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"Como à espera do comboio
na paragem do autocarro"
Tudo é cor-de-rosa, na minha vizinha. Os brincos - duas argolas grandes e brilhantes. As unhas - longas e pontiagudas. As pálpebras - contrastando com o rímel negro. E, ainda, a carteira, a camisola e o cinto. Tudo rosa. No colo, um livro aberto. As letras são negras, as páginas são brancas, mas os nomes parecem-me cor de rosa: Gerson, Vanda, Neide… A minha vizinha mexe os lábios (cor-de-rosa, claro!) enquanto lê. As vezes percebem-se algumas palavras, sussurradas.
Por descuido, lê mais alto. “Oi, quirida!”; “Não, tou no trem”; “Por volta dáis nóvi, amor”. Afinal, está ao telefone. Tudo é rosa, na vida desta mulher. A roupa, o corpo, o livro, a voz. “Não quirida, pode bôtar pra você. Basta squentar. Eu quando chégar tomo um leite. Amanhã, pego cedo lá na fábrica”. Volta, por instantes, ao Seu Gerson e a Dona Neide. Depois, atende outro telefonema no “cêlulá”: “Não si preocupi, Seu Vítor. Esqueci não. Amanhã, vou receber. Depois a gente ácerta nossas contas”.
Afinal, nem todo é rosa na vizinha. Enterro os olhos no meu livro. Curiosamente, fala de escravos no Brasil. É um bom livro, acho eu. Mas isso sou eu, que tenho uma vida bastante mais cor-de-rosa.