Salazar - A Queda de Uma Cadeira que Não Existia". Confesso, estou desiludido: depois de "Eu e os Políticos" e de "Eu e os outros" tinha a expectativa (mais do que legítima!) de que um livro de José António Saraiva sobre Salazar se chamasse "Eu e o Salazar". Não foi, no entanto, a escolha do antigo diretor do Expresso e do Sol. Fica a minha sugestão. Já que se propõe a desmistificar a queda de Salazar de uma cadeira, durante as férias deste no Forte de S. António do Estoril, José António Saraiva poderia chamar ao livro "As minhas férias com Salazar". É um título muito original e mais próximo do universo do autor. 

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Do Minho a Timor

por Miguel Bastos, em 19.10.18

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Portugal "é uma "nação independente há quáse [isso mesmo, com acento] oito séculos. Mesmo durante a dominação filipina não perdeu a independência. Apenas a autonomia, o que é coisa diversa". 
Hoje, dei de caras com um Dicionário Corográfico de Portugal, de 1952. Foi lá para os lados da minha rádio. É uma alegria trabalhar na Emissora Nacional.

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Quente e fio

por Miguel Bastos, em 12.06.18

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“Portugal vive de costas para o mar”, dizia o orador. “Basta andar meia dúzia de quilómetros, para o interior, e vemos os portugueses agachados, a cavar a terra”. Aquilo estava-me a irritar. “Aliás, nem é preciso tanto. Os próprios pescadores têm que cavar umas batatinhas e umas couves no quintal, para compensar a falta de rendimento”. A sério, senhor orador? E o que me diz, por exemplo dos nosso valentes do bacalhau? “São excepções”, respondeu o antropólogo encartado. Teria razão?

 
O discurso sobre as pescas está carregado de mitos: a herança dos descobrimentos, a riqueza da nossa costa, a epopeia do bacalhau. Pensem nas duas últimas. Se a nossa costa fosse assim tão rica, que necessidade teríamos nós de ir pescar para o Canadá?
 
Temos, ainda, uma visão das pescas moldada pelo Estado Novo. E deixámo-nos levar pela cantiga de que foi a Europa que nos destruiu as pescas. Não foi. Foi uma conjugação de fatores. O principal fator: a falta de peixe - que levou a políticas de defesa nacionais e internacionais, em todo o mundo. Outras coisas que faltaram: modernização de frotas e técnicas, investigação científica, definição de políticas. E políticos, que não pescam nada. Em pouco mais de 100 páginas, o livro “As pescas em Portugal”, de Álvaro Garrido, explica isto tudo. É uma análise fria, de um tema que costuma ser discutido de cabeça quente.

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Das Caldas

por Miguel Bastos, em 16.03.18

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16 de março de 1974. Foi uma tentativa de acabar com a ditadura. Mas, quando penso no Levantamento das Caldas, dá-me sempre vontade de rir. Não é pela questão política. É porque penso noutras coisas. Deve ser da louça. Ou, então, da minha imaturidade.   

 

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União Nacional

por Miguel Bastos, em 12.03.18

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Marine Le Pen mudou o nome do partido que lidera, para "União Nacional". Podia ter sido uma bela homenagem ao Portugal, do Estado Novo. Mas, no mesmo congresso, suspende um luso descendente, por ser racista. Esta gente confunde-nos.

https://www.rtp.pt/noticias/mundo/marine-le-pen-frente-nacional-passa-a-uniao-nacional_n1063224

 

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