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Humor em tempos de guerra. Na redação.
- ... isso foi há quanto tempo?
- A guerra na Bósnia? Ui, vai fazer 30 anos!
- 30? Nessa altura, eu ainda andava de gatas!
- Este camarada, também. De gatas, a fugir das bombas.
- Fogo, eu acho que morria!
- Ele também achou. Mas, felizmente, ainda cá está.
Ljubomir Stanisic é um cozinheiro que enriqueceu a cozinhar, para ricos; e a fazer televisão, para pobres. Há uma semana, resolver estacionar à porta da Assembleia da República para fazer uma greve de fome e insultar os representantes da República, com a cobertura dos media, que adoram pessoas "fora da caixa". Hoje, depois de ter sido atendido pelo SNS (que, coitados, andam com pouco que fazer) resolveu comparar o primeiro-ministro português a Milošević. Algumas pessoas acharão graça à comparação com o ex-presidente sérvio, esquecendo, talvez, que este foi preso pelo Tribunal Penal Internacional, sob a acusação de crimes contra a humanidade e crimes de guerra. Esta manhã, disse à imprensa que "há 17 anos, passámos 21 dias de fome e derrubámos o filho da p***". Não disse que está em Portugal, há 23 anos.
"Haverá um tempo para maquilhagem, cabelos e compras?", pergunta-se na canção dos Passengers (U2, Brian Eno, Luciano Pavarotti). A Canção "Miss Sarajevo" foi escrita numa altura em que Sarajevo estava a ferro e fogo, estilhaçada pelo ódio e pelo ressentimento. Sob uma chuva de balas e bombas, realizou-se, em Sarajevo, um concurso de misses. Foi este o ponto de partida para a canção. Um absurdo? Talvez. Na altura, lembrei-me dos filmes da Segunda Guerra, em que as senhoras picavam os dedos para fazerem sangue, que depois usavam como "blush", para dar cor ao rosto; ou pintavam um risco nas pernas para simular "collants". Frivolidade? Talvez. Mas, sobretudo, sobrevivência. Uma boa aparência poderia dar acesso a melhor trabalho, melhor alimentação, a melhor alojamento ou, apenas, a permanecer vivo.
Hoje, em tempo de pandemia, haverá modelos a desfilar na ModaLisboa. Vai-se espalhar beleza, porque é preciso: sobreviver, claro; mas, sobretudo, viver. E agora, com a vossa licença, vou retocar o "eyeliner".
Lá em casa, tivemos sempre problemas com o "raça". Assim mesmo, com artigo masculino. Perante a minha irrequietude, a minha mãe dizia: "o raça do rapaz não pára quieto". Ou "o raça do rapaz nunca está calado". O "raça", portanto. O "raça", dizem os dicionários mais nobres, é uma expressão popular para exprimir descontentamento, irritação, contrariedade.
Lá em casa, o "raça" da torneira não funcionava, apesar dos esforços do meu pai. O "raça" do vizinho estacionava a camioneta à nossa porta. E o "raça" do forno queimava o assado de domingo. O "raça" levava sempre com a culpas. A raça também.
No livro "Brasil: Uma biografia", as historiadoras Lilia Moritz Schwarcz e Heloisa Murgel Starling contam-nos que, no século XIX, o "raça" dos brasileiros estavam preocupados com a raça. Para "purificarem" a raça brasileira, "ameaçada" pela sobrevivência dos índios e pela proliferação dos negros, os brasileiros queriam importar pessoas brancas e louras da Europa. Que "raça" de ideia!
Na Bósnia dos anos de 1990, a coisa foi mais difícil. Sem negros, nem índios, era preciso distinguir o "raça" de um eslavo do sul, do "raça" de outro eslavo do sul. Neste caso, a religião, explica Tim Butcher no livro "O Gatilho", serviu para dividir o que Deus uniu. E, depois de divididos, foi o "raça". Chamaram "limpeza étnica" à matança mais suja, levada a cabo na Europa, depois da Segunda Guerra Mundial.
"Raça" é isto: na Cova da Moura ou na cidade de Mossul. E é o raça.