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Os ossos de Eça

por Miguel Bastos, em 08.01.25

EÇA TORMES.jpg

Eça foi a Baião. Calhou-lhe na rifa uma herança da mulher, que teria que visitar. "Que maçada", terá lamentado. Se fosse um de nós, a historia acabava aqui. Mas, Eça era escritor e era genial. E em vez de acabar com a história, resolveu escreveu uma: "A Cidade e as Serras".

Há várias histórias intricadas, dentro e fora do livro. Eça de Queiroz visitou umas ruínas perdidas na região do Douro e inventou uma história sobre a recuperação da propriedade. Mais tarde, na vida real, a família recuperou a propriedade - a partir da história de Eça. A casa foi arranjada e mobilada com os móveis que vieram de Paris (onde Eça era diplomata e morreu). Existe um caminho de Jacinto (o protagonista do livro), uma casa do Silvério (o caseiro) e um restaurante, com o nome de Tormes (terra inventada por Eça)

Regressei ao livro, em trabalho, e fui a Tormes - para acompanhar a homenagem que lhe fizeram, antes da trasladação para o Panteão.

Não resisto a partilhar este extrato de "A Cidade e as Serras:

"(...) o meu Jacinto preparou então a cerimónia tão falada, tão meditada, a trasladação dos ossos dos velhos Jacintos - dos 'respeitáveis ossos' como murmurava, cumprimentando, o bom Silvério". E, mais à frente, "Naquela confusão, quando tudo desabou, não pudemos mais conhecer a quem pertenciam os ossos (...) senhores de todo o respeito, mas, se Vossa Excelência me permite, senhores já muito desfeitos... Depois veio o desastre, a mixórdia. E aqui está o que decidi, depois de pensar. Mandei arranjar tantos caixões de chumbo, quantas caveiras se apanharam lá em baixo na Carriça, entre o lixo e o pedregulho. Havia sete caveiras e meia. Quero dizer, sete caveiras e uma caveirinha pequena. Metemos cada caveira no seu caixão. Depois: Que quer Vossa Excelência? Não havia outro meio! E aqui o sr. Fernandes dirá se não procedemos com habilidade. A cada caveira juntámos uma certa porção de ossos, uma porção razoável... Não havia outro meio... Nem todos os ossos se acharam... Canelas, por exemplo, faltavam! E é bem possível que as costeletas de um daqueles senhores ficassem com a cabeça de outro... Mas quem podia saber? Só Deus."

Eça a rir-se de si próprio. Eça a fazer-nos rir. Eça a rir-se de nós. Como sempre. 

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A promessa

por Miguel Bastos, em 06.03.23

damon.jpg 

Mergulhei neste livro, sem consciência da profundidade. Algo que não me é muito comum. Bem sei que muita gente diz que não liga a críticas, a artigos ou entrevistas com os escritores. Não é o meu caso: ajudam-me a descobrir autores, apontam-me caminhos. O nosso tempo é limitado e a oferta infinita. Portanto, é bom ter quem nos ajude a poupar tempo e (já agora) dinheiro. Não me passa pela cabeça entrar numa sala de cinema, e só no instante em que começa o filme, ter consciência que, afinal, é um filme de "carros e gajas e porrada". Ou comprar um disco às escuras e descobrir que, afinal, é de música pimba.
Sobre "A Promessa", nada sabia. Nem sequer conhecia o autor: Damon Galgut. Na capa, abaixo do seu nome, a inscrição "Vencedor Booker Prize 2021". Na badana, do lado esquerdo, ficamos a saber que este é o seu terceiro livro. Os dois primeiros já tinham sido candidatos ao Prémio. Na contracapa, os elogios de jornais reputados: "The Guardian", "The Times", "The New Yorker". "Aparentemente, temos escritor", pensei. Temos. Que escritor!
Mergulho, em apneia, no livro "A Promessa". É uma saga familiar - tema comum na literatura - passada na África do Sul. A história decorre ao longo de mais de 30 anos. Durante este período, o país livra-se do "apartheid", mas muitas cicatrizes continuam por sarar. A família, estilhaçada, vai morrendo: um de cada vez, nas mais diversas circunstâncias, dando lugar a diferentes tipos de funeral. Esta é a única altura em que a família (ou que vai restando dela) se encontra. Estamos perante um drama épico, sobre anti-heróis, com mortes súbitas e silêncios eternos. Há uma promessa, claro está. Mas, essa, não é para contar.

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O mundo: dentro e fora

por Miguel Bastos, em 15.01.22
 
 20220115_100534.jpg

 

"(...) os homens não falam entre si. Nas famílias, as palavras estão entregues às mulheres. Os homens gerem silêncios, aqui e ali entrecortados." Apanho a frase, na revista do Expresso. É da semana passada. Já devia, portanto, ter ido para o lixo. Mas não foi. Demora-se sempre mais tempo do que é suposto: na secretária, na prateleira, ao lado da cama. A revista ficou, ali, aberta: pronta para ser lida. Às vezes, não chega a ser. Os jornais dão-nos mais, muito mais, do que conseguimos ler. São um caleidoscópio do mundo, que esperamos ordenar. Mas acabam, eles próprios, espalhados e desordenados: pela casa; pelo mundo.
A frase inicial é de Davide Enia - um escritor italiano, da Sicília, que desconheço e que não sei "se e quando" vou conhecer. Perguntaram-lhe se escrevia sobre os naufrágios de Lampedusa. Respondeu que tinha escrito o livro ("Notas de um naufrágio") para salvar a relação com o seu pai. É, os jornais dão-nos o mundo: por fora e por dentro.

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