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Presidenciais de 91. Depois de ter vencido Freitas do Amaral, Mário Soares voltava a enfrentar um nome histórico do CDS. Nessa noite, Basílio Horta iria fazer um comício na minha terra. Eu e o Carlos passámos pela casa do Afonso. "O Afonso não está", diz-nos o irmão, a sorrir, "foi ver o primo Basílio". Os dois irmãos eram muito diferentes. O Renato vivia com o pai e era todo "Soares é fixe!". O Afonso vivia com a mãe e tinha sido todo "Prá frente, Portugal!". Já o Carlos, ao meu lado, era todo "Quero lá saber!". Disse o Carlos: "É um tipo fixe, o Renato. Só não percebi a do primo Basílio". Tentei explicar-lhe que Basílio era o candidato às eleições presidenciais, mas ele interrompeu logo: "Ah, então é isso. Eu não tenho pachorra nenhuma para política". "Nota-se", respondi. "Mas porque é que ele disse 'primo'? Eles são primos?". "Por causa do livro do Eça de Queiroz", respondo. "Ah, não tenho pachorra para ler". "Também se nota", respondo. "Ai sim?" (de repente, o Carlos mostrou-se zangado) "Por acaso está escrito na minha cara?!". "Não. Mas, se estivesse, também não ias ler, pois não"?
O que é que aconteceu ao carro do Fernando? Um SUV: todo inchado, todo jeitoso. O Fernando também andava todo inchado, com o SUV. Bem bonito, por sinal. A arrancar dores, aos cotovelos, e espanto, às sobrancelhas. O SUV era o corolário de uma vida de trabalho e de empenho. Brinquei com ele: "Estás a SUVir na vida!" Sorriu, orgulhoso. Conheci o Fernando, andava, ele, num carrito italiano amachucado, que herdara do pai. Mais tarde, o Fernando conseguiu comprar uma carrinha, com espaço para albergar as três crianças que, entretanto, lhe foram florescendo. O Fernando deve ter tido mais carros, mas estive vários anos sem o ver e, quando o reencontrei, tinha acabado de comprar o SUV.
Pergunto ao Fernando, que passa, notícias do SUV. O Fernando, do SUV, teve um AVC. A sigla é menos jeitosa, é certo. Mas ele, aparentemente, está mais jeitoso. Dizem-lhe que está mais novo, que está mais leve, desde que deixou o SUV, pesadão, na garagem. Vejo, agora, o Fernando, a seguir caminho, rua abaixo, de mochila às costas. Também acho que nunca o tinha visto tão novo, nem tão inchado.
- Fui ao médico e ele assustou-me.
- Então porquê?
- Tenho as análises todas avariadas. O médico não gostou do eletrocardiograma, nem do raio x, nem do raio que o parta.
- Mas o que é que diziam os exames?
- Colesterol, ácido úrico, diabetes, tensão alta, arritmia...
- Bem, não te falta nada!
- Foi o que o médico me disse.
- E o que é que ele te receitou.
- Uma data de medicamentos, exames e mais exames, e uma dieta rigorosa.
- Pois...
- Nada de fritos, nada de assados, nada de cerveja, nada de digestivos. Só me deixa beber um copo de vinho e fumar dois cigarros por dia.
- Quando é que voltas ao médico?
- Daqui a duas semanas. O médico era para me fazer uma prova de esforço...
- E não fez?
- Não e não me queria dizer porquê.
- Como assim?
- "Ah, deixe lá isso" e tal. E eu "Então, doutor, não vou fazer a prova de esforço". E o tipo "Ah, temos tempo".
- Se calhar, quer ver o resultado dos outros exames e da dieta.
- Foi o que ele me disse, mas eu voltei a insistir.
- E ele?
- Ele, depois de lhe ter perguntado mais duas ou três vezes "porquê", vira-se para mim e disse: "Ó, homem, se você faz uma prova de esforço, agora, fica-me estendido no chão, com um ataque cardíaco". Estás a ver o sacana?!
- Então, tu perguntaste, ele respondeu!
- Eh, pá, mas não precisava de dizer daquela maneira! "Fica-me estendido"?! Sacana do gajo, pá!
A Antena 2 é uma velha amiga. Não nos vemos muitas vezes. Mas, sempre que nos reencontramos, é como se nos tivéssemos visto no dia anterior. As saudades matam-se depressa e a conversa sai-nos com facilidade. E, depois, a Antena 2 é generosa. Prepara-me uma sandes, serve-me um chá, conta-me novidades. Obrigado, querida Antena. É sempre bom voltar a ver-te, voltar a ter-te. Esta semana, posso ficar no sofá da sala?
- Tu pensas muito no passado, não é?
- Talvez.
- Andas a perder tempo.
- Achas?
- Acho. Eu não perco tempo. Penso é muito no futuro.
- Eu também.
- A sério?
- Sim. Eu acumulo passado, para me preparar para o futuro.
- Sabes, não gosto muito da música da tua rádio.
- Estás no teu direito. Já agora, porquê?
- Não sei, acho que devia ser mais "traulitável".
- Quererás dizer "trauteável"?
- É a mesma coisa.
- Não, não é.
- Estás a ser picuinhas.
- Estás a ser trauliteiro.