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- Hoje, devíamos jantar mais cedo.
- Certo, mãe.
- Como almoçámos bem, comemos uma sopa, por volta das sete.
- Combinado. E às oito, comemos o quê?
Os doces vinham de Santa Iria de Azóia. Os refrescos também. Os sabonetes vinham de Santa Iria de Azóia. E os desodorizantes e os champôs. O detergente da roupa vinha de Santa Iria de Azóia. Bem como, o pó para a cozinha; o creme para a casa de banho; o líquido para os vidros. Na minha cabeça, a procurar palavras e a decifrar enigmas nas embalagens dos produtos domésticos, Santa Iria da Azóia era um oásis de coisas boas, para comer e cheirar. Um farol de modernidade. O que havia de mais parecido com Nova Iorque, em Portugal. Eu queria ir a Santa Iria de Azóia. Até que fui. E não, não é parecido.
- Como é que se chama a tua tia?
- Chama-se Beta.
- E o teu tio?
- Carlos. Porquê?
- Pensei que fosse VHS. Ah, ah, ah!
- Não percebi.
- Beta, VHS.
- Continuo sem perceber .
- É natural. És um nativo digital e o meu sentido de humor é analógico.
Era uma vez uma criança que não tinha medo, porque não sabia o que era o medo. Mas quer saber. A história está num conto dos Irmãos Grimm e é levada a palco pelos alunos da Escola Superior de Música e Artes do Espetáculo, no Porto. Tudo gente nova, portanto. Nova e destemida.
"Como está a carteira dos portugueses?", pergunta a Antena 1. A minha está assim: velhinha. Sei que vou ter de a trocar, mas custa-me. Custa-me sempre, mas, desta vez, custa-me ainda mais. Aquele autocolante, colado no lado esquerdo da minha velha carteira, é do mais novo, quando era mais novo. Quando era tão novo, tão novo, que ainda não era nascido. Nesse dia, em que se preparava para nascer, colei o mais novo na carteira. É onde está, até hoje. Na velha carteira, do mais velho. Eu.
- Ai, ai, ai!
- O que foi, filho? A rebolar no chão?!
- Ahhh...
- Dói assim tanto?
- Dói. O mano bateu-me no ombro.
- Mas estás a agarrar o joelho!
- Eu sei, pai.
- Isso não faz sentido.
- Faz, sim, pai.
- Não percebo.
- Eu sou jogador de futebol, pai. Estou a praticar.
- Sabes, pai? Comprámos-te uma prenda!
- Ai, sim?
- Sim, é uma tenda de campismo. Mas não digas a ninguém...
- Está bem, eu prome...
- Chuuuu, é segreeedo!
- Vais, assim, para a escola?
- Vou, porquê?
- Porque estás muito à fresca.
- Tu também estás de t-shirt.
- Mas eu vou fazer ginástica.
- Eu também.
- Não vais nada.
- Vou, vou.
- Hoje, não tens ginástica.
- Ginástica mental...
- Ó pai, o "Quebra-Nozes" é um bocado música clássica para crianças. Não é?
- É.
- Então, esta música é um bocado Tchaikovsky para jovens. Não é?
- Para jovens como tu ou como eu?
- Como eu, pai.
- Ai sim?
- Sim, tu já és um jovem um bocado cota.