Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
- Mas, vamos todos morrer, pai?
- Vamos, filho.
- Mas isso não é justo
- Pois não, mas são as regras do jogo.
- E não dá para mudar?
- Não. Mas temos um plano.
- Qual é?
- Mais cedo ou mais tarde, vamos todos morrer, não é? Portanto, o plano é... mais tarde.
- É, esse, o plano?
- É. Eu sei que não parece grande coisa, mas é o que temos. Tentar ter uma vida boa, com os que mais amamos: ter cuidado com a saúde, comer poucos doces, fazer ginástica, ir à escola, ser um bom menino, fazer amigos, amar a família... é por aí.
- Ah... mesmo assim, estou triste.
- E deves estar, filho. Ficamos tristes, quando nos morre alguém tão especial.
- E já não volta?
- Não. Mas não te esqueças do plano. Já que, mais cedo ou mais tarde, vamos todos morrer, vamos fazer tudo para que seja... mais tarde.
"Quando for grande", pensei, "vou-me casar ao som do 'Love Theme', do Barry White". Foi, mais ou menos, isso que aconteceu. A música não foi no momento programado na minha cabeça, mas ouviu-se. O casamento fez-se e manteve-se. Mantém-se, felizmente. Faltava, apenas, o disco original, que comprei passado uns anos, em segunda mão. A data da edição é mais próxima do meu nascimento, do que de meu casamento, e é descuidada (coitadinha). Na contracapa, tem a ficha técnica em português. Na capa, exibe, em letras estilizadas, "Arreglos e Direccion: Barry White". Escapa, à primeira vista. Ganha graça, à segunda. Barry, a piscar o olho a Gershwin no título "Rhapsody in White". Barry, o maestro negro com sobrenome branco. Barry, a dirigir uma orquestra chamada "Love Unlimited". Barry e o amor. Sempre o grande tema.
O amor tem altos e baixos. Às vezes, dou por mim arrebatado, inebriado, embevecido. Outras vezes, recuo e vacilo. Lamento-lhe a pobreza, a decadência, o desleixo. Nessa altura, dá-me para ouvir esta música. "Morro de amor", diz o primeiro verso do "Fado Moliceiro", que faz renascer a minha paixão. Hoje é dia de festa e de amor. Na minha terra. Pela minha terra.
[O Fado Moliceiro junta três génios: Ary dos Santos, Carlos do Carmo e Carlos Paredes]
É dia dos namorados. Mas, por favor, não se ponham para aí a dizer que gostam de ouvir baladas do Phil Collins. Porque é meloso. Porque é piroso. Façam como eu. Ouçam-nas, mas não digam a ninguém.
- Parabéns, D. Rosa, já sei que fez anos de casada!
- É verdade!
- E, então, como é que comemoraram?
- Ah, foi maravilhoso. O Armando trouxe-me um ramo de rosas vermelhas...
- Oh, rosas para uma Rosa!
- ... foi o que ele disse, e depois fomos jantar fora...
- Que bem!
- ... eu levei um vestido vermelho, ele uma gravata da mesma cor... depois, levou-me a dançar...
- Sim, senhor!
- É, eu adoro danças latinas.
- Bem, esse senhor Armando é um romântico!
- Acha?! Foi um dia igual aos outros.
- Ahhh...
- Não me diga que acreditou, que o Armando me levou a dançar?
Acreditei, por um Shegundo, confesso que acreditei. Teria sido bonito, para terminar o ano.
Melhor que uma cabana. Amor e uma cadeira.
Somos uma família de gente pirosa. Felizmente.
"A imagem não importa". "A verdadeira beleza da mulher está no interior". "Não ligo ao físico, eu quero é um homem que me faça rir". Tretas. Com esta trunfa, se eu soubesse o que sei hoje, tinha casado com uma cabeleireira.