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António Variações

por Miguel Bastos, em 13.06.24

VARIAÇÕES.jpgAntónio Variações morreu no dia de Santo António. E de Fernando Pessoa. E cantou Fernando Pessoa, a partir de um poema chamado "Canção". Sempre que ouço a "Canção", sinto um nó, na garganta, e um arrepio, na espinha. Escreve o Fernando e canta o António: "Mal oiço, e quase choro / E porque é que eu choro, não sei". A voz é sofrida, a melodia é fúnebre. É difícil não pensar na morte de Variações. Estaria, ele, consciente da chegada da sua própria morte, quando compôs ou cantou a "Canção"?

Tal como aconteceu com Pessoa, a obra de Variações só começou a ser descoberta, depois da sua morte. É certo que teve canções de sucesso, logo ao primeiro disco. Mas o segundo ("Dar e Receber", com os Heróis do Mar como banda de suporte) passou despercebido. Algo que foi agravado com a sua morte. O disco não foi promovido, o público lançou-se nos braços de outros artistas. Foram precisos vários anos, para que nos pudéssemos aperceber do artista que tínhamos perdido e (pior) continuávamos a perder. Um artista extraordinário e complexo. Sem heterónimos, mas repleto de Variações.

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Decorar livros

por Miguel Bastos, em 18.12.20

amalia onde arrumar.jpg

Sou um leitor com alma de decorador. Esta manhã, por exemplo, não me consegui decidir. Onde arrumar "Amália - Ditadura e Revolução", de Miguel Carvalho? Ao lado das biografias políticas de Mário Soares, Otelo Saraiva de Carvalho e Humberto Delgado? Ou junto às biografias artísticas de António Variações, Sérgio Godinho e Caetano Veloso? Podem enviar as vossas sugestões. Mas (lá está, o meu lado de decorador) também podem enviar clássicos de mobiliário de design do século XX. E é isto. Obrigado.

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Reconhecer Amália

por Miguel Bastos, em 11.08.20

amalia ditadura.JPG

“E Ceausescu pede Amália”, escreve Miguel Carvalho em “Amália - Ditadura e Revolução”. Em 1975, o presidente da Roménia comunista estava de visita ao Portugal do PREC e pediu para ouvir a cantora que, por essa altura, em Portugal, era chamada de “fascista” ou “princesa da PIDE”. Antes de ser adoptada pelo Estado Novo como produto de exportação, Amália (como o fado, em geral) tinha sido alvo da sobranceria dos intelectuais do salazarismo. Com o 25 de Abril, voltou a sofrer do mesmo tipo de discriminação. Agora da bancada contrária.

Amália não precisou do 25 de Abril para atravessar a cortina de ferro. Em 1969, esteve, inclusivamente, na capital do império vermelho. Também não precisou do 25 de Abril para cantar as melodias de Alain Oulman, e a poesia de Ary dos Santos, David Mourão-Ferreira ou Manuel Alegre. Fê-lo sem olhar às convicções políticas de quem a rodeava, e isso nem sempre lhe foi reconhecido.

A perseguição política que lhe fizeram, depois do 25 de Abril, foi tão absurda como a apropriação que lhe tentaram fazer, durante o Estado Novo e, mais tarde, durante a consolidação da democracia. Amália nem sempre terá sido hábil na gestão do seu relacionamento com os poderes políticos, mas foi sempre muito hábil na gestão da sua carreira artística. E foi pelo meio artístico que foi sendo resgatada. Não pelos artistas de antigamente, mas pelos novos artistas emergentes de então: António Variações ou Carlos Paião, primeiro; Madredeus ou Dulce Pontes, mais tarde.

“Amália - Ditadura e Revolução” é um contributo rigoroso para conhecermos Amália, no contexto social e político em que a sua carreira se desenvolveu. Mas é, também, um contributo extraordinário para nos reconhecermos a nós próprios: enquanto indivíduos e enquanto portugueses.

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Bacalhau com todos

por Miguel Bastos, em 26.03.18

ana bacalhau.jpg

Este não é um texto sobre gastronomia. É, apenas, um trocadilho básico, para falar de Ana Bacalhau. A própria encomendou uma letra a Capicua, para brincar com o seu nome, numa canção que funde hip-hop com música tradicional portuguesa. De resto, o seu primeiro disco a solo “Em nome próprio” está cheio de misturas: de estilos e de autores, novos e talentosos.

 
Faltava a prova ao vivo. Tive-a neste fim-de-semana. A cantora voltou a misturar. Desta vez, as canções do seu disco, com clássicos de Fausto, Trovante, Carlos do Carmo (Ary dos Santos / Paulo de Carvalho) e António Variações. Mas separou as águas, ao evitar canções da Deolinda. E agitou as águas, para não ficar em águas de bacalhau. Não gostei de tudo, mas apreciei-lhe a vontade de arriscar.
 
Ana Bacalhau é um exemplo do bom momento da música portuguesa. Um dos melhores períodos, de sempre. Que celebra o novo, apoiada num lastro que, durante muito tempo, foi ignorado. Porque todos queriam parecer modernos.
 
Mas, ser moderno não é comer fast food, como todos. Ser moderno, é gostar de Bacalhau, com todos.

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