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Estávamos todos preparados para a febre de sábado à noite, quando a notícia chegou: Paulo Raimundo vai ser o novo secretário-geral do PCP. Um segredo de polichinelo. Já todos sabíamos que ia ser o Paulo. Todos - exceto meia dúzia de jornalistas, comentadores, políticos (em geral) e militantes do PCP (em particular) que tiveram de ir ao Google.
Há muitos, muitos anos, li, na extinta Grande Reportagem, uma entrevista com um comediante. Na introdução, o texto descrevia o comediante como alguém que nos fazia rir de coisas tão sérias como o cancro ou a legislação europeia. Gostei muito. Infelizmente, perdi-lhe o rasto. Reencontrei-o, uns anos depois, quando os comentadores europeus começaram a falar de um movimento político, descrito como demagógico e populista, liderado por um comediante que apelidaram, depreciativamente, de "palhaço". Só, mais tarde, percebi que era o tal comediante que eu tinha gostado: Beppe Grillo. Não vou fazer uma avaliação sobre o seu pensamento e a sua ação política, em Itália, por falta de conhecimento. Mas, custa-me a acreditar que fosse, "apenas", um "palhaço".
Este é o novo sobressalto da democracia europeia: chama-se Eric Zemmour. O candidato à presidência do país da "Liberdade, igualdade, fraternidade" é um conhecido ex-jornalista e comentador da televisão. Zemmour é um judeu de extrema-direita, simpatizante de Pétain - símbolo máximo do colaboracionismo nazi. Um antimuçulmano, que já foi condenado por racismo, e que conta com o apoio de Le Pen pai. Zemmour anunciou que era candidato, num vídeo publicado no Youtube. Não é surpreendente. Os defensores das ideias mais antigas não hesitam em recorrer às tecnologias mais modernas, para espalharem a sua mensagem. Não é uma invenção do populismo de hoje. É uma invenção do populismo de sempre. Os "modernos", admiradores do teórico dos media Marshall McLuhan, continuam encantados com os "meios que são mensagem". Os "antigos" não olham a meios, para atingirem os fins.
[Foto: Joel Saget / AFP]
Santana venceu o primeiro debate. Diagnóstico dos comentadores: foi KO.
Rio ganhou as eleições. Diagnóstico não estava OK.
"Para o alemão ou o inglês medianamente educado", diz Vasco Pulido Valente, no Observador, "Portugal (fora Ronaldo e o turismo) é um vácuo". Ora, eu como não sou inglês, nem alemão, nem (sequer) medianamente educado (ao contrário de Vasco) gosto de encontrar coisas portuguesas, no meio do vácuo. Por exemplo: há uns tempos, encontrei um teatro em França de que gostei muito. Fazia-me lembrar arquitetura portuguesa. E era: o Théâtre Auditorium de Poitiers (que, curiosamente, é conhecido pela sigla "TAP") é uma obra de Carrilho da Graça.
Sim, temos arquitetura de nível mundial. Mas os franceses, (lá está!) não são "alemães ou o ingleses medianamente educados". E temos dois Pritzker, conhecidos como o Nobel de Arquitetura, mas o prémio é americano. E, também, temos prémios Nobel, propriamente ditos, mas são suecos. Uma amiga minha chama-se Amália, mas é romena. E a Carminho foi convidada para cantar Jobim, que é brasileiro.
No meio disto tudo, o reconhecimento (inglês) de Paula Rêgo, só pode ter sido engano. E o reconhecimento (alemão) de Siza, também. Ou, então, o "alemão ou o inglês medianamente educado" não querem é saber de Vácuo. Fazem bem.
Nunca sabemos porque é que os eleitores votam como votam. Hoje, no DN, o jornalista Ferreira Fernandes diz que “Não foi para isto que eu votei no PS”. Então, foi para quê? Votou no PS, para que o PS deite abaixo umas casas que lhe “estragam a paisagem". Cada português vota como vota, por motivos diferentes. Há quem tenha votado no PS, porque tem um filho desempregado. Há quem vote no PSD, pelo mesmo motivo - mas a culpa foi do Sócrates.
A democracia é um sistema curioso. Há muitas pessoas a votar no mesmo sentido, por motivos diferentes. E muita gente a votar em sentidos diferentes, pelo mesmo motivo. Por isso, é preciso ter muito cuidado com as interpretações abusivas. Quando ouço políticos, jornalistas ou comentadores a dizerem que “os portugueses querem” isto ou aquilo, sinto-me espanhol.
Portanto, nem “os portugueses” quiseram um governo da coligação; nem “os portugueses” querem uma maioria de esquerda. Há uma percentagem de portugueses que quer uma coisa, e várias percentagens de portugueses que querem outras coisas. O resto, como diz Fernandes, são “surpresas do caraças”
Marcelo Rebelo de Sousa apresentou-se como candidato a Presidente, na sexta, e despediu-se como comentador da TVI, no domingo. A TVI fez-lhe uma festa, com pessoas que se cruzaram com ele na estação. José Alberto Carvalho descreveu o momento como “pouco ortodoxo” e jornais como o Público e o Expresso deram uso à expressão.
Na forma, a opção pode não ter sido ortodoxa. Mas, na substância, foi. Aliás, o problema do "fenómeno" Marcelo foi esse. A imagem de comentador ousado, manipulador e traquina foi dando lugar a um Marcelo mais institucional. Durante o espaço de comentário na televisão, os seus interlocutores desistiam de ser jornalistas e passavam a ser seus alunos. Até na forma como se tratavam: ele era sempre o “Professor”, eles eram o “Zé Alberto”, a “Júdite" e o “Juca”.
É pena, Marcelo (e nós) merecíamos mais acutilância. Ricardo Araújo Pereira conseguiu ter alguma, Maria Flor Pedroso também. Mas esses não estiveram na festa. O Marcelo brilhante, controverso, parcial, excêntrico, conspirador, contraditório também não foi. Ficou na (excelente) biografia de Vítor Matos. O da despedida da TVI foi apenas “ortodoxo”.