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Os Duran Duran pediram-lhe que produzisse uma canção. Mark Ronson ofereceu-se para produzir um álbum inteiro. Queria oferecer - à banda, aos fãs e a si próprio - um digno sucessor do álbum "Rio". Nessa altura, os Duran Duran já tinham tentado de tudo. Nem sempre, com sucesso. Por vezes, com fracassos gigantescos. Em 2004, depois de reunirem a formação original, editam o álbum "Astronaut". O disco não é grande coisa, mas a digressão foi um sucesso. Infelizmente, o guitarrista Andy Taylor saiu da banda e o álbum seguinte passou (novamente) despercebido. Daí, a importância deste "All you need is know" (um piscar de olho aos Beatles - "All you need is love" - ao passado da prória banda, mas também uma afirmação do presente). É um dos melhores discos dos Duran Duran. Tem músculo (na canção-título), tem dança ("Safe (In the Heat of the Moment)" e "Girl Panic"), tem baladas intimistas ("Leave a Light On") e momentos épicos ("Before the Rain" e "The Man Who Stole a Leopard"). Apesar de terem vários discos menos inspirados, os Duran Duran nunca deixaram de fazer boas canções. A diferença é que, neste disco, abundam as canções excelentes e o disco é bom, do princípio ao fim. Por mim, fica junto aos dois primeiros - como o fã Mark Ronson desejou. E conseguiu.
A minha rádio anda a passar canções da Kim Wilde. Que maravilha. A Kim é uma velha paixão, de quando eu era novo, muito novo. Era gira, loira, fresca, jovem, moderna, elegante, sensual. Adorei a energia de “Kids In America”. Parecia ser feita para miúdos como eu, apesar de eu não ser americano (com muita pena minha). Mas, gostei (ainda) mais de “Cambodia”: uma canção mais moderna e muito mais exótica. O vídeo (o "teledisco", como então se dizia) expandia o exotismo da canção (como os Duran Duran, nos vídeos de "Rio") e Kim estava (ainda) mais gira. Eu tinha uma paixão pela Kim Wild e tinha um plano (infalível) para a conquistar. Sim, eu era uma criança. Mas iria crescer e ser giro como o John Taylor dos Duran Duran. Infalível.
E, agora, a parte inesperada: eu e a Kim não chegámos casar. Eu sei, é difícil acreditar. Eu, próprio, não consigo encontrar uma explicação.
Ter uma obra-prima é uma bênção, mas, também, pode ser uma maldição. Estrear-se com uma obra-prima, pode acabar por ofuscar uma carreira. Foi o caso dos ABC, com "The Lexicon of Love". A obra-prima transformou-se numa filha-da-mãe. O disco seguinte "Beauty Stab" - (ainda) mais David Bowie e Roxy Music - passou tão despercebido, que se perdeu. Os ABC têm passado grande parte da sua carreira à procura de um novo "The Lexicon of Love", da atenção do público e de si próprios. Por vezes, estiveram perto. Mas, nunca mais acertaram em cheio. Que pena! Esta mistura de Clash com Chic, de Bowie com Smokey Robinson, foi tentada (e conseguida) por outras bandas da altura. Os Duran Duran, por exemplo, conseguiram-no com mais sucesso comercial. Mas ninguém fez tão bem a ponte entre o "glam", o "punk", o "disco" e a "blue eyed soul", como os ABC.
Ryuichi Sakamoto morreu, aos 71 anos.
Continuo a achar o mesmo, que escrevi no final do ano passado: "O cancro devia era ouvir o piano de Sakamoto e chorar de vergonha".
Ryuichi Sakamoto está a morrer. Venceu um primeiro cancro, está a perder na luta contra o segundo. A primeira canção dele que me recordo de ter ouvido foi "Forbidden Colors". Foi na televisão, em teledisco (como, então, se dizia). Gostei, moderadamente. O cantor (David Sylvian) era demasiado parecido com os tipos dos Duran Duran. E eu estava a tentar sair dos Duran Duran. Depois, descobri que a canção era de um filme com o David Bowie. E eu estava a tentar entrar no David Bowie. Fique a meio da ponte.
Mais tarde, fui ver o filme "O Último Imperador", de Bernardo Bertolucci. Adorei o filme (é um dos filmes da minha vida) e a banda sonora. Procurei o autor. Eram dois: David Byrne (o gajo dos Talking Heads) e... Ryuichi Sakamoto (o tipo andava a perseguir-me). Ouvi o disco. Curiosamente gostei mais das composições do David Byrne, que eram mais "étnicas". As composições do Sakamoto eram mais "clássicas". E eu não gostava (nada) de música clássica. Mais, tinha medo de música clássica: a "Toccata e Fuga", do Bach, era música para filmes de terror; a sinfonia da banana, do Beethoven (aquela do "ba- na-na-naaa"), dava-me pesadelos. Mesmo assim, fui ouvindo e fui gostando, cada vez mais, do Sakamoto. Voltei atrás, para ouvir a banda sonora do tal filme com o Bowie. Era diferente, muito eletrónica. Fique baralhado, de novo.
