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Durante muitos anos, chegava aos músicos mais velhos, através dos músicos mais novos. O Caetano Veloso levou-me até João Gilberto, o Sérgio Godinho a José Afonso, os Duran Duran a David Bowie. Até que passou a ser (também) ao contrário. Por exemplo, foi através de David Bowie que eu ouvi, pela primeira vez os Arcade Fire. De modo que, quando o meu irmão (mais velho) me perguntou "Conheces esta banda?", pude responder "conheci-os na semana passada, o Bowie mostrou-me". Não sei se foi por respeito aos mais velhos, mas a banda ficou-me até hoje.

(Escreve, Miguel, para aqueles dias em que tens dúvidas se estás a dar uma boa educação aos miúdos)
- O que é que estamos a ouvir, pai?
- Então, já ouvimos este disco tantas vezes.
- Eu sei, mas não me estou a lembrar. Eu conheço esta voz.
- Queres arriscar?
- Ainda não. Agora, é uma cantora...
- Chama-se Régine. E tem um convidado especial.
- É o Peter Gabriel.
- Como é que sabes, filho? Quase que nem se nota!
- Nem se nota? Oh, pai, esta voz é inconfundível!
Hoje, vim para o trabalho a ouvir a voz e a guitarra mágica de Tom Verlaine, nos Television. Ouvi o disco "Marquee Moon" e repeti a sensação de frescura e familiaridade que tive, quando o ouvi pela primeira vez. Cheguei aos Television, pela mão dos seus descendentes - um pouco à semelhança do que tinha acontecido com os Velvet Underground. Ouvi "Marquee Moon", com a voz de Verlaine (aguda e repleta de vibrato) e a guitarra rendilhada e virtuosa (mas isenta de virtuosismos estéreis) e pensei nas bandas que marcaram a minha adolescência: dos Felt aos Go-Beetweens, de Lloyd Cole and The Commotions a Siouxie and The Banshees, dos Echo and The Bunnymen aos Cocteau Twins. Pareciam que já estavam todos, ao mesmo tempo, em "Marquee Moon". O disco surgiu em 1977 - o ano seminal do punk. Não é, no entanto, uma herança datada. Quando ouvi, pela primeira vez, os Arcade Fire, senti que a herança dos Television estava lá. Tom Verlaine nunca alcançou a respeitabilidade de Lou Reed, nem foi tão inventivo como David Bowie (que o chegou a cantar), mas deixa um legado importante. Mesmo naqueles que nunca ouviram: nem o seu nome, nem a sua música.
No início, era a pandemia: o confinamento, o isolamento. O último disco dos Arcade Fire parte daí: da ansiedade ("Age of Anxiety"), da toca de cada um ("Rabbit Hole"). Começa centrado no "eu", mas evolui para um "nós". É um disco de introspeção, mas também de catarse, de redenção e de conexão. Um disco fotografia; mas, também, um disco cartão-postal: "Espero que este postal te encontre bem de saúde" / "Nós, por cá, tudo bem". No fundo, é o disco que eu estava a precisar de ouvir, por estes dias. Um disco que me faz regressar à minha adolescência: quando achava que as canções podiam salvar-me; quando achava que as canções podiam salvar o mundo. Por esta ordem, ou pela ordem inversa.