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Lembrei-me, agora, que os cabeleireiros vão fechar. Se calhar, devia ter pensado nisso mais cedo.
Bush é bom. (Desculpem, hoje acordei um bocado onílico).
Vinha a sorrir, a caminho de casa. Degustava, mentalmente, a promoção "leve 3, pague dois" quando me apercebi que já tinha 1 dos 3 discos acabados de comprar. Voltei para trás, para devolver a gravação da "Sagração da Primavera", de Stravinski, dirigida por Leonard Bernstein para a Deutsche Grammophon. Tinha pouco mais de meia hora para escolher outro disco. Faço uma selecção de 5/6 discos até chegar à final, com duas hipóteses. O meu coração balançou entre um disco de Amália e outro de Madonna. Ganhou Amália, já em tempo de compensação. Voltei para casa a sorrir, desta vez do meu ecletismo.
Racismo, violência policial, pobreza, desemprego, manifestações: eis o que o irmão de Marvin Gaye encontrou nos Estados Unidos, ao regressar da guerra do Vietnam. Marvin inspirou-se nesse regresso para escrever novas canções e acrescentou os seus dramas pessoais: a morte da cantora Tammi Terrell, a instabilidade do seu casamento ou a relação difícil com a sua editora. Com o debate racial, de novo, em cima da mesa tive vontade de regressar a "What's going on". Poderia ser um disco escuro, amargo e violento. Mas, curiosamente, Marvin Gaye canta sobre a morte das pessoas ou do planeta, com a sua voz doce de sempre e sobre um tapete sonoro elegante, sensual e sofisticado.
Como qualquer sopeira, gosto de pechinchas. Por exemplo, gosto de visitar uma certa loja francesa, para comprar a preços do chinês. Peguei no disco "Givin' It Up" de George Benson e Al Jarreau, porque estava barato. O disco abre com um clássico de cada um. O que é mais engraçado é que Jarreau "vocaliza" um instrumental de Benson (Breezin') e Benson "instrumentaliza" um tema de Jarreau (Morning). Mas é mais do que isso. Benson é um guitarrista de jazz que, progressivamente, se foi tornando cantor. Jarreau não é, apenas, um cantor. É um instrumentista genial, que toca voz. Morreu no ano passado e a maioria das pessoas apenas se lembrava do tipo que cantava a música do "Modelo e detetive". Benson e Jarreau têm outra coisa em comum: um talento enorme que, por vezes, foi abafado por opções artísticas duvidosas.
"Quando o teu corpo oscila no meu/ Quando é já carne o que era só céu". É por esta e por outras (muitas outras!), que o novo disco de Godinho não me sai da cabeça.
Paquete de Oliveira chegou até mim como estrela pop. Ouvi-o, em disco, entre guitarras distorcidas, experimentações sónicas, défice de técnica musical disfarçado de avant garde. No final do anos 80, as bandas de rock começaram a ser substituídas por projetos. Os Pop Dell’Arte e a Ama Romanta eram dois projetos de João Peste. Artista visionário, cantor, performer, intelectual, sociólogo. Paquete fora professor de Peste. Era sociólogo e entrava num disco. Eu não sabia se era jovem ou velho; intelectual distante ou mundano ou, mesmo, se tinha projetos.
Mais tarde, conheci Paquete. Era meu professor. Nessa altura, eu já sabia que era um sociólogo especialisado em media, comunicação e jornalismo. Agia como professor, falava com professor. Cuidava de nós. Falou do bar e da cantinas. De salas e bibliotecas. De fotocópias e estacionamento. Nessa altura, já era uma pessoa conhecida do grande público. Escrevia em jornais, aparecia em programas de televisão. Era um ancião sábio e sereno e, no entanto, cheio de inquietude. Mas, sobretudo, era o mais moderno de todos nós. A maioria dos alunos, continuava com projetos e contactos e ideias. Os anos 80 tinham acabado e nós não sabíamos. Paquete sabia, claro. Era, mesmo, sociólogo.