Depois, disseram-me que ele tinha vindo de uma banda, uma espécie de Kraftwerk à japonesa. E fui ouvir outros discos. Que miscelânea! Tinha umas coisas pop muito comerciais, outras eletrónicas, outras que pareciam jazz, outras que pareciam clássica, mas com instrumentos eletrónicos. Depois, saiu uma canção com o David Bowie, que, afinal, era de um tal Iggy Pop, um imitador (pensei). E, a seguir, um disco com o tipo africano que cantava com o Peter Gabriel e vozes tradicionais japonesas e, até, uma canção em português, com um americano que tinha vivido no Brasil. Por essa altura, eu já estava completamente submerso na música de Sakamoto. Um génio: culto, criativo, curioso. Que observa, que absorve, e, depois, reescreve e arrisca. Conhece djs e experimenta a música eletrónica de dança (ele acha que os subgraves nos devolvem ao útero materno). Aproxima-se da bossa nova; lança discos de piano solo; e com pequenos ensembles; e com vastas formações orquestrais. Entra em casa de Tom Jobim, senta-se ao piano e edita um disco com o casal Morelenbaum. Um cidadão do mundo, que me abre ao mundo, continuamente.
Sakamoto é dos meus músicos e compositores preferidos. Acho que ele não iria gostar deste texto, tão cheio de passado. Ele sempre foi voltado para o futuro. Continua a ser. O cancro (sacana!) está a avançar e ele resolveu avançar também. Sentou-se ao piano e deu-nos o seu último concerto. O cancro devia era ouvir o piano de Sakamoto e chorar de vergonha.
Sakamoto explica tudo, aqui:
https://www.youtube.com/watch?v=ZhzpwR19UN4
E toca piano, aqui:
Ryuichi Sakamoto está a morrer. Venceu um primeiro cancro, está a perder na luta contra o segundo. A primeira canção dele que me recordo de ter ouvido foi "Forbidden Colors". Foi na televisão, em teledisco (como, então, se dizia). Gostei, moderadamente. O cantor (David Sylvian) era demasiado parecido com os tipos dos Duran Duran. E eu estava a tentar sair dos Duran Duran. Depois, descobri que a canção era de um filme com o David Bowie. E eu estava a tentar entrar no David Bowie. Fique a meio da ponte.
Mais tarde, fui ver o filme "O Último Imperador", de Bernardo Bertolucci. Adorei o filme (é um dos filmes da minha vida) e a banda sonora. Procurei o autor. Eram dois: David Byrne (o gajo dos Talking Heads) e... Ryuichi Sakamoto (o tipo andava a perseguir-me). Ouvi o disco. Curiosamente gostei mais das composições do David Byrne, que eram mais "étnicas". As composições do Sakamoto eram mais "clássicas". E eu não gostava (nada) de música clássica. Mais, tinha medo de música clássica: a "Toccata e Fuga", do Bach, era música para filmes de terror; a sinfonia da banana, do Beethoven (aquela do "ba- na-na-naaa"), dava-me pesadelos. Mesmo assim, fui ouvindo e fui gostando, cada vez mais, do Sakamoto. Voltei atrás, para ouvir a banda sonora do tal filme com o Bowie. Era diferente, muito eletrónica. Fique baralhado, de novo.
Depois, disseram-me que ele tinha vindo de uma banda, uma espécie de Kraftwerk à japonesa. E fui ouvir outros discos. Que miscelânea! Tinha umas coisas pop muito comerciais, outras eletrónicas, outras que pareciam jazz, outras que pareciam clássica, mas com instrumentos eletrónicos. Depois, saiu uma canção com o David Bowie, que, afinal, era de um tal Iggy Pop, um imitador (pensei). E, a seguir, um disco com o tipo africano que cantava com o Peter Gabriel e vozes tradicionais japonesas e, até, uma canção em português, com um americano que tinha vivido no Brasil. Por essa altura, eu já estava completamente submerso na música de Sakamoto. Um génio: culto, criativo, curioso. Que observa, que absorve, e, depois, reescreve e arrisca. Conhece djs e experimenta a música eletrónica de dança (ele acha que os subgraves nos devolvem ao útero materno). Aproxima-se da bossa nova; lança discos de piano solo; e com pequenos ensembles; e com vastas formações orquestrais. Entra em casa de Tom Jobim, senta-se ao piano e edita um disco com o casal Morelenbaum. Um cidadão do mundo, que me abre ao mundo, continuamente.
Sakamoto é dos meus músicos e compositores preferidos. Acho que ele não iria gostar deste texto, tão cheio de passado. Ele sempre foi voltado para o futuro. Continua a ser. O cancro (sacana!) está a avançar e ele resolveu avançar também. Sentou-se ao piano e deu-nos o seu último concerto. O cancro devia era ouvir o piano de Sakamoto e chorar de vergonha.
Sakamoto explica tudo, aqui:
https://www.youtube.com/watch?v=ZhzpwR19UN4
E toca piano, aqui:
O som inicial dos trompetes anuncia uma jornada épica. Escolho os legumes e as facas e coloco a tábua de cortar na bancada. Descasco e corto nabos e chuchus, alhos e aipo. No final do primeiro andamento, a água com sal já ferve com os legumes. Lavo, escolho e escorro os espinafres. Sinto o drama a crescer. Pico alhos, coloco-os em lume brando com azeite, escorro o atum e junto-o aos alhos. Escolho tomates maduros e corto-os em cubos pequenos, enquanto cresce a tensão entre as cordas e os sopros. Os tomates caem no tacho em conjunto com as azeitonas e as alcaparras. No terceiro andamento, danço, com copos, pratos e talheres, digo a “vida é linda”, mas dói-me a alma por ter que abafar as cordas com o som da varinha mágica. Coloco a rúcula e os agriões na saladeira, vêm-me as lágrimas aos olhos: não sei se é do “Adagietto” se é da cebola. Preparo o “Finale”, ponho a mesa e sirvo a sopa. A cavalaria chega a passos largos. Fim. Estou exausto. Ponho um disco dos Duran Duran, para descomprimir. Cá em casa, acham que eu vou de Mahler a pior.