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No armazém, ao pé da minha casa, estavam pendurados 3 cartazes da AD, emoldurados como se fossem retratos a óleo: num, estava o Sá Carneiro; no outro, o Freitas do Amaral; no terceiro, um senhor mais velho. Na telenovela da noite, um dos protagonistas era jovem, tinha uma namorada bonita e era arquiteto paisagista. Na primeira excursão a Lisboa fomos à Gulbenkian: adorei (tanto) os jardins, que nem entrei no museu. Só mais tarde é que comecei a unir as coisas. Gonçalo Ribeiro Telles era, de facto, mais velho do que os outros, mas não era um velhinho. Os jardins da Gulbenkian dificultavam a entrada no Museu porque eram demasiado belos (acreditam que só à terceira tentativa é que resolvi entrar no CAM?). Ser arquiteto paisagista só é uma profissão jovem e moderna, por causa de pessoas como Gonçalo Ribeiro Telles, que criou um oásis de modernidade, no inverno salazarista. É por isso que, apesar de morrer aos 98 anos, ficamos com a sensação que foi demasiado cedo. Por isso, e, também, porque Portugal teima em chegar demasiado tarde. [Foto: Alfredo Cunha]
A casa Malin, de John Lautner, está pendurada nas colinas de Hollywood. A maquete está cá em casa.
"Fiz a tropa em Tancos. Eles queriam arquitetos para reconstruir os quartéis que estava todos desfeitos. Fiz várias obras em estilo pós-moderno, que era uma coisa que eu odiava. Era uma espécie de vingança. Fiz guaritas com colunas e frontões, tudo o que me desse na cabeça. E pintei o campo de Tancos em amarelo canário e fui chamado a um general que me castigou". Souto de Moura, arquiteto com sentido de humor, prémio Pritzker 2011.
Oscar Niemeyer desenhou Brasília, para a democracia. Mas a cidade foi colonizada pela ditadura. E Oscar recusou, sempre, qualquer forma de ditadura. Até, a do ângulo reto. Niemeyer morreu há 6 anos. A sua obra ainda está aí: para as curvas.
Depois das televisões, a imprensa portuguesa quer-se afirmar no mercado das séries. Já saíram dois episódios no "i". O terceiro episódio sai no sábado, no Sol. Aparentemente, é uma entrevista em fascículos. Só que o personagem principal torna aquilo numa novela. Chama-se Tomás. Mas Tomás é nome de beto. Chamemos-lhe Toni. Mantém a aliteração do "T" e adapta-se o nome ao discurso do personagem. Ele diz coisas como "sei mais do que estes gajos todos juntos" ou "se o estádio do Braga é bonito, a Madre Teresa de Calcutá é a miss mundo". Não se sabe se estas afirmações foram feitas com um palito nos dentes. Mas, no caso de se avançar para a novela, aconselha-se o adereço.
Toni é uma mistura de arquiteto, com gajo de alfama e capitão de Abril. Gosta de dizer "gajo" e "malta". Faz preceder qualquer nome pelo artigo definido: "o Costa", "o Salazar", "o Sócrates", "o Siza". Por exemplo: "o Siza só ganhou o Pritzker porque é judeu" ou, ainda, "o Souto Moura nem sequer é arquiteto". O Toni é um ponto. O estádio do Dragão só é bom porque o Toni pôs um holandês a trabalhar com o Manuel Salgado. O estádio da Luz só é bom porque foi feito sobre um projeto do Toni.
Achei o segundo episódio mais fraquinho. Mas o terceiro deve ser muito bom: com "gajas boas" e tudo, como nas novelas. Aguarda-se, portanto, o terceiro episódio do homem que fez "o último ícone de Lisboa". Por mim, já escolhi a música do genérico. É do Tony, este com "Y": "Depois de ti mais nada".
O arquiteto Manuel Aires Mateus foi distinguido com o Prémio Pessoa 2017. A entrevista, deste fim de semana, no Expresso, é uma delícia. Gosto da forma como fala da sua família (o avô, os pais): entre o pragmatismo e o espírito artistico; entre o salazarismo e a extrema-esquerda. Da forma como fala do seu irmão Francisco, que também é arquiteto, mas possuidor de vários talentos. É impossível separar a sua vida, da sua arquitetura ligada à terra: tem muita obra no estrangeiro, mas a sua obra, diz o arquiteto, é sempre "daqui".
E a sua vida também é aqui. "O que é que verdadeiramente lhe interessa na vida?", pergunta-lhe o jornalista Valdemar Cruz. "A vida", responde, "Adoro viver". E acrescenta: "Mas sou uma pessoa de uma banalidade extrema. Cresci, estudei, casei aqui, tive os meus filhos aqui." Num país mediano, onde todos querem ser excecionais, há um arquiteto, que é dos melhores do mundo, que diz "Adoro tudo aquilo que as pessoas adoram, mas ao mesmo tempo adoro sentar-me aqui e ficar aqui a pensar".
"Para o alemão ou o inglês medianamente educado", diz Vasco Pulido Valente, no Observador, "Portugal (fora Ronaldo e o turismo) é um vácuo". Ora, eu como não sou inglês, nem alemão, nem (sequer) medianamente educado (ao contrário de Vasco) gosto de encontrar coisas portuguesas, no meio do vácuo. Por exemplo: há uns tempos, encontrei um teatro em França de que gostei muito. Fazia-me lembrar arquitetura portuguesa. E era: o Théâtre Auditorium de Poitiers (que, curiosamente, é conhecido pela sigla "TAP") é uma obra de Carrilho da Graça.
Sim, temos arquitetura de nível mundial. Mas os franceses, (lá está!) não são "alemães ou o ingleses medianamente educados". E temos dois Pritzker, conhecidos como o Nobel de Arquitetura, mas o prémio é americano. E, também, temos prémios Nobel, propriamente ditos, mas são suecos. Uma amiga minha chama-se Amália, mas é romena. E a Carminho foi convidada para cantar Jobim, que é brasileiro.
No meio disto tudo, o reconhecimento (inglês) de Paula Rêgo, só pode ter sido engano. E o reconhecimento (alemão) de Siza, também. Ou, então, o "alemão ou o inglês medianamente educado" não querem é saber de Vácuo. Fazem bem.