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- Estamos a ganhar, pai?
- Acho que sim. Há pouco, estava 1-0.
- Porque é que não estás a ouvir o relato?
- Porque estou a ouvir música.
- Clássica, ainda por cima.
- E...?
- Não devíamos estar a apoiar Portugal?
- E estamos.
- Com música clássica!?
- Exato, do Joly Braga Santos.
Esta manhã, fez uma chamada para a corresponde em Londres.
A seguir, passou este "London Calling".
Só para chamar a atenção. Está toda gaiteira, a minha rádio.
Quando fez 60 anos, a norte, a minha RTP escreveu o nome dos seus trabalhadores na parede. O meu nome está lá. E não está só, está bem acompanhado. Tenho orgulho de ter o meu nome escrito naquela parede, no local onde trabalhei quase 8 anos. Vou continuar a trabalhar na Rádio e Televisão de Portugal, apenas mais longe desta parede. Portanto, não há motivo para dramas. Eu é que sou um lamechas, agarrado às pessoas e aos locais onde habito. Onde tenho habitado. Trabalhado. Se pensar bem, a minha casa continua a ser a mesma - a Rádio Pública - só mudo de turma. Já nos encontramos, no recreio. Até já.
"Isto é muito estranho", disse a convidada, "porque eu estou a falar com o João Gobern, mas ele não está aqui". "Estou, estou", disse o João, "garanto-lhe que estou". "Eu vou explicar aos ouvintes", continuou a convidada, "eu estou no estúdio, em Lisboa, com a Margarida à minha frente, mas o João está no Porto. E eu tenho de ter uns auscultadores, na cabeça, para o ouvir. Isto é surreal!". "Não é nada surreal", pensei, "é rádio". A rádio convive, desde sempre, com vozes à distância. A pandemia trouxe a democratização/banalização (riscar o que não interessa) das vozes à distância. Mas elas fazem parte da história e da paisagem sonora da rádio. E, no caso português, da prática diária das rádios do serviço público. Esta semana, tenho "contracenado" com o André Santos, na Antena 3. Hoje, juntámo-nos, pela primeira vez, em estúdio. Aliás, nunca tínhamos estado juntos, fisicamente, no mesmo espaço. É "surreal"?! Não, não: é rádio.
Acordar na noite escura
Chegar à redação
Descobrir um colega doente
Editar a Antena 3
Enfim, a alegria no trabalho.
Um dia destes, farei um texto espetacular sobre a dignidade no trabalho. Será uma coisa como deve ser: bem pensada, bem escrita, com citações eruditas e notas de rodapé. Infelizmente, agora não tenho tempo. Tenho que pôr estas almofadas na cama, coitadas!
- Olá, Vítor, estou a chegar!
- Ótimo, eu também estou a chegar.
- Calculei. Tenho ideia que acabei de o ver.
- A sério?
- Sim, ali na esquina do mercado.
- Vinha a comer uma banana?
- Acho que sim.
- Então, era eu.
Que bela forma de começar o encontro com o coreógrafo Vítor Roriz, que veio para o Festival. Serpenteámos as ruas da pequena localidade de Pujaut, até encontrar a correta. Subimos a pé, até ao local onde iria apresentar a sua performance, sob o som, ensurdecedor, das cigarras e o sol, inclemente, de Avignon. Ao todo, a atividade demora 7 horas, com pausa para o almoço. Mas eu tenho, apenas, um minuto e meio para contar a história, sem pausa para jantar.
Era meia-noite e meia, em Avignon, quando a encenadora francesa Julie Deliquet atravessou o palco do Cour d’ Honneur, do Palácio dos Papas, de braço dado com o realizador norte-americano Frederick Wiseman, de 93 anos.
Ao final da manhã, a dupla já estava sentada, no Pátio dos Claustros de São Luís para um Café das Ideias, um espaço de debate e convívio do Festival.
Para aqui chegar precisei de 3 cafés. Estou um trapo. O senhor de 93 anos (pelo contrário) parece impecável. Confirma-se: os 90 são os novos 50. E vice-versa.
"Espetáculos musicais, sem músicos, sabem-me a pouco", disse David Ferreira, esta manhã, na Antena 1. A afirmação veio a propósito das passagens de Rosalía e dos Pet Shop Boys pelo Primavera Sound. A Rosalía diz-me pouco, porque conheço pouco. Já os Pet Shop Boys dizem-me muito. São das minhas bandas preferidas. E, mesmo assim, não me chamaram ao festival. Nos festivais desfilam-se os sucessos do costume, os Pet Shop Boys praticamente não usam músicos em palco e (convenhamos) Neil Tennant é um cantor muito limitado. Portanto, sem música, sem músicos e sem cantor, ficamos com o quê?
Mais de 40 anos depois, continua a ser difícil apresentar música pop, de pendor eletrónico, em palco. Durante muito tempo, várias bandas optaram por fazer discos, sem os apresentar ao vivo. Depois, com a fiabilidade das tecnologias musicais e com o desenvolvimento das tecnologias visuais (e com o quase fim da venda de discos) fizeram-se à estrada. Vi as imagens do palco dos Pet Shop Boys e (sinceramente) gostei muito do que vi. Esteticamente, os Pet Shop Boys (as capas dos discos, os videoclips, as roupas, os palcos) sempre foram irrepreensíveis. Mas, temo que o apuro estético resulte num ciclo vicioso. As imagens servem para ilustrar a falta de música e vice-versa. Os músicos, os cabos, os "roadies" estragam o cenário. Temos visto isso, todos os anos, no Festival da Canção e da Eurovisão.
Já viram os Pet Shop Boys, ao vivo, com um coro, percussionistas, naipe de metais, orquestra de cordas e com o Johnny Marr, na guitarra? Eu já. Não me soube a pouco, soube-me a tanto. Infelizmente foi, apenas, na minha cabeça.
David Ferreira a contar, aqui:
https://www.rtp.pt/play/p955/e698104/david-ferreira-a-contar