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A ficção, científica ou não, tem a grande vantagem de antecipar a realidade. David Walliams escreveu este livro, antes dos milionários deste mundo desatarem a viajar no espaço, a preços de outro mundo. Os protagonistas são dois hipopótamos. Um deles é muito rico e tem tudo: a começar por um nome mais comprido que um camião - o que é um anacronismo em tempos de conquista espacial. A outra (sim, é uma "hipopótama") tem amigos, imaginação e cocó. Sim, cocó. Não vou contar o fim da história, porque isso seria uma deselegância. Vou apenas dizer que o dinheiro não compra tudo, felizmente.
Nos tempos mais críticos da pandemia (que, convém lembrar, continua por aí) abusámos dos clichés: "eramos felizes e não sabíamos", "vai ficar tudo bem", "o novo normal", "vamos sair melhores da pandemia". O tempo limpa a memória e guardamos, invariavelmente, a parte melhor. Ouçamos "A mosca", que sintetiza o desejo de regressar à "vida normal" em, apenas, 30 segundos. Depois, como diria o escritor Mário de Carvalho, "Era bom que trocássemos umas ideias sobre o assunto".
(para ouvir "A mosca" basta clicar na imagem)
Hoje, vim de transportes públicos. Gastei três contos. Enfim. Três contos, de Tchékhov.
Era uma vez um escritor que, aos 99 anos, começou a celebrar o seu centenário. Não chegou, no entanto, a fazer 100 anos. Pela simples razão que não chegara a fazer 99. Porque, muitos anos antes, tinha decidido ser eterno. Ou, se calhar, não decidiu. Terá sido uma parábola a decidir por ele. Uma parábola de Saramago.
Ah, os talibãs: sempre a aterrorizar as mulheres! Desde sempre, em tantos tempos e sítios diferentes.
"Dias depois de Capitine ter emigrado para a Beira Maniara decidiu, também ela, sair da aldeia. Ia juntar-se ao marido. Sendo mulher, contudo, ela estava interdita de se meter sozinha pela estrada. Infelizmente essa regra nunca mudou. Uma mulher que viaja sozinha é uma criatura que caminha despida. Os homens estão autorizados a fazer com ela o que quiserem.
Mais grave do que viajar sozinha era, nesse tempo, uma mulher entrar na cidade sem ser na companhia do marido. Maniara decidiu desobedecer a esse destino."
Não tenho nada contra livros cor-de-rosa. Tenho é falta de tempo. E tenho livros amarelos. Amarelos e belos.
A Rita abria os braços e corria para o televisor, a sorrir: "SA-RA-MA-GO!" A menina não tinha, ainda, 2 anos e não entendíamos a razão de tanto entusiasmo. Com o Nobel, Saramago tinha passado a aparecer muito no ecrã. Mais tarde, percebemos que a pequena Rita gritava "SA-RA-MA-GO!" sempre que via um senhor velhinho na televisão. Concluímos que, habitualmente, não há muitas pessoas de idade na televisão. Se não tivesse crescido, talvez, hoje, a Ritinha gritasse "LOU-REN-ÇO!" - outro velhinho excecional, recentemente falecido. Ontem, muita gente ficou muito entusiasmada com a capa do jornal Público. O próprio autor das imagens da capa, Adriano Miranda, confessava, no dia anterior, que estava tão excitado, que não sabia se iria dormir. Na capa do jornal, não estava um escândalo político, nem uma vitória desportiva, nem sequer um velhinho excecional: estavam velhos. E uma pergunta, inquietante, no interior: "Porque escolhemos não ver os velhos?" E um texto, assombroso, da escritora Dulce Maria Cardoso, que, a dada altura, refere: "Todas as crianças são parecidas entre si, os velhos são velhos cada um à sua maneira". Tínhamos, então, velhos no jornal - o grupo mais afetado pela pandemia. Muitos velhos. Mas, cada um com o seu nome, a sua idade, a sua profissão. Cada um "à sua maneira". Só isto: que é tanto.
“Este livro”, diz a jovem na televisão, “surgiu a convite da minha editora. Eu disse logo que sim, mas depois lembrei-me que não tinha nada para dizer”. “E então desistiu”, pensei. “E, então, pensei vou falar sobre a minha vida", acrescentou a jovem senhora aos saltinhos, "espero que gostem”. “Vão gostar, com certeza” diz o apresentador, também aos saltinhos. O programa, de resto, também é todo aos saltinhos. A imagem salta para a cima e para baixo, para um lado e para o outro, para a frente e para trás. O programa salta de um tema para o outro, de um convidado para outro, de um efeito visual para o outro: um “zapping” sem mudar de canal, que eu espero que as pessoas gostem; tal como os livros sem “nada para dizer”, que as pessoas gostam; aos “saltinhos”, como as pessoas gostam.