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O avô era comerciante, de profissão; e comediante, por vocação. Apesar de amador, neste campo, usava as técnicas dos profissionais: escolhia um alvo e não largava o osso. Dessa vez, escolheu a primeira licenciada da família e carregou no formalismo e nos salamaleques:
- Sô Tora, obrigado por nos ter brindando com a sua elegância.
A "doutora" sorria.
- E não me refiro, apenas, à escolha da indumentária, mas também da excelente forma física em que se encontra.
A "doutora" tentava disfarçar algum embaraço.
- Permita-me que lhe sirva um copo de vinho. Espero que este bairrada de reserva esteja à altura da sua fineza.
- Obrigada.
E, depois, outro. E, ao terceiro:
- É melhor, não, que eu não estou habituada a beber.
- Pois eu diria que este bairrada devolve, a Vossa Excelência, a cor exigida pela beleza do seu rosto.
- Já percebi que estou a ficar muito corada.
- Eu diria "coradinha", uma cor que lhe realça a nobreza, que lhe é natural.
É, então, que o tio se aproxima:
- Ó avô, não seja chato!
- Estou só a garantir que a doutora não passa sede, já que você não tem essa preocupação.
E, virando-se para a "doutora" solta um:
- Permita-me só um bocadinho.
- Mas só um bocadinho!
O tio volta à carga.
- Ó avô, não vê que a menina não quer mais vinho.
O avô não perde o tom.
- Fique a saber, cavalheiro, que "a menina", como diz, já é "doutora".
- Mas está a ser chato, avô, não vê?
É, então, que o avô muda de tom.
- Chato és tu. Sempre a interromper... e digo-te mais...
Volta-se para nós, pisca o olho e vira-se, de novo, para o tio.
- ... e digo-te mais: se não estivesse aqui a doutora, chamava-te cabrão